UM SHOPPING COM A
CARA DE SANTO ANDRÉ
Estou começando a acreditar que perdi um pouco a capacidade de ser cético quanto ao futuro de Grande ABC. Ser cético é a melhor recomendação quando se trata do futuro do Grande ABC. Deveria ser pauta obrigatória de quem lida com comunicação e não pretende ver gente se arruinando em determinados investimentos. Há 12 anos previ que o Shopping Atrium, em Santo André, dificilmente viraria. Não virou. Pior que isso: tem tudo para continuar não virando. Aliás, é possível que só pode virar se a economia de Santo André piorar. Como assim? Explico bem mais adiante.
Há muito tempo pretendia atualizar a situação do Atrium. O tiro atrapalhou meus planos, mas puxo pela memória e desconfio que lá se vão pelo menos 10 anos. Queria que queria ir ao Atrium. Sei o que passei em 2012 durante a Administração do prefeito Aidan Ravin e em seguida no governo de Carlos Grana. Sofri bullying de gente que detesta ler o que se passa de fato. São falsos otimistas. No fundo o que querem mesmo é fazer média. Vender ilusões é mais simpático.
O Shopping Atrium compunha o circuito da Cidade Pirelli, legado de Celso Daniel para Santo André. Como se sabe, sem Celso Daniel, o projeto virou pó. O Shopping Atrium ficou quase isolado de tudo que se planejara.
FORA DE LUGAR
Encravado num eixo geoeconômico de Santo André próximo à divisa com Mauá, o Atrium tem dificuldades para compor uma demanda que espelhe a porção de classe média de Santo André. O entorno é de classe média baixa, de gente aposentada, de ex-trabalhadores industriais. Seria pouco provável que atraísse consumidores de bairros nobres ou de classe média alta de Santo André, frequentadora do Shopping ABC, principalmente.
Como se sabe, Santo André conta com três shoppings. O terceiro é o Shopping Grand Plaza, colado à Estação Celso Daniel. O mais rentável, provavelmente. Está na boca do gol de fluxo contínuo. De mais classe média baixa do que de classe média-média, é verdade, mas de escala.
Já reunia lá atrás, e muito antes disso também, dados econômicos municipais, regionais e estadual de grandes municípios paulistas. Santo André sofrera orfandade em quase todas as cadeias produtivas industriais, perdera grandes contingentes de trabalhadores industriais e não se recompusera com setores de comércio e de serviços de baixo valor agregado. Santo André virara, portanto, um ponto de interrogação a investimentos que precisassem resistir à concorrência já instalada. O custo-benefício seria arriscadíssimo.
CONSTRANGIMENTO
Ontem à tarde decidi ir ao Shopping Atrium. Queria conferir, ou atualizar, o que escrevera em 2013. O texto logo abaixo explica o que fui fazer em novembro de 2013 no Atrium. Por isso, não esperava muita coisa ontem, mas a situação é pior ainda. Não tive paciência para anotar a quantidade de ocupação das lojas. Uma observação atenta registra vacância de mais da metade dos espaços. Pior que isso, entretanto, é que grande parte do que sobra, de ocupados, não tem o que os especialistas exigentes caracterizariam como padrão mínimo e certo glamour.
Não vou detalhar a visita porque não quero constranger os empreendedores e os investidores, mas está muito aquém do que seria razoável. O Atrium é um shopping de periferia decadente. Como é decadente a periferia de Santo André. Não bastasse o centro velho de guerra, que remete a Bangladesh.
Fico imaginando o quanto foi perdido de investimento por empreendedores de pequeno porte que acreditaram nas falácias que moveram o marketing do lançamento, contra o qual cansei de apontar incorreções. Conheço duas vítimas. Perderam muito dinheiro. Quando um empreendimento não vira, é certo que a canoa está furada. A canoa chamada Atrium não resistiu às projeções exageradas.
TRANSPLANTE
Pode ser, entretanto, que num futuro não muito distante introduza-se injeção de adrenalina que dê vitalidade ao Atrium. Já tentaram, é verdade, com a instalação do Poupatempo de Serviços e do Poupatempo da Saúde. A movimentação nos corredores do Atrium ganhou certo fôlego, mas insuficiente para aquecer as vendas. Os corredores estão infestados de tapumes. Anunciam empreendimentos que preencheriam os espaços. É marketing motivacional para abrandar o horror de tantas vitrines mortas.
Também se torce muito para que seja reinstalada a antiga estação da Pirelli, durante muitos anos utilizada por trabalhadores da fábrica de pneus. A fábrica da Pirelli mudou de nome, miniaturizou-se, mas segue na agenda de expectativa de embarques e desembarques no quintal do Shopping Atrium. É uma clientela de expectativa de faturamento. Gente que mora na vizinhança e que poderia trocar o transporte por ônibus a partir da Estação Celso Daniel, no Centro Velho, por um puxadinho de transporte ferroviário.
Jamais li algo que me tirasse a dúvida sobre o volume de moradores daquela área que seriam beneficiados com a esticadinha ferroviária.
O Shopping Atrium é , portanto, um corpo à espera de transplante, após as cirurgias dos dois poupatempos, cada um em pisos diferentes. Parece estratégia para colocar gente nos corredores. Compras por impulso sempre ajudam. Vale tudo na operação salvamento.
POPULAR DE VEZ
Pode ser que a salvação do Shopping Atrium – eis que finalmente cheguei ao paradoxo que vocês vão entender – se dê mesmo pela mão providencial da maximização dos frequentadores de classe média baixa e do pessoal do andar ainda mais baixo de consumidores. O centro de compras planejado para gente mais graúda acabaria mesmo nos braços de populares, como já se apresenta em larga medida.
