OTIMISTA INDIVIDUAL
E OTIMISTA COLETIVO
Se você é um otimista individual, parabéns. Se você é um otimista coletivo, meus pêsames. O leitor vai entender o entrechoque das duas frases com base em dados estatísticos e contextos político-econômicos. Ou seja: sem subjetividades matreiras típicas do jornalismo de propaganda marqueteira que sempre dá uma mãozinha a incompetentes no poder.
Dar parabéns ou dar pêsames por conta do proposto não significa bajulação ou ofensa. É a realidade nua e crua. E posso expressá-la sem hipocrisia. Sou um otimista individual, mas estou a léguas de distância do otimista coletivo. Morando e atuando no Grande ABC, coração e alma dos despropósitos brasileiros geralmente impunes, seria idiota juramentado caso vestisse a camisa do otimista coletivo.
Se sou otimista individual devo em parte à energia de viver intensamente cada dia. E você, leitor, em qual categoria se identifica? Você tem quatro alternativas não necessariamente excludentes. Poder ser otimista individual e coletivo. Pode ser otimista individual, mas não coletivo. Pode ser otimista coletivo, mas não individual. E também pode não ser nem otimista individual, nem otimista coletivo.
NUANCES IMPORTANTES
Antes de passar aos dados, e para não deixar dúvida quanto ao significado de uma coisa e de outra coisa supostamente antagônicas neste País, vamos à definição possivelmente redundante: o otimista individual conta com força interior e determinação para levar adiante os propósitos a que se dedica. O otimista coletivo acredita no conjunto da sociedade como parte ou não da propulsão aos objetivos traçados.
Traduzindo tudo isso: o otimista individual pode ou não estar conectado com o microambiente e o macroambiente em que vive. É possível que exercite apenas o lado de otimista individual independentemente do restante da partitura social. E é possível também que seja otimista coletivo por acreditar mesmo no mundo exterior ou complementar. Essa característica tanto se dá por ser o otimista individual insuperavelmente desbravador como também por ser um gigantesco exemplar de confiança ou esperança nesse mesmo mundo exterior.
Foi uma reportagem da Folha de S. Paulo de ontem a inspiração para escrever este texto. Decidi pegar pelo colarinho da curadoria de ombudsman uma disputa filosófica, por assim dizer, muito debatida na praça, ao colocar otimistas, realistas e pessimistas no mesmo ringue de golpes e contragolpes.
É interessante constatar como não existem limites ao conhecimento mesmo que o conhecimento já esteja consolidado. Nada que a Folha de S. Paulo publicou ontem é segredo para este jornalista. Nada, absolutamente nada. Porém, entretanto e todavia, o que li é algo como a diferença entre usar diariamente e em horários programados uma caixinha de fármacos complementares ou não e, de repente, ingeri-los numa batelada só, em forma de coquetel.
GRANDE IMPACTO
Geralmente a troca do fragmentado recomendado pela Medicina pelo total causa muitos estragos. No caso da reportagem de Folha, a mistureba toda me causou choque crítico. É impossível não sentir o impacto. Em tempo: não tomo um medicamento sequer. Nada melhor que uma corrida diária para adiar os problemas de envelhecimento que sempre chega.
Vou reproduzir integralmente a análise da Folha de S. Paulo, assinada pelo jornalista Fernando Canzian sob o título “Gasto eleitoral eleva bem-estar e reduz pobreza, mas ficou insustentável”. Aliás, uma manchete sobre a qual faço restrições porque deveria ser mais ou menos nesse sentido: “Populistas gastam demais nas campanhas eleitorais e Brasil aprofunda problemas”. Caso transportasse para o ambiente regional aqueles dados, acoplados à situação exaustivamente analisada aqui, o título seria: “Bom de voto e ruim de governo é assistencialismo nas veias”.
Se alguém já leu algo semelhante ao me referir ao então prefeito reeleito Paulinho Serra, pode ter certeza de que não é alucinação. Aliás, não faltam capadócios nas redes sociais e também na mídia tradicional que não enxergam o óbvio de gastança desenfreada e populista ao abominarem o conceito de bom de voto e ruim de governo.
Prefeito Bom de voto e ruim de governo, segundo esses capadócios, seria impossível e só se justificaria como perseguição política. Esses capadócios não sabem o que dizem. São ignorantes e fanáticos.
