Economia

NOVA ONDA AVANÇA
SOBRE VAREJO FAMILIAR

  DANIEL LIMA - 07/10/2025

Se os leitores têm intenção de empreender no Grande ABC, o mínimo que recomendo é atenção total. Mais que atenção total, que sejam céticos além da conta. Estamos chegando ao extremo do que chamaria de quarta onda destrutiva dos empreendimentos familiares ou assemelhados especialmente no áreas de varejo popular. Com o desembarque físico dos centros logísticos de distribuição, especialmente dos asiáticos de abusivo modelo chinês, o comércio eletrônico vai consumar de vez uma carnificina.  

Autoridades públicas, representações comerciais e de serviços, imprensa, lideranças de várias áreas, inclusive do mercado imobiliário, todo mundo se cala ou consente ao observarem a invasão dos bárbaros como se nada fosse se agravar na economia da região. Todos eles não sabem ou fingem não saber dimensionar o tamanho da nova onda de desastre que virá. Depois da desindustrialização, vem a descomercialização, ou a comercialização seletiva, restritiva, asfixiadora. Está bom assim ou preciso repetir?

Se você ficou em dúvida sobre o uso do verbete descomercialização, respondo que também fiquei. Mas está avalizado no léxico. O sentido que aplico vai no seguinte caminho: descomercialização é a substituição de participantes do mercado varejista de produtos principalmente de baixo valor agregado, mas não necessariamente apenas de baixo valor, pela enxurrada de operações comerciais de gigantescos players internacionais, sobretudo asiáticos, no oferecimento de produtos.

ÁGUAS PLÁCIDAS ACABARAM  

O empreendedorismo comercial de pequeno porte no Grande ABC, principalmente, navegou em águas plácidas até os anos 1980. Nos anos 1990, mesmo com toda a turbulência que marcou a economia do Grande ABC, com perda de 100 mil empregos só na área industrial, ainda era possível respirar. Mas já estava muito mais complicado.

A complicação dos anos 1990, a primeira onda destrutiva, veio dos sacolejos do setor industrial, a bordo da desigualdade de tratamento do governo Fernando Henrique Cardoso e também dos rescaldos do movimento sindical. Escrevi muito sobre isso.

Nesse período, com o corte drástico de trabalhadores industriais, o que era uma barbada ganhar dinheiro no mercado varejista de pequeno porte começou a se tornar barra pesada. Os desempregados industriais viraram empregadores varejistas. Houve dupla ação disruptiva: a de quebra de riqueza provocada pela debandada industrial e a multiplicação de concorrentes comerciais.  Chamei à época esse cavalar impacto de nordestinização da economia do Grande  ABC. 

FEIRA DAS MALHAS

Há três décadas as associações comerciais reagiam diante da temporal invasão de empreendedores agrupados nas chamadas feiras de malhas. Havia coordenação para impedir o desvio de consumidores. Movimentos ganhavam as páginas do Diário do Grande ABC. Hoje, as associações comerciais estão silenciosas. E não têm praticamente nada a fazer. Não se organizam para reagir juntamente com forças políticas e da sociedade.

Então, a primeira onda em forma de dilúvio que abateu o comercio de pequeno porte no Grande ABC, nos anos 1990, está explicada. Mas não ficou apenas e tão somente no adensamento desorganizado e canibalizar de competidores, desempregados de indústrias.

Veio a segunda onda. Franquias e shoppings começaram a desembarcar. E tomaram grandes parcelas dos consumidores dos antigos centros comerciais. Um estrondo na distribuição de mão de obra e riqueza. A mobilidade social começou a ir para o espaço. Temos inúmeros estudos estatisticamente sólidos de que as famílias de classe rica e de classe média são proporcionalmente (e em alguns casos inclusive numericamente) cada vez menos representativas no figurino social da região. 

OUTRA ONDA

Depois da onda dos shoppings ou, deu-se a terceira onda, com a chegada de supermercados a ocupar os melhores pontos comerciais da região. Principalmente nos espaços deixados pela indústria fugidia. Na sequência, os grandes conglomerados comerciais aportaram discretamente em forma de lojas de vizinhança, com toda a retaguarda de grandes corporações. O comercio varejista de bairros sentiu o tranco. Mais carnificina.

A quarta onda é o comércio eletrônico, já há muito tempo entrincheirado na região. O que muda é que agora a infantaria está-se estabelecendo fisicamente no território regional, com capacidade de agilizar ainda mais as demandas de consumidores locais. A logística do comércio eletrônico não encontra obstáculos no estrangulamento da de acessibilidade viária que inviabiliza afasta em larga escala os investimentos no setor industrial.

Os grandes investimentos em espaços apropriados para desenvolver a chamada operação de última milha, que aproxima a entrega ddos os destinatários com o uso de pequenos veículos, vão consumar de vez uma tragédia mais que anunciada. 

DEFESA DOS PEQUENOS

Minha origem familiar de pequenos negócios de um pai multifuncional para sustentar os filhos fez com que incorporasse coma cláusula pétrea da revista LivreMercado, criada em março de 1990, o empreendedorismo privado como algo sagrado. Desde então os pequenos negócios fazem parte de meu roteiro profissional. O Prêmio Desempenho, que criei e dirigi por uma década e meia, também era voltado principalmente aos pequenos negócios, além de vários setores e atividades profissionais.

É impossível, portanto, que não esteja atento ao ambiente regional. Poucas vezes tenho saído nos últimos quatro anos, por conta do tiro, mas quando o faço procuro dar uma espiadinha na periferia, e nos centros velhos, para tentar decifrar a temperatura econômica da região fora do enquadramento de badalação de bairros de classe média. O que tenho visto é desolador. Convido o leitor a fazer o mesmo. Portas cerradas, placas de aluga-se, placas de vende-se, formam uma corrente de desilusão e frustração. O comércio varejista de bairro de perfil familiar está desaparecendo de vez.

As estatísticas do Sebrae estão aí para confirmar o teatro de horrores. Inúmeros dados setoriais que vão mais a fundo no fatiamento dos estabelecimentos de comercio denunciam a desigualdade. Poucas atividades se salvam diante de concorrentes estruturados sob bases de conglomerados comerciais, financeiros e de investidores. 

MAIS DRAMÁTICO

Em qualquer indicador econômico que coloque como alvo a medição da temperatura da região em confronto com outras localidades, sempre perderemos feio. Outros territórios também demograficamente interessantes sofrem com a descentralização e concentração agressiva dos grandes players nacionais e internacionais, mas diferem dos estragos do Grande ABC. Estamos sendo abatidos permanentemente como sociedade porque estávamos em patamar de liderança em qualidade de vida nos anos 1980, e mergulhamos numa tormenta cada vez mais ruinosa. Outros endereços veem os invasores bárbaros chegando, mas não têm o passado de glórias como fonte de desequilíbrios mais ruinosos.

Vou deixar para outra oportunidade uma das variáveis possíveis para amenizar os danos provocados pelas grandes corporações de comércio eletrônico no tecido varejista familiar. A competição é tão tremendamente desigual que se estranha o descaso de falsos defensores dos humildes.

Nesse caso, a democracia econômica em forma de sustentar um modelo de empreendedorismo descentralizado há muito virou pó no País. Na Europa, mesmo tardia, já há movimentos para impedir a invasão dos asiáticos. O dumping social  está destruindo, também no varejo, muitos valores ocidentais. 

REPÓRTER DIÁRIO 

Reproduzo na sequência a reportagem publicada pelo Repórter Diário de ontem sobre a chegada (já observada aqui) do investimento asiático em São Bernardo. Acompanhe a reportagem sob a manchete:  “Shopee abre em Bernardo maior centro de distribuição automatizado do País”: 

Na disputa pela liderança do comércio eletrônico, a multinacional Shopee  inaugurou, nesta segunda-feira (6/10), o seu 14º centro de distribuição no Brasil. O novo empreendimento fica em São Bernardo e tem o maior sistema automatizado de classificação de produtos (sorter) da empresa, com capacidade para processar cerca de 3,8 milhões de pedidos por dia. No comércio eletrônico, quem tem mais galpões para armazenagem e distribuição de mercadorias entrega mais rápido e gasta menos para chegar à casa do cliente, uma estratégia que acirrou a busca por imóveis do gênero. 

MAIS REPÓTER DIÁRIO

“A logística é um dos principais focos da Shopee, desde a expansão da malha até a otimização de processos”, afirmou Rafael Flores, líder de Expansão da Shopee. “Seguiremos expandindo a nossa rede logística para garantir entregas cada vez mais rápidas”, acrescentou ele, sem revelar o número de inaugurações pela frente. Lançada em 2015 em Cingapura, a Shopee está no Brasil desde 2020. Em pouco tempo, a empresa se tornou a segunda maior ocupante de galpões logísticos no País, de acordo com dados da consultoria imobiliária Newmark. Nos últimos cinco anos, a Shopee estruturou mais de 1 milhão de metros quadrados em espaços logísticos, totalizando 14 centros de distribuição.

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Deste total, 12 funcionam no modelo cross-docking, em que as mercadorias coletadas via parceiros logísticos são reorganizadas e direcionadas aos polos de última milha para serem entregues ao consumidor final. Outro dois são do tipo fulfillment, em que os produtos de vendedores selecionados ficam armazenados no espaço, e a Shopee fica responsável pela preparação dos pacotes e gestão do envio após a venda no aplicativo. A empresa tem ainda 3 mil estabelecimentos comerciais credenciados como agências. Neste modelo, os estabelecimentos exercem suas atividades habituais e também funcionam como pontos de coleta, retirada e devolução de produtos. 

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O aumento na competição no comércio eletrônico foi evidenciado nos últimos meses, com o Mercado Livre ampliando a oferta de frete grátis para compras a partir de R$ 19 (antes era R$ 79). Na sequência, a Amazon respondeu com isenção de taxas para os vendedores que usam o serviço fulfillment. Os movimentos foram considerados agressivos por analistas de varejo, que apontaram pressão sobre a margem das atividades com essa oferta de descontos.

Questionado sobre o tema, Flores adotou tom diplomático. “Acreditamos que a concorrência acirrada faz parte da dinâmica natural de um mercado em expansão como o e-commerce brasileiro, e também acreditamos que há espaço para todos crescerem com a economia digital”, respondeu. “Acompanhamos de perto os movimentos do setor e seguimos firmes na nossa estratégia de crescimento sustentável”, emendou.

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O líder de expansão da Shopee avaliou o crescimento do negócio envolve uma combinação de fatores, como as ofertas de cupons de desconto, frete grátis e cashback, além de uma ampla variedade de produtos, logística eficiente e desenvolvimento contínuo da base de vendedores, incluindo grandes marcas. Ele citou que, hoje, a Shopee conecta mais de 3 milhões de vendedores brasileiros, tendo 1 mil marcas parceiras na seção de “lojas oficiais”. Na Grande São Paulo, cerca de 25% das encomendas da Shopee foram entregues até o dia seguinte, e 40%, em dois dias. Já a opção de entrega rápida foi expandida e está disponível em mais de 75 cidades nas regiões de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

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