Economia

FICAREMOS SEM
AS MONTADORAS?

  DANIEL LIMA - 19/11/2025

Nem pensar, nem pensar. Vade retrum. Sai ziquizira. Por mais que os chineses sejam predadores, e o são sobremaneira, por mais que as lideranças metalúrgicas ainda não tenham entendido o novo riscado geoeconômico e geopolítico do setor, por mais que os prefeitos atuais e os antecessores sejam ou tenham sido negligentes, por mais que as lideranças sociais e econômicas não estejam nem aí com o cheiro suspeito da brilhantina, por mais que qualquer coisa, tão cedo não ficaremos sem as montadoras. Comemorem, leitores. Mas não muito, não demasiadamente.

Sabem por que não se deve festejar essa projeção que não pode ser chamada de otimista, porque otimista não o é? Porque entre as inúmeras razões que determinam a resiliente embora abalroada competitividade das montadoras e autopeças do Grande ABC, ainda existe significativo peso do potencial de mercado da Grande São Paulo expandida. Mas convém não continuarem a exagerar na dose. Já perdemos um bocado dessa matriz econômica que alavancou a mobilidade social no Grande ABC. Já empanturramos os leitores com dados estatísticos que sustentam essa análise. Seria desnecessário reproduzi-los agora. Basta lembrar que não somos mais que 10% da produção nacional de veículos. Nos tempos dourados éramos monopolistas.  

MINIMIZANDO SITUAÇÃO 

Se fosse frio e calculista como o Grande ABC mereceria que fosse, se desse uma forçada de barra para sustentar uma constatação que é parcial, mas que seria transformada em funeral,  diria que não temos escapatória senão chorar o destino que nos está reservado.

Não o faço porque seria o extremo de um sentimento de  completa entrega do ouro aos bandidos da concorrência nacional e internacional. Temos setor automotivo, temos setor de autopeças, temos essa combinação da atividade mais competitiva do planeta, temos tudo isso por muito tempo. Talvez não muuuuuiito tempo, mas por bom tempo.

Entretanto, o contraponto precisa ser dito: vamos nos tornar ainda menos importantes nacionalmente na produção de veículos, embora, paradoxalmente, continuaremos a depender exageradamente da atividade. A Doença Holandesa Automotiva é nossa salvação e nosso calvário. A linha divisória entre uma coisa e outra coisa está se tornando cada vez mais ameaçadora.  Perdemos sistemática participação absoluta e relativa na produção automotiva nacional. E perdemos internamente, no Grande ABC,  tanto uma coisa quanto outra coisa. Por isso o PIB Tradicional despencou na região neste século. Mas a derrocada vem desde 1990. Começou com o movimento sindical, prosseguiu com a guerra fiscal e depois vieram outros impactos temáticos. E outras catástrofes estão chegando. Dê uma olhadinha no trecho Norte do Rodoanel. Deu? Pois é. 

PERDENDO FORÇAS

Estamos fadados a perder força relativa quando as empresas montadoras e as autopeças se colocam em confronto com o mapa nacional em forma de concorrência. E vamos sofrer muito com a chegada dos chineses,  praticantes ostensivos de dumping social, dumping trabalhista, dumping tributário e o escambau – com os aplausos descuidados ou ideologicamente fundamentalistas  dos metalúrgicos do Grande ABC.

Li com preocupação imensa a reportagem publicada na edição de ontem no jornal Valor Econômico. Uma reportagem produzida por Marli Olmos, jornalista especializada no setor automotivo. Ter especialista no jornalismo é uma enorme vantagem. Os consumidores mais exigentes de informação agradecem. A raia miúda de passadores de olhos nem reparam. Por isso votam em muitas tranqueiras. Há um valor agregado de conhecimento dos especialistas que outras publicações, de coberturas episódicas, quando não erráticas, jamais acompanham. E se não acompanham , apanham em forma de desinformação ou baixa informação. Vivem de cliques de superficialidades. Colecionam milhares de visualizações fastfoodianas.

À frente da revista LivreMercado, não custa lembrar, contava com uma equipe enxuta mas de especialistas em várias áreas. No setor automotivo também. Por isso, existem nada menos que 978 matérias e análises que tratam diretamente e também indiretamente das montadoras de veículos e ramais de autopeças. A cada 10 análises de nosso acervo, uma se refere ao setor automotivo. Regionalidade está em todas ou praticamente em  todas as inserções.

Pois bem: escreveu Marli Olmos no Valor Econômico de ontem sobre a participação das montadoras tradicionais no Salão do Automóvel que, depois de sete anos, voltará a ser realizada na Capital Paulista. Vou reproduzir alguns trechos, de imediato:

VALOR ECONÔMICO

O céu de São Paulo serviu de palco para a chinesa MG marcar sua estreia no Brasil na semana passada. Um show de drones começou com desenhos de símbolos e carros em movimento e terminou com uma cascata iluminada. A partir de sábado (27), o Salão do Automóvel de São Paulo será mais um palco para as chinesas, já donas de quase 15% das vendas de carros no Brasil, mostrarem suas novidades no país que já desponta como um dos maiores mercados dessas marcas fora da Ásia. Antes disso, nesta terça-feira (18), outra novidade marcará uma nova etapa do avanço das chinesas no Brasil: o anúncio do início e produção dos carros da Geely. Ao contrário do que já fazem BYD e GWM, as primeiras a produzir no país, a Geely não terá fábrica própria. Utilizará as instalações da Renaut, sua nova parceira, em São José dos Pinhais (PR).

