INCHAÇO POPULACIONAL
EMBRUTECE METRÓPOLE
O Diário do Grande ABC ouviu e deu destaque outro dia a uma socióloga. A reportagem tratou do crescimento populacional da região no ano passado. Quase quatro mil novos moradores passaram a ocupar o território mais impactado economicamente no Estado de São Paulo nos últimos 30 anos. Talvez fosse melhor ouvir um psicanalista, além de economistas e demógrafos. Ou que a psicóloga não fosse tão ingênua.
O problema todo é que a reportagem com parcas pitadas de sociologia ficou praticamente restrita à demografia. E quem tratou de demografia, repito, foi uma socióloga. A contradição de conteúdo está sintetizada na manchete de página: “Grande ABC ganha 4.000 moradores em um ano, diz IBGE”.
O Diário do Grande ABC errou, mas quem errou mais foi a socióloga entrevistada. A profissional não falou sobre o fenômeno sociológico dessa transformação que vem do passado e vai perdendo fôlego, como se verá mais adiante. A socióloga errou porque não tem a mínima ideia do que é Economia e o ramal da Demografia, ou a Demografia e o ramal da Economia. Errou absurdamente. Transformou inchaço populacional em qualidade de vida. Segundo ela, por dedução deste jornalista, o Grande ABC é a aspiração máxima dos metropolitanos.
TRANSVERSALIDADE
As pinceladas da socióloga a remeteram superficialmente ao ramo que pretensamente domina, ou seja, a Sociologia. O espaço reservado à matéria não combinou com o potencial esclarecedor. Mal comparando, botaram uma leoa para acasalar com um cavalo numa jaula de zoológico. Deu zebra.
Se a comparação não agradou, qualquer outra serve. Daria a mesma coisa. Modéstia às favas, já escrevi dezenas de textos sobre a Sociologia de mudanças no tecido econômico regional. Análises exclusivas ou concatenadas com outras disciplinas.
Detroit à Brasileira jamais poderá ser desvendada como desvendo a cada dia sem transversalidade temática. As informações diárias da mídia convencional são minhas pautas. Há ignorante na praça que não entende o riscado de ir além do superficial.
O movimento sindical, por exemplo, foi muito além do que poderia ser avaliado como fenômeno corporativo e econômico. Fosse assim, Lula da Silva não teria virado tripresidente.
COISAS BEM PIORES
Socióloga meter-se em assunto que não lhe é de competência não é um crime da mala. Por isso, Isadora Brizola não precisa ficar constrangida Há gente especializada que concede entrevista como gente especializada e comete as maiores barbaridades. Sobretudo quando o assunto é o Grande ABC terra amada e abandonada por cabeças premiadas. Aqui sobram escalpos de quem se mete a enfrentar os mandachuvas.
Ainda tem gente ignorante que aposta a vida em defesa da tese furada de que não temos desindustrialização. Eles estão emparedados pelos fatos, pelas evidências, pelas estatísticas, mas resistem bravamente. O fanatismo ideológico ou corporativo, o que muitas vezes é a mesma coisa, é prova provada de que a sociedade está descarrilada há muito tempo. O trem bala da Internet só desmascarou ignorantes e infratores sociais.
Qual foi mesmo, em detalhes, a barbaridade declarada pela socióloga ouvida pelo Diário do Grande ABC? Ela disse que o transbordamento migratório na Região Metropolitana de São Paulo, que impacta o Grande ABC, ou seja, o movimento entre muros de 39 municípios, sobretudo da Capital, encontra na região um bálsamo de qualidade de vida.
Repetindo: a grande maioria dos habitantes do Grande ABC que resultam de migração interna na Grande São Paulo e principalmente da Capital é fruto da atratividade de qualidade de vida da região.
FALA A PSICÓLOGA
Para não acharem os leitores que estou maluco de pedra, reproduzo trechos das declarações da socióloga, retirados da reportagem do Diário do Grande ABC:
A socióloga Isadora Brizola explica que muitos deslocamentos residenciais ocorrem na própria metrópole expandida em um caso clássico de migração intrametropolitana. “Essa é uma realidade para o paulistano, as famílias procuram cidades mais acessíveis, menos congestionadas e com boa infraestrutura, atrativos presentes em Santo André e São Caetano”, destaca a especialista. Isadora explica ainda que esse tipo de migração reflete um novo tipo de mobilidade e mais orientada pelo deseja de viver melhor. “Famílias fogem do caos metropolitano e se reorganizam em territórios que ainda oferecem vida urbana com qualidade. A mobilidade nesse ponto tem forte impacto na decisão de moradia. A localização geográfica de São Bernardo, Santo André e São Caetano, mais próximos da Capital, facilita o deslocamento diário. Com a sobrecarga da mobilidade intermunicipal, muitas pessoas buscam reduzir o tempo de trajeto mudando-se para cidades mais bem conectadas por trem (CPTM), metrô ou corredores de ônibus”, finaliza a socióloga.
