Sociedade

PAULINHO SERRA E DIÁRIO
INTERROMPEM LUA DE MEL

  DANIEL LIMA - 22/08/2025

Dez anos depois de lua de mel intensamente vivida, Diário do Grande ABC e Paulinho Serra não dividem mais a mesma cama de alinhamento político. Isso não quer dizer que a relação tenha chegado ao fim. Mas já foi bem melhor e tende a piorar. Se você leu na manchetíssima "Lula" ao invés de "lua", tenha certeza que não foi alucinação.  Foi erro de digitação corrigido. Nem tanto assim o erro de digitação,  convenhamos. Entre o mundo de Lula e o mundo da lua há íntimas semelhanças. Voltemos ao que interessa.

Quem ganha com isso é Gilvan Júnior, prefeito que sucedeu a Paulinho Serra. A unidade do grupo que comanda Santo André sem dar trégua à oposição parece não resistir ao desgaste natural do tempo. O show da vida é assim mesmo.  

Esse movimento de pedras detectado por poucos leitores pode ser contornado após esta análise. Seria uma forma de negar o que parece inegável. Um recuo aqui, outro ali, entretanto, não vão impedir que Paulinho Serra durma no sofá da retaliação que também pode ser da razão quando se sabe que a razão nem sempre ou quase nunca é o ponto de equilíbrio em relações enviesadas.

Os motivos que colocam Diário do Grande ABC e Paulinho Serra mais próximos de tapas de relativo ostracismo do que de beijos de manchetes fluviais pouco interessa nessa altura do campeonato.

BRIGA COMPLICADA

Para um autodenominado ombudsman como eu, o que vale mesmo é apontar a ruptura que apenas os cegos partidários, ideológicos ou seja lá o que for jamais observaram ou fingiram não observar.

Paulinho Serra sempre contou de forma acrítica, quando não de torcida organizada, com as páginas do Diário do Grande ABC. É um direito do jornal fazer o que bem entender das páginas que publica. Os leitores que tratem de distinguir o que é certo ou o que não é certo, porque quando não é certo provavelmente é equivocado. Básico.

Costumo dizer aos amigos mais próximos e sugerir aos adversários renitentes que não vale a pena brigar comigo sem ter um mínimo de conhecimento sobre a mecânica de funcionalidade do jornalismo, especialidade que domino o suficiente porque se não a dominasse deveria sofrer impedimento cognitivo, já que estou nessa labuta há 300 anos.

Vejo nas páginas do Diário do Grande ABC e de todas as publicações (e outras mídias também) o andar da carruagem entre diferentes personagens da vida regional nos respectivos quadrados funcionais, sempre de acordo com os desígnios editorais. Pouco me valho de eventuais vieses além do jornalismo. O que me interessa mesmo é o que sai publicado, no caso no Diário do Grande ABC e nos demais dos veículos locais, quase todos digitais nestes tempos em que o jornalismo de papel não passa mesmo de antessala do jornalismo levado a plataformas tecnológicas. 

SUMIÇO PROGRAMADO

Mas, de volta ao que interessa, ou seja,  a ruptura temporária ou não das relações entre o dono do Diário do Grande ABC, Ronan Maria Pinto, e o político Paulinho Serra, é fácil a constatação de esfriamento mútuo, ou unilateral, tanto faz. Basta ler o jornal.

Paulinho Serra anda desaparecido das páginas, mesmo quando a menção à identidade de ex-prefeito e candidato a deputado federal nas próximas eleições se tornaria obrigatória. Um exemplo? Ainda esta semana o Diário do Grande ABC publicou uma reportagem sobre novos territórios de favelas contempladas com o programa Moeda Verde.

Cadê o nome de Paulinho Serra nessa obra de engenharia administrativa que, sem dúvida, é um achado eleitoral extraordinário? O melhor projeto executado para valer na gestão de Paulinho Serra. Talvez o Poupatempo da Saúde chegue lá com dados comprovados, mas ainda não chegou. Não custa lembrar que tanto um quanto outro foram em concepção e em denominação surrupiados de terceiros, mas isso, nesta análise, não têm importância alguma. É melhor copiar o que dá certo do que inventar o que fracassa. Mas não custa nada agradecer aos autores dos programas.

FALTA DE TRAÇÃO

Claro que não foi apenas na reportagem mencionada acima que Paulinho Serra foi barrado do baile das páginas do Diário do Grande ABC. Refluiu também o marketing de tracionamento da campanha de Paulinho Serra na pretensa e sem suporte disputa por uma vaga de senador por São Paulo.

Mesmo a participação do animador Paulinho Serra nas manhãs de domingo na TV Bandeirantes não mereceu maiores destaques nas páginas do Diário do Grande ABC. Poderia citar uma dezena de casos em que, em outros tempos,  Paulinho Serra estaria nadando de braçadas num marketing promocional avassalador.

Sem entrar em detalhes porque detalhes exigiriam série de explicações que não estou disposto a concatenar agora, o fato histórico é que as relações entre o empresário Ronan Maria Pinto e o político Paulinho Serra ultrapassam a linha de fundo do campo de comunicação. O que também é um direito mútuo sobre o qual não quero me imiscuir. Mesmo que entenda e compreenda, quando não garanta, que uma coisa tem tudo a ver com a outra coisa. Uma coisa tem tudo a ver com a outra coisa significa que as relações do empresário com o político se refletiam nas páginas do Diário do Grande ABC. O que não é novidade alguma no jornalismo brasileiro. Sobretudo da chamada Velha Imprensa. Não seria mais realista que o rei, portanto.

CONCEITO LONGEVO

Sobre essa questão de proximidade de um veículo de comunicação com políticos, vou repetir em poucas linhas o que expus no Planejamento Editorial Estratégico que implantei durante 11 meses à frente da Redação do Diário do Grande ABC, entre 2004 e 2005, e, sem o mesmo perfil, durante 19 anos à frente da revista de papel LivreMercado, além das páginas digitais de CapitalSocial.

Entendo que o bom jornalismo, sobremodo o bom jornalismo regional, deve ser movido, entre muitos vetores, por uma corrida de sincronismo da linha editorial de uma publicação e os agentes públicos, privados e sociais. O que isso significa? Significa estabelecer uma pauta pública, no caso do veículo de imprensa em sintonia com forças vivas da sociedade, e, a partir de conceitos definidos sem truques, estabelecer o que chamaria de uma agenda coletiva a transformações sociais.

EXEMPLO IRREFUTÁVEL

Vou dar um exemplo prático: se o maior problema do Grande ABC é mesmo o Desenvolvimento Econômico, a pauta do jornalismo proposto por mim há 20 anos e que se estruturou antes com a revista de papel LivreMercado,  e se consolidou nesta publicação, a pauta proposta, repetindo,  estará aberta a todos que pretendam executá-la. Pouco interessaria a cor do gato partidário ou ideológico. Como se sabe, o Grande ABC da mídia e o Grande ABC principalmente dos agentes públicos estão a mil léguas desse pressuposto do qual jamais abriria mão, como não o fiz anteriormente.

Pretendia parar por aqui, mas mudei de ideia. Fui ao acervo desta publicação e encontrei a íntegra do Planejamento Editorial Estratégico que apresentei à direção e aos jornalistas do Diário do Grande ABC em março de 2004 e, em seguida, executei num período de 11 meses, até ser demitido por razões facilmente explicáveis. Retirei daquele documento histórico, de 95 mil caracteres, o capítulo relativo ao relacionamento externo do Diário do Grande ABC. Leiam com atenção porque, entre outras coisas, é luminosamente mais que explicativo sobre minha demissão. Pena que o material pareça desatualizado. Como assim? Desatualizado? Simples: tudo está pior na região do que já estava há 20 anos. Confira:

RELACIONAMENTO EXTERNO

O relacionamento com público externo é uma equação que requer desprendimento. Nem sempre é possível detectar, mas geralmente é viável abortar inescapáveis problemas. Basta querer. Trata-se do distanciamento mínimo dos formuladores editoriais e dos responsáveis acionários pelo produto que vai às ruas e as fontes de pressão. O apadrinhamento de pessoas e entidades é o desvio mais rápido para a acomodação editorial, seguida da desmoralização nem sempre impactante mas sem dúvida suficientemente danosa.

Premiar agentes improdutivos com mistificações deliberadas ou acríticas destila indignação mesmo que silente no seio da comunidade que conhece mais de perto o oportunismo de atores que se aproximam da mídia apenas para levar vantagem. Quando esses sanguessugas se cristalizam no poder midiático, acabam por definir o padrão ético-editorial da publicação.

Se os improdutivos tomam tanto espaço, como será possível aos eventuais produtivos apeá-los do poder sem correr o risco de antagonizar-se com a mídia?

O Grande ABC vive momento especial demais para permitir a perpetuação dessa tradição arraigada no jornalismo nacional. É preciso dar vez ao reformismo sem, entretanto, cair no viés extremo de fabricar novos agentes. Os relacionamentos institucionais do Diário do Grande ABC — ou seja, as relações da empresa com o público externo formado por administrações públicas, entidades econômicas, legisladores, lideranças sociais e culturais, gestores e produtores acadêmicos, entre tantos — não podem ser confundidos com a linha editorial.

É verdade que uma coisa necessariamente não exclui a outra, mas também é fato que uma coisa pode contaminar a outra e destilar, como dissemos, o conceito de que mais importante do que fazer é fazer de conta que se faz, porque sempre haverá um veículo importante para sacralizar o pecado da omissão dissimulada e do despreparo escamoteado.

O jornal, como produto e como instituição, não pode, portanto, construir relações circunstanciais ou efetivas que afetem os insumos editoriais. Dar oportunidade a todos para que participem de uma grande virada institucional do Grande ABC é ação prospectiva que tem o condão de zerar os déficits do presente e do passado.

A vantagem de incrementar essa nova empreitada é que os erros acumulados deverão servir de lição. Somente um novo enquadramento editorial que dignifique quem tem garrafas para vender permitirá a reconstrução de relacionamentos entre as instituições mais importantes da região, provavelmente com o Diário do Grande ABC como catalisador dessas operações.

Nada, entretanto, que lembre o fracasso do Fórum da Cidadania, deliberadamente uma ação do jornal que, por não ter tido o controle estratégico recomendado, cometeu o desvio múltiplo de baixa representatividade, politiquismo partidário, afrouxamento institucional, entre outros problemas.

Tornar-se o centro nuclear das ações de restauração das forças econômicas e sociais da região não significa afirmar que o Diário do Grande ABC deve paternalizar as entidades. Pelo contrário: nosso regionalismo recomenda que as instituições sintam-se livres de amarras que eventualmente as embalem incondicionalmente e as coloquem, portanto, a salvo de restrições e correções de rumo.

Tivesse o Fórum da Cidadania dispensado o hierarquismo do Diário do Grande ABC, cujos vários representantes tutelaram reuniões de forma muitas vezes explícita, outras vezes implícita, provavelmente não se teria desperdiçado o mecanismo até então mais interessante de reação organizada da comunidade. Mesmo considerando-se que o Fórum da Cidadania reduziu-se a apenas um ou dois representantes de cada entidade e que não demorou quase nada para a esfuziante usinagem inicial virar sucata.

A osteoporose econômica do Grande ABC, que perdeu 39% do PIB industrial ao longo dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, é a prova cabal de como o Diário do Grande ABC fracassou editorialmente no suposto exercício de atuar como guardião da comunidade, como expressa o mote “100% Grande ABC”.

Pior que a perda econômica que só a Editora Livre Mercado detectou e martelou incessantemente é a omissão do jornal em, mesmo com uma afiliada denunciando os descasos econômicos locais, regionais, estadual e federal, manter linha editorial amorfa, defensiva. Ora, isso é a mais irritante prova de que o relacionamento que o Diário do Grande ABC mantinha — e ainda mantém — com a comunidade regional, sobretudo os tomadores de decisão, não valem um tostão furado.

Denunciamos à frente da Editora Livre Mercado, em sucessivas matérias, a letargia dos agentes econômicos, governamentais e sociais. Nada que repercutisse na consciência dos responsáveis editoriais do Diário do Grande ABC. Ou se trata de muita incompetência ou os interrelacionamentos beiraram o estapafúrdio, com o jornal se obrigando a omitir-se em assunto tão escandalosamente candente.

De qualquer forma, a crise econômica é mais localizadamente profunda no Grande ABC do que em qualquer outro território do País. Mostramos em análises impressas na revista e também nos três livros que escrevemos nos últimos dois anos as razões dessa diferença. Fundamentalmente a resposta se prende à nossa matriz automobilística.

O terremoto macroeconômico que desabou sobre nossas cabeças nos entregou de bandeja o retrato fiel de nossas instituições, todas forjadas no período de riqueza compulsória. Não temos capacidade de reação individual ou coordenada porque as entidades políticas, econômicas, culturais e sociais ainda navegam nas águas passadas dos tempos de glória de investimentos em profusão nesta região. Suas estruturas estão corroídas.

Quando muito, essas organizações funcionam como escritórios de prestação de serviços aos associados. Nota zero, entretanto, como organizações preparadas para o jogo da interlocução produtiva com quem decide a sorte de cada um dos 2,4 milhões de habitantes da região.

Aplaudimos aventureiros locais e visitantes que nos colocam na boca um torrão de ilusão e execramos os poucos que ousam botar a boca no trombone porque estão cansados de esperar por medidas corretivas. Aos primeiros, lantejoulas; aos segundos, tomatadas e batatadas.

É esse Grande ABC traumatizado pelas políticas econômicas que se seguiram à abertura comercial e inerte em suas representações econômicas, políticas, sociais e culturais que olham para o próprio umbigo, que exige uma nova arremetida editorial. É preciso fazer acordar e vitaminar esse moribundo.

E não será com novos lances de compadrios que veremos esse corpo quase inanimado ganhar musculatura de atleta depois de período de tratamento cuidadoso, meticuloso, monitorado pelo bom senso. Ou aplicamos uma nova fórmula de entendimento dos papéis que devem cumprir os agentes individuais e coletivos que compõem o tecido regional, ou estaremos adiando a autópsia de que certamente não haveremos de escapar diante do estouro da boiada da globalização.

O jornalismo politicamente correto praticado há tempos pelo Diário do Grande ABC — em larga escala assemelhado a outras publicações diárias — não pode reincidir na queda no buraco negro de confundir alhos de entidades de vigorosa representatividade com bugalhos de entidades representativas no sentido burocrático do termo. Críticas que se façam a organizações sociais, econômicas e políticas do Grande ABC ainda são confundidas com retaliações pessoais.

No nosso caso, até mesmo velhos amigos acabaram se afastando de nosso convívio porque imperou a responsabilidade social inerente do jornalismo. É muito mais cômodo o apadrinhamento dos amigos e dos conhecidos, mas essa fórmula se comprovou nefasta para a região. Quem perde tanta riqueza em poucos anos e se mostra incapaz de qualquer reação — pior do que isso, a maioria procurou esconder a realidade em cada esquina de desemprego e em cada fábrica abandonada — há muito já entregou a rapadura do compromisso com a seriedade e a dignidade.

Nossas entidades de classe econômica, política, social e cultural estão vegetando. Mas, com a proteção do jornal, sempre se sentiram, ou pretendiam fazer-se crer, no melhor dos mundos.

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