NADA VEZES NADA

Retomo meu texto: enquanto o Brasil passa por revolução no setor automotivo, as autoridades públicas da região, indistintamente todas, porque o interesse é geral, e tampouco outras supostas lideranças, nada fazem. Ou se fazem, caso dos sindicalistas, o fazem sem apetrechamento técnico competente.

Esta não é a primeira nem a última vez que chamo a atenção para o desprezo autofágico ao setor automotivo na região. Estamos completamente isolados do movimento nacional e internacional, embora os sindicalistas queiram vender gato por lebre. Tanto querem vender gato por lebre que ainda recentemente (e registrei aqui como uma análise de advertência) vários deles estiveram na China e trouxeram na bagagem a bobagem hilariante de que, predadores, os asiáticos teriam interesse em aportar no Grande ABC, onde as chamadas conquistas sindicais fizeram história proclamadas pelos próprios sindicalistas.

VALOR ECONÔMICO

Volto à reportagem do Valor Econômico. Seleciono mais alguns trechos. Escreveu Marli Olmos que outra parceria, entre Stellantis e Leapmotor, que há dois anos criaram uma joint-venture internacional, também facilitou a entrada da chinesa no mercado brasileiro. A Leapmotor lançou seus primeiros carros no país este mês já apoiada na infraestrutura de vendas, pós-venda e logística da Stellantis. Espera-se que a próxima etapa do acordo seja a produção de carros da chinesa em uma das fábricas da Stellantis no Brasil. 

DESINTERESSE CALAMITOSO

Retomo a análise. A nova turma de prefeitos da região é boa ou relativamente boa de mídias sociais. É incessante a presença dos titulares dos Paços Municiais em diferentes endereços midiáticos. Ocupam-se diariamente de novidades sempre epidérmicas. Transformações de verdade, absolutamente nada. Como os anteriores. O setor automotivo deveria ser prioridade zero. Uma força-tarefa de especialistas deveria estar em ação há muito tempo. De preferência, uma consultoria internacional. Entre outras medidas que já sugeri à exaustão. Mas as advertências são ignoradas. O extrativismo eleitoral, de disputas paroquiais, prevalece.

MAIS VALOR ECONÔMICO

Se você ainda não entendeu o que se passa no mercado automotivo nacional, não custa reproduzir mais alguns trechos da reportagem de ontem do Valor Econômico. Escreveu a jornalista Marli Olmos que a aproximação entre montadoras ocidentais e asiáticas dará o tom do salão do automóvel deste ano. Além da Geely e Leapmotor, agora parceiras de fabricantes já instalados, outras sete marcas chinesas entraram na agenda das apresentações à imprensa, que antecedem a abertura da feira ao público. Assim, pela primeira vez, as novatas chinesas participarão do chamado “pool” de imprensa, que reúne os jornalistas que farão a cobertura do salão. As chinesas ocuparão quase a metade da agenda de entrevistas.  Total de 11 marcas chinesas vendem no País.

VAZAMENTO ANUAL

De novo, retomo a análise, para voltar em seguida ao Valor Econômico. No Grande ABC, apenas a Ford, entre as montadoras, se escafedeu desde a abertura das porteiras com Fernando Collor de Mello. A  Toyota produzia autopeças. Entretanto, numa contabilidade que se ajustaria à flexibilização do conceito de ganhos e perdas, de fato perdemos muito nos últimos anos, mais precisamente desde 1995, com Fernando Henrique Cardoso. Houve parcial recuperação com Lula da Silva, mas depois veio a tempestade chamada Dilma Rousseff.  

MAIS VALOR ECONÔMICO

Na sequência, mais alguns trechos da reportagem do Valor Econômico. Que trata da maior ameaça à indústria automotiva da região. Marli Olmos escreveu que o sucesso chinês no mercado brasileiro é, em grande parte, resultado do foco em modelos híbridos e elétricos, que oferecem  a nova tecnologia a preços competitivos. Somam-se a isso garantias longas, chegando a sete anos para veículos e oito para as baterias, além de um agressivo trabalho de comunicação e marketing. E tem ainda a curiosidade do brasileiro, que deixou de torcer o nariz para os carros chineses a partir do trabalho de representação da Chery pelo empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade, fundador da CAOA e morto em 2021. Algumas das novatas apostam nos modelos 100% elétricos mais simples e compactos para conquistar o cliente que nunca pensou em ter um carro desses.

AUSÊNCIA DAS GRANDES

Deixei para o final o principal em termos de consumação de um aviso de que a situação está pior do que se imagina. Algumas fabricantes mantiveram a decisão de não participar do Salão do Automóvel. General Motors, Volkswagem e Ford não estarão no Anhembi. Não haverá também nenhuma marca do segmento premium, como BMW, Volvo e Mercedes-Benz. O mundo automotivo vive estresse histórico. O Grande ABC não se deu conta, ainda, de que a Síndrome da China é potencialmente uma catástrofe no horizonte. Ainda resistiremos por muitos anos. Mas o setor automotivo será cada vez menos empregador e menos influente no Grande ABC e, por conta disso, menos gerador de riqueza. Vamos repetir a trajetória do passado que segue como presente. O problema é que, cada vez menos importantes nacionalmente, correremos mais riscos de ver os chineses dominando a cena e nos estrangulando. Nossas autoridades, que não são lideranças, precisam abrir os olhos.  No mundo regional de cegos estratégicos, quem  tem olhos puxados viram algozes.

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