Quanto maior a demanda de consumidores de baixa renda, mais o Atrium se converterá em shopping popular. É melhor um shopping popular concorridíssimo do que um shopping no lusco-fusco de consumidores nem tanto ao céu nem tanto à terra de estratos sociais.
O erro dos planejadores e investidores do Shopping Atrium foi acreditarem no triunfalismo sempre medonho de mandachuvas e mandachuvinhas que enxergaram uma Santo André que já não existia mais.
Traduzindo: Santo André não é fim de feira como município e investimentos. Há 700 mil habitantes, além de vizinhos, a estimular planos de consumo. Entretanto, a oferta de espaços comerciais em shopping centers foi superestimada num período em que o PIB cresceu circunstancialmente, com a gastança do governo Lula da Silva, mas, em seguida, retomou o desfiladeiro a bordo do teco-teco dilmista.
A regra do comportamento econômico de Santo André (e dos demais municípios da região) é de retrocesso econômico, de esvaziamento industrial, de emprego de baixa média salarial, de investimentos privados que canibalizam os pequenos empreendimentos locais e com isso geram novos ciclos de perdas sociais.
O Shopping Atrium é uma das muitas vítimas de estelionatários econômicos e sociais. Santo André não comporta mais que dois centros planejados de compras. Acompanhe a matéria de novembro de 2013. Uma entre várias que escrevi sobre o Shopping Atrium.
Um mês depois, apenas 14% do
Atrium Shopping estão ocupados
DANIEL LIMA - 28/11/2013
Temos uma boa e uma má notícia para quem torce pelo sucesso do Atrium Shopping, empreendimento da Brookfield plantado no Bairro Homero Thon, área esquecida ao longo de décadas. A boa notícia é que, desde que foi inaugurado, há um mês, aumentou em mais de 100% o número de lojas disponíveis aos consumidores. A má notícia é que, mesmo assim, não passa de 14% a taxa de ocupação.
O Atrium Shopping reserva espaço a 350 lojistas, mas até ontem apenas 48 estavam ocupados, 26 acima dos 22 que abriram as portas no dia da inauguração, em 29 de outubro.
Não pretendo repetir a descrição do que meus olhos viram um dia após a inauguração, quando autoridades públicas locais, prefeito Carlos Grana à frente, desfilaram verborragia triunfalista. A secretária de Desenvolvimento Econômico de Santo André, Oswana Fameli, que provavelmente jamais entrou numa fábrica em funcionamento ou nos escombros de fábricas que faliram ou se escafederam, disse que aquele centro de compras era a prova de que a cidade é um primor de avanços.
Fui ao Atrium Shopping apenas para atualizar os números de ocupação e também para checar até que ponto o entorno do empreendimento, que contará com torres residenciais, de escritórios e hotéis, já não tem semelhança com um espaço invadido por terroristas. Dei-me mal porque para chegar ao estacionamento do Atrium Shopping é preciso resignação e coragem. Resignação porque há dificuldades imensas para encontrar o caminho mais adequado num trânsito infernal. Coragem porque há obras por todos os cantos a ameaçar a integridade de veículos e ocupantes.
O mais lastimável é que o Atrium é um shopping bonito, agradável, com facilidades logísticas que, por exemplo, o Golden Square de São Bernardo, inaugurado uma semana antes, não oferece no mesmo nível de aprovação. Mas de que adianta o Atrium ser fisicamente o que se apresenta se os corredores que supostamente levariam ao consumo são corredores emparedados por tapumes multicoloridos à espera de lojistas? Jamais havia experimentado a sensação de um vazio imenso num shopping como a experiência de um mês atrás, repetida agora.
Sei lá se vou continuar a contagem vagarosamente crescente de ocupação do Atrium Shopping. Ainda faltam 302 lojas ao público, porque se anunciaram oficialmente durante todo o período de vendas que seriam 350 espaços. Talvez desista da empreitada. Até porque, cauteloso, preferi me dirigir àquele espaço depois de almoçar no Restaurante São João. Garanti uma boia caseira que imaginava não encontrar no Atrium. E fiz bem porque, embora ofereça 14 lojas especializadas em fastfood, o atendimento é precário. Os rapazes e as moças estão perdidos. Transmitem a impressão de que nem treinados foram para dar conta do recado. E olha que são logomarcas famosas ali instaladas. Será que os jovens participaram de concursos às avessas, nos quais os piores seriam desembarcados no Atrium em fase experimental?
DE VOLTA AO GOLDEN
Pretendo voltar ao Golden Square nesta semana. Vou repetir lá o mesmo procedimento a que me dei o trabalho no Atrium: contar loja por loja ocupada e comparar o total com o universo anunciado. Não é por nada não. Peguei a mania de desconfiar do noticiário da Imprensa sempre que marqueteiros entram na parada; sejam marqueteiros políticos, sejam econômicos.
A beleza, a funcionalidade e o ambiente interno agradável do Atrium Shopping me remetem a uma imagem que alguns reprovarão, mas que explicito porque não resisto: é uma mansão supostamente coalhada de virgens sedutoras com o inconveniente de que está fincada no centro de uma imensa floresta e, superadas todas as dificuldades de acesso, o que se encontra, na maioria dos casos, são aposentos fechados a sete chaves. Aqueles corredores de tapumes multicoloridos do Atrium Shopping são isso, se querem saber.
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