TUDO PUBLICADO
O que o leitor acaba de ler não é invenção deste jornalista. Foi tudo publicado no Diário do Grande ABC de 29 de agosto. Separei a página (sempre separo páginas de jornais que me chocam para o bem ou para o mal) e esperava abrir uma brecha na pauta diária de ombudsman. Consegui o espaço que estou preenchendo agora.
O que de fato tem ocorrido na geografia metropolitana, sobremodo no Grande ABC como periferia da Capital, é que há movimento constante de migração em direção aos sete municípios do que o inverso, tanto quanto aos demais da metrópole. Ou seja: em grande escala, a classe média precária, os pobres e os miseráveis deslocam-se mais em direção à região porque temos, entre outros fatores, custos da terra mais em conta.
Claro que não é apenas isso, mas é muito disso. O mercado imobiliário da região é um pintinho depenado ante a pujante Capital. Esse deslocamento gradual e continuo em direção ao Grande ABC potencializa ainda mais a baixa qualidade de vida metropolitana.
Ao contrário do que diz a socióloga, os deslocamentos são intermitentes, exasperantes e cansativos em busca de oportunidade de emprego, além da própria ocupação profissional.
BAIXA QUALIDADE DE VIDA
A qualidade de vida de quem mora no Grande ABC é inferior à média da qualidade de vida de quem mora na Capital e muito aquém dos municípios metropolitanos menos adensados e mais afastados da influência direta da Capital.
A logística interna do Grande ABC é estarrecedora. Os corredores de tráfego paquidérmico são mais que conhecidos. Não fosse a pandemia que mudou o fluxo presencial do trabalho, estaríamos ferradíssimos mais ainda.
Pegamos o rabo de foguete econômico que gera calamidades demográficas e – agora sim uma tarefa para a socióloga – um amplo material de pesquisa que invade outras disciplinas e explica a loucura de morar num espaço exíguo juntamente com 22 milhões de pessoas. Somos um Estado de Minas Gerais completo, ou dois Estados do Rio Grande do Sul somados.
Como é clássico deste espaço editorial, que geralmente vai além da argumentação, da interpretação, porque é indispensável matar a cobra de provas e ao mostrar o pau da robustez de dados, eis que disponho de números comparativos entre o Grande ABC e a Região Metropolitana de São Paulo de 1995 e, dando um salto de 30 anos, apresento os dados desta temporada.
TRINTA ANOS DEPOIS
Vou me limitar à ocupação demográfica e aos efeitos econômicos durante esses 30 anos de confronto entre o Grande ABC e o conjunto da Região Metropolitana, São Paulo e outros 31 endereços municipais. Os leitores vão tomar conhecimento do quanto se perdeu de população de Classe Rica e de Classe Média Tradicional, com a conclusão evidente do crescimento relativo da Classe Média Precária, dos Pobres e dos Miseráveis.
Classe Média Precária são os ocupantes de um limbo aterrorizador porque estão com os dois pés mais próximos de pobres e miseráveis do que na concretude de chegarem à Classe Média Tradicional.
A Região Metropolitana de São Paulo contou com acréscimo populacional de 4.743.321 milhões de habitantes entre 1996 e 2025. Desse total, foram incorporados ao território do Grande ABC 613.107 moradores. A participação relativa da região na metrópole passou de 12,97% (2.177.526 ante 16.784.5050) para 12,96% (2.790.633 ante 21.527.8270). Ou seja: praticamente não houve alteração.
Não vamos, hoje, pormenorizar por Município as transformações demográficas, mas há localidades, como São Caetano, que, por razões mais que conhecidas, como a exiguidade territorial e o custo da terra, praticamente mantiveram a população congelada no tempo.