Agora, para facilitar o entendimento dessas coisas, que não são coisas quaisquer, vamos ao texto completo da reportagem de Folha de S. Paulo.
FOLHA DE S. PAULO
O Brasil atingiu taxas mínimas históricas de pobreza extrema e de desigualdade de renda em 2024 com uma profusão de programas sociais e serviços públicos que custam hoje R$ 2,7 trilhões ao ano, ou 22,7% do PIB —mais que a média de 21,2% dos países da OCDE, que reúne 38 nações de renda elevada. A contrapartida para a melhora consistente dos indicadores sociais nas últimas décadas foi o aumento da carga tributária e do endividamento público, que colocam o país diante de grave crise fiscal sem que haja muito espaço para seguir aumentando impostos. Em todos os anos eleitorais desde 1982, a taxa de pobreza no Brasil caiu, sobretudo pelo aumento da despesa pública. Isso demonstra, segundo especialistas, como é poderoso o incentivo político para ampliar gastos sociais com objetivos eleitorais em um país pobre e desigual.
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Essa estratégia, porém, criou uma armadilha: gastos, rombos fiscais e endividamento crescentes vêm estrangulando investimentos públicos em infraestrutura e na máquina estatal convencional, encolhendo órgãos que atendem o dia a dia da população. Trabalho do coordenador de Acompanhamento e Estudos da Conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério do Planejamento), Claudio Hamilton dos Santos, detalha como um Estado de bem-estar social foi sendo montado no Brasil a reboque de eleições —constituindo um "Welfare State Tropical", em referência a conjuntos de programas comuns em países europeus. "O Brasil não é o Brasil porque A ou B se elege. A ou B se elege porque o Brasil é o Brasil", diz Santos. "O aumento contínuo e insustentável de nossas despesas sociais não se dá por compulsão ou burrice. Mas por necessidade eleitoral, pela preferência de uma maioria pobre por esse tipo de medida."
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Outro levantamento de longo prazo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, revela uma sequência de picos de atividade e queda na pobreza em anos eleitorais. "A única exceção foi 2018, quando [o então presidente] Michel Temer [MDB] não era candidato à reeleição", diz Neri. Embora com origens no início do século 20, o principal marco do Estado de bem-estar social brasileiro é a Constituição de 1988. Ela instituiu uma série de benefícios à população, levando, por exemplo, à criação do SUS (Sistema Único de Saúde), à educação universal e suas fontes de financiamento (Fundef e Fundeb), além de programas como seguro-desemprego e BPC (Benefício de Prestação Continuada). Nos anos 2000, o Bolsa Família é criado e, entre outros programas, segue o contínuo aumento do gasto e da dívida pública para bancar uma Previdência Social progressivamente deficitária.
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Para financiar essas despesas, a carga tributária passou de 23,4% do PIB em 1988 para cerca de 34%, patamar de países desenvolvidos com melhores serviços que o Brasil. Mas isso não foi suficiente, o que tem levado a déficits anuais e ao aumento acelerado da dívida pública bruta. Em apenas pouco mais de dez anos, o endividamento saltou do equivalente a 56,3% do PIB para 77,6%. Poucos países se endividaram tanto em tão pouco tempo. Mesmo assim, o governo federal tem cada vez menos dinheiro disponível para investir em infraestrutura e repor pessoal em áreas estratégicas, pois quase 95% do Orçamento tem destinação "carimbada", sobretudo para a Previdência deficitária, o funcionalismo e programas sociais. Projeções do próprio governo Lula (PT) indicam que a máquina pública pode travar em 2027 por falta de dinheiro livre de vinculações.
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Nos últimos 15 anos, os investimentos públicos federais despencaram de 0,8% do PIB para 0,3%, comprometendo desde a qualidade de estradas até a manutenção das universidades públicas. Tomando-se um período mais longo para o funcionalismo federal, reduziram-se em mais de 110 mil os servidores ativos permanentes na máquina tradicional (sem contar universidades). Na saúde, eles passaram de 67,4 mil para 17,5 mil; no INSS, de 40,1 mil para 18,5 mil; no Ibama, de 5.200 para 2.900. "Certamente houve ganho de eficiência e a digitalização de serviços, mas em muitas áreas a redução de pessoal representa perda da capacidade de fazer políticas públicas", diz Santos. Ele lembra, porém, que setores sensíveis como saúde e educação têm recursos protegidos constitucionalmente. O contraponto à queda nos investimentos, ao enxugamento da máquina e à deterioração das contas públicas foi a melhora dos indicadores sociais. Santos compara isso a uma "marcha forçada". É insustentável, mas segue em frente.
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No ano eleitoral de 2026, por exemplo, o governo Lula deve destinar R$ 12 bilhões ao programa de poupança estudantil Pé-de-Meia, criado em seu terceiro mandato. Outros R$ 5,1 bilhões estão sendo reservados ao Gás do Povo, para distribuir de graça botijões a 15,5 milhões de famílias.
Na disputa pela Presidência em 2022, Lula e Jair Bolsonaro (PL) usaram o Bolsa Família como moeda eleitoral, numa espécie de "quem dá mais". O programa acabou triplicando em valor, para os atuais R$ 159 bilhões. Também foi expandido em 5 milhões de famílias, para 19,2 milhões, que recebem R$ 672 por mês, em média. Embora maior, o Bolsa Família piorou a focalização, diz Laura Müller Machado, do Insper e colunista da Folha. Antes, o benefício era calculado per capita; hoje, valores semelhantes são transferidos igualmente a famílias com duas, cinco ou oito pessoas.
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Apesar dos efeitos fiscais do Estado de bem-estar social brasileiro, o fato é que desde a Constituição de 1988 o total de pessoas na pobreza extrema (com renda domiciliar per capita inferior a R$ 333 ao mês) despencou de 40% da população para 6,7% (14 milhões). O índice Gini de desigualdade também caiu, de 0,63 para 0,5 (quanto mais perto de 0, menos desigual). Neri destaca que os últimos anos têm sido excepcionais para a redução da pobreza e da desigualdade —e que programas como o Bolsa Família e o BPC têm contribuído para o aumento da atividade econômica e para a melhora do mercado de trabalho e da renda. Dados da FGV Social indicam alta real (acima da inflação) de 45,7% na renda per capita no Bolsa Família entre 2022 e 2024 e de 51,4% no BPC —considerando tanto o aumento no valor dos benefícios quanto do total de atendidos. Os dois programas, Bolsa Família bem à frente, são os que mais contribuem para a queda da desigualdade. "Gastar com programas pró-pobres não só reduz a pobreza como tem potencial multiplicador na economia. Mas há um efeito macroeconômico expansionista, o que dificulta o controle da inflação por meio apenas da política monetária [alta de juros]", diz Neri.
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Para Santos, o juro alto é um instrumento paradoxal que os governos usam para segurar a inflação gerada por gastos em períodos eleitorais. Pois, quando o Banco Central sobe a Selic, ele atrai dólares de investidores de fora que vêm ganhar dinheiro no Brasil, derrubando a cotação da moeda americana e barateando commodities, sobretudo alimentares. O presidente do BC, Gabriel Galípolo, escolhido por Lula, tem dito que a taxa básica em 15% ao ano será mantida por "período prolongado" e que o câmbio "tem se comportado bem". Em 2025, o dólar caiu 14,3%, de R$ 6,30 para R$ 5,40. Mas o juro elevado (que provê ganho de 10% ao ano acima da inflação a uma minoria com aplicações) contribui justamente para elevar a dívida pública e a desigualdade que os programas sociais visam combater —e que motiva políticos a gastarem mais, alimentando a mesma armadilha de anos.
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Esse ciclo vicioso poderia ser quebrado quando os brasileiros tiverem melhores empregos, mais renda e conviverem com menos desigualdade, o que desestimularia eleitores a votar em candidatos que se apresentassem como provedores de benesses —e de mais impostos. O atual cenário de pobreza e desigualdade nas mínimas históricas sugere uma janela para isso. E, diante da situação fiscal crítica, um ajuste nas contas públicas pode ser inevitável em 2027. Há um certo consenso entre os chamados "fiscalistas" em torno de duas medidas: desvincular no Orçamento os gastos obrigatórios em saúde e educação e mudar a regra de aumento acima da inflação para benefícios da Previdência e do BPC —adotada por Lula 3 em sua política de valorização do salário mínimo. Isso traria alívio importante nas contas públicas, que poderia vir acompanhado de medidas para reduzir isenções e subsídios fiscais a empresas e setores, de R$ 520 bilhões anuais. Dado o histórico eleitoral de décadas, nada disso deve acontecer antes do pleito de 2026.
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