TAPAS CAMARADAS
E BEIJOS ARDENTES
Jornalismo de conveniência. Jornalismo de compadrios. Jornalismo de relações públicas. Jornalismo de quê mais? Você escolhe. Para não ser impreciso, optei por todas as alternativas postas depois de ler o que li na edição de domingo de Ilustríssima, da Folha de S. Paulo. Sob o título por si só auto condenatório de “Democracia sem renovação”, o jornalista e advogado Marcio Aith produz um micro perfil arrasador (no sentido patético de ser) do presidente Lula da Silva.
É mesmo de lascar a atividade jornalística quando infiltrada por gente que se diz jornalista, se apresenta como jornalista, faz tudo para parecer jornalista, mas no fundo, caso de Marcio Aith, não passa de um combo de jornalista, de advogado e de agente político. Só poderia dar no que deu. O artigo é um soco no estômago do bom senso. Primeiro, não relativiza a etimologia cultural de Democracia. Trata tudo restritivamente ao campo político eleitoral. Segundo, exatamente por relativizar e circunscrever aos limites de votos, ignora abrangentes registros trágicos no interior e no entorno da atividade central.
DE BANANAS
Quem escreve, como o articulista convocado pela Folha de S. Paulo, 12.500 caracteres sobre qualquer liderança política do País, que enfoque o futuro do País, e não faz referência alguma aos Três Poderes, aos escândalos do Estado, às iniquidades sociais que a Polícia do Rio de Janeiro esfregou na cara dos brasileiros na semana passada, entre outros tantos pontos dessa República de Bananas, quem perpetra tamanhas sandices, não pode mesmo ficar incólume à crítica.
Para entender por que decidi promover mais um debate virtual nas páginas de CapitalSocial, talvez a melhor resposta é ir diretamente às respostas. Os contrapontos são uma maneira de desopilar a irritação por ler uma tentativa de sacralização do profano da política nacional.
O título do artigo na Folha é revelador da contradição em forma de agressão à sensatez: “Democracia sem renovação” num País com a ficha corrida dos políticos que controlam os poderes é uma junção incompatível de palavras pretensamente formadoras de pensamento construtivista. “Democracia sem renovação” num País que insiste em perder para si mesmo só tem sentido e algum nexo quando os beneficiários do regime precisam de uma muleta conceitual para se sentirem confortáveis. O resto que se dane, claro.
MARCIO AITH
Na Indonésia, Lula encerrou o teatro: disputará novamente a Presidência em 2026, aos 81 anos. Há quatro décadas ele eclipsa a política brasileira, renascendo das cinzas a cada crise — da prisão ao encontro com Trump na Malásia. Mas na sombra dele cresce apenas o deserto político, sem alternativas, que ele mesmo ajudou a criar. Quando Lula sentou-se ao lado do turbulento Donald Trump em Kuala Lumpur, no domingo passado, o encontro tinha todos os ingredientes do impossível. Três meses antes, Washington havia imposto tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e sanções a ministros do Supremo Tribunal Federal. A crise bilateral era a mais grave em dois séculos de relações diplomáticas. E ali estava Lula —perseguido, preso, com processos anulados pelo STF, reeleito— conversando de igual para igual com Trump, que declarou admirar a carreira política do brasileiro, eleito três vezes presidente da República.
CAPITALSOCIAL
A melhor explicação para a longevidade política de Lula da Silva ajusta-se à matriz replicante de lantejoulas representada pelo articulista, entregue ao descaso com o protagonismo do Supremo Tribunal Federal, à alma penada do governo tucano de São Paulo e claramente ao DNA do jornalismo mais ousado mas nem por isso pluralista da Folha de S. Paulo. Entre a subserviência ao STF, do qual foi servidor, às indefinições do PSDB de Geraldo Alckmin e assemelhados e a militância ideológica da Folha de S. Paulo não se poderia mesmo esperar senão uma coreografia de elefantes em shopping center. É o jornalismo de resultados diplomáticos, não transformadores. Um jornalismo empesteado de ambiguidades protetivas e de validação.
MARCIO AITH
A cena na Malásia é a síntese perfeita da extraordinária capacidade de sobrevivência política de Lula. Ele renasce das cinzas. Da prisão em Curitiba ao Palácio do Planalto em menos de cinco anos. Do político com processos judiciais ao estadista que negocia com potências. Essa capacidade de renascimento, porém, tornou-se também sintoma de uma debilidade nacional: nossa democracia não consegue produzir alternativas ao seu protagonista mais longevo.
CAPITALSOCIAL
Lula da Silva, um dos gênios da política, só estará fora do baralho de competitividade eleitoral quando cair a ficha de que expõe as debilidades nacionais. Faz parte do jogo como uma das maiores estrelas do espéculo da perpetuação de poder como tantos outros personagens.
MARCIO AITH
Poucos dias antes, em Jacarta (Indonésia), Lula havia encerrado qualquer suspense sobre 2026. "Eu vou completar 80 anos, mas pode ter certeza que eu estou com a mesma energia de quando tinha 30 anos. Vou disputar um quarto mandato no Brasil", declarou ao lado do presidente indonésio Prabowo Subianto. E completou, com uma franqueza reveladora: "Estou preparado para disputar outras eleições." Com essa frase, acabou o falatório mais previsível da política brasileira. Em 2022, o mesmo Lula dizia: "Quando chegar 31 de dezembro de 2026, quando a gente entregar esse mandato para outra pessoa, o país estará bem".
CAPITALSOCIAL
É muita ingenuidade acreditar que Lula da Silva, o senhor interminável das urnas, abdicará do direito de disputar uma eleição que não lhe assopre as velinhas da viabilidade. O articulista parece não saber distinguir marketing eleitoral de estratégia eleitoral. Possivelmente Lula da Silva só arrefecerá disposição de concorrer se perceber que a vaca da longevidade, como no caso de Joe Biden, estiver irreversivelmente no brejo. E talvez repita o processo eleitoral nos Estados Unidos, com troca de candidato na reta de chegada.
MARCIO AITH
Pois bem. Chegou o segundo ato. Prometeu mudar tudo e mudou de ideia. Jurou sair, mas só jurou. A indecisão