O crescimento demográfico do Grande ABC frente à média metropolitana, como se observa, não sofreu alteração. Foram 28,15% de acréscimo populacional na região, com a vertente de inchaço evidente, e 28,26% na média metropolitana.
ARREFECIMENTO
O que é estranho em relação aos quatro mil novos moradores do Grande ABC na temporada passada é a média de crescimento anual nos últimos 30 anos. O Grande ABC ganhou média anual no período que começa em janeiro de 1996 nada menos que 20.437 moradores, enquanto a Região Metropolitana de São Paulo como um todo chegou a 158.110. Traduzindo: a metrópole paulistana contou com acréscimo anual equivalente à população de São Caetano.
O arrefecimento demográfico parece ter sofrido porte influência do desgaste de baixa qualidade de vida média na Região Metropolitana de São Paulo, além da taxa líquida de natalidade em franca queda nacional. Cada vez mais famílias procuram outros endereços nacionais.
A média de crescimento demográfico no ano passado está muito abaixo do conjunto histórico de 30 anos. Seja qual for a explicação, e há muitas explicações, é indissociável que o inferno metropolitano já é de domínio público. Menos, aparentemente, de sociólogos e tantas outras especialidades que fixam olhos e ouvidos apenas nas respectivas especialidades.
ESTRATO SUPERIOR PERDE
O inchaço populacional ao longo dos 30 anos traçados aqui está passando por desaquecimento, mas o saldo consumado é bastante preocupante. O Grande ABC perdeu participação da Classe Rica e da Classe Média Tradicional. Consequência disso é que a Classe Média Precária, os Pobres e os Miseráveis avançaram. Parece pouco, mas é muito.
Em 1995, o Grande ABC contava com 37,61% das famílias identificadas como de Classe Rica e Classe Média Tradicional. Em 2025 a participação caiu para 32,95%. Em números absolutos, contamos com 215.848 famílias nos estratos mais elevados da sociedade. Se a proporcionalidade de 1995 fosse mantida, teríamos 380.400 famílias de Classe Rica e de Classe Média Tradicional. Há um buraco de 164.552 moradias. Praticamente uma Mauá a menos do topo da pirâmide econômica.
Os números da metrópole são semelhantes em termos proporcionais. Em 1995, eram 34,82% do total de moradias. Já em 2025, Ricos e Classe Média Tradicional somavam 30,70% de participação. A Região Metropolitana de São Paulo de 1995, se reproduzida em estratos econômicos em 2025, deveria contar com 2.671.710 moradias de Classe Rica e de Classe Média Tradicional. Mas não passam de 2.355.586. Faltam 316.124 moradias de Ricos e Classe Média Tradicional. Uma São Bernardo e uma São Caetano inteiras.
Para completar essa breve análise, o PIB de Consumo do Grande ABC que leva em conta valores absolutos, desprezando-se, portanto, o indicador por habitante, que é mais apropriado, passou de participação relativa nacional de 2,90400% para 1,67196%.
O PIB de Consumo do Grande ABC deveria registrar neste ano o total de R$ 236,710 bilhões, mas não passará de 136.284 bilhões. Essa conta leva em conta o crescimento médio nacional. Na Região Metropolitana de São Paulo o resultado é semelhante.
Tradução final: o inchaço populacional acompanhado de dramas sociais de uma metrópole ensandecida jamais poderia servir de referencial a qualquer coisa que lembre qualidade de vida. O processo migratório intrametropolitano se exaure. A desesperança abate uma geografia que representa mais de 10% da população nacional.
Leia mais matérias desta seção:
20/10/2025 SOCIEDADE SERVIL E DESORGANIZADA
18/09/2025 CARTA PARA NOSSOS NÓS DO FUTURO DE 10 ANOS
04/09/2025 INCHAÇO POPULACIONAL EMBRUTECE METRÓPOLE
02/09/2025 OTIMISTA INDIVIDUAL E OTIMISTA COLETIVO
22/08/2025 PAULINHO SERRA E DIÁRIO INTERROMPEM LUA DE MEL
20/08/2025 LULA HERÓI, TRAIDOR E VILÃO DE SÃO BERNARDO
24/06/2025 CONTRADITÓRIO INCOMODA, MAS É O MELHOR REMÉDIO
11/06/2025 PÁGINAS VIRADAS DE UMA MUDANÇA DESASTROSA
05/06/2025 VIVA DRAUZIO VARELLA, VIVA A REGIONALIDADE
1116 matérias | página 1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112