Sociedade

CARTA PARA NOSSOS NÓS
DO FUTURO DE 10 ANOS

  DANIEL LIMA - 18/09/2025

Se o leitor está observando alguma semelhança entre a manchetíssima aí em cima e o mote de um programa vitorioso do Diário do Grande ABC chamado Desafio de Redação, pode estar certo de que não está fora de órbita sensorial. É disso mesmo que se trata. Me inspirei no slogan desta temporada do projeto do Diário do Grande ABC para oferecer contraface intrigante já a partir do enunciado. Ou o leitor acha que o “nós” da manchetíssima é a primeira pessoa do plural? Nada disso. “Nós”, nesse caso, tem significado de obstáculo, de complicação, de desafio, portanto.  

Afinal, qual é o mote do Diário do Grande ABC, do Desafio Diário, para esta temporada, a colocar a estudantada para queimar as pestanas? 

"CARTA PARA MEU EU DO FUTURO: ONDE ME VEJO DAQUI A 10 ANOS". 

Já imaginaram os leitores como essa molecada, e é uma molecada que representará mais de três centenas de escolas, vai se expressar diante desse tema que transcende o simples fazer para se meter numa seara de perspectivas, projeções, sonhos, essas coisas que não têm preço quando a gente não entende bulhufas da vida e acha que tudo vai dar certo?

TEMPERATURA NO FUTURO 

O que poderá acontecer na vida de cada um dos estudantes inscritos e que vão meter bala para destilar o entusiasmo infantil e juvenil que não tem preço? 

Sugiro que a coordenação do projeto guarde com todo o carinho cada uma das cartas, mas não as transforme apenas em peças de eventuais medições da temperatura de expectativas atual em relação à temperatura do futuro. 

Que os coordenadores se dirijam a um campo extensivo nesta temporada, ultrapassando o calendário de escolhas e premiações. Como assim? Ora, com tanta tecnologia disponível, não haveria dificuldade de se apresentar também como subproduto do concurso a visão média dos participantes, definindo-as entre futuro positivo, futuro neutro e futuro desconfiado.

Afinal de contas, escrever por escrever é algo incipiente como manifestação humana. Seria algo  como comer sem sentir a satisfação de comer, ou assistir a um filme sem interiorizar a produção e a mensagem.

Escrever é um estado espiritual. Por isso que a Inteligência Artificial jamais vai se equiparar aos sentimentos humanos. E por conta disso, sempre será artificial. Talvez os humanos é que sejam transformados em parentes próximos da tecnologia. Aliás, a julgar pelo presente de desumanização,  parece que não se está longe disso.

REGIONALIDADE

O projeto do Diário do Grande ABC que se tornou programa e que já alcança a edição 19 deveria ultrapassar as limitações temáticas e perscrutar os estudantes também no campo comportamental. E a temperatura do futuro de 10 anos que sempre chega poderia ser transportada inclusive a outras demandas de marketing, porque o bom marketing, o marketing que soma qualidades, é sempre bem-vindo.

Salvo engano, e se estiver enganado também estarei certo, infelizmente, porque o que vou sugerir deveria ser o ponto cardeal temático do Desafio de Redação, salvo engano, repito, jamais o programa teve como definição temática questões relativas à regionalidade do Grande ABC.

Sim, isso mesmo: para um jornal que se arvora proprietário da regionalidade na imprensa da região, mas que perde de goleada para os 35 anos de LivreMercado/CapitalSocial, seria um passo interessantíssimo à recuperação de que precisa botar lenha em aspectos que agreguem os sete municípios.

UM TEMA PROIBIDO?

Querem um exemplo do que poderia ser o Desafio de Redação? Que tal toda a estudantada e professorada trabalhar em algo como tentar desvendar o que pensa cada um sobre o Clube dos Prefeitos. Já imaginaram o que seria de todos eles? Dependendo das fontes de informação, teríamos narrativas extraordinárias sobre nossos fantásticos prefeitos que revolucionaram a literatura sobre regionalidade no País. Isso não falta no acervo público nacional, resultado de jornais, revistas, publicações acadêmicas e assemelhados.

Certamente os professores recomendariam aos estudantes que não se metessem a dar elasticidade ao tema do Desafio de Redação relativo ao desempenho do Clube dos Prefeitos. Deveria ser a investigação estudantil exclusivamente voltada à institucionalidade do Clube dos Prefeitos. Nada vezes nada de enveredamentos específicos. Caso, por exemplo, do Desenvolvimento Econômico.

É mais que provável que, com essa restrição,  os estudantes iriam convergir inteiramente em direção ao site do Clube dos Prefeitos, quando não às várias plataformas midiáticas da região. Seria a consagração dos prefeitos. Praticamente não existe nada de forma sistêmica que coloque a instituição no devido lugar – e o devido lugar da instituição é o banco de reservas, quando não os vestiários, se bobear as bilheterias, ou mesmo o estacionamento, de completo alheamento às demandas mais pungentes dos sete municípios.

PROIBIR É PIOR

Para não complicar o jogo jogado de curiosidade dos estudantes do Desafio de Redação sobre o Clube dos Prefeitos, o melhor e mais indicado mesmo a fim de evitar contratempos, e quem sabe algum movimento de indignação, os coordenadores deveriam apontar especificamente os sites das mídias locais que deveriam ser consultadas.

Pensei na possibilidade de algo diferente. Pensei em uma ordem unida que determinaria a proibição de leitura desta publicação. CapitalSocial deveria ser expressamente excomungado das pesquisas estudantis. Seria um endereço maldito a ponto de quem o acionasse teria os próximos 10 anos mais terríveis da existência. E não adiantaria chamar padre ou pastor, benzedeiras ou pai de santo, porque a maldição seria inviolável.

Pensei bem a esse respeito, mas cheguei à conclusão de que a ideia seria péssima para os intentos programados de ver o futuro do Grande ABC cor de rosa. Citar algo que não se pode consultar ou comer, ou ler ou assistir, ou ouvir ou conhecer, é a pior das escolhas possíveis para quem quer evitar complicações. Tudo que é proibido é muito melhor, não é verdade?

NÓS E NÓS

Todo mundo sabe ou deveria saber, e nesse ponto refiro-me aos adultos, aos marmanjos que não têm compromisso com o erro ou com a omissão, quando não com o compadrio espúrio e com a malandragem semântica, todo mundo sabe que os nós como síntese de barreiras do Grande ABC são portentosamente irrefreáveis ante o “nós” em forma da individualidade levada ao pluralismo.

Mais que isso: não há como chegar ao estágio de mobilização e avanço em iniciativas restauradoras se não houver o “eu” como motor de ignição de cidadania. E isso passa necessariamente por um projeto de regionalismo que jamais poderia ser confundido com o territorialismo ora vigente e com perspectivas de avançar.

Se voltasse no tempo e participasse do Desafio de Redação com a temática oficial, provavelmente desconhecendo tudo o que eu sei e que muitos sabem, mas fingem que não sabem, provavelmente cometeria uma barbaridade de cartomancia imaginativa. Ou, então, faria uma sugestão aos organizadores do programa. Querem saber do que se trata?

Já imaginaram se os coordenadores do Desafio de Redação contarem com a ajuda de Inteligência Artificial e, mais que analisarem a tendência individual de otimismo, pessimismo e neutralidade, decidissem selecionar todas as cartas de entusiasmo com o futuro que sempre chega? Mais que selecionar, iriam acondicioná-las numa caixa de papelão enorme e entregar em forma de presente com laço e tudo, à direção do Clube dos Prefeitos com a seguinte mensagem: “Atendam pelo menos uns 10% de nossas esperanças e os colocaremos em nossos corações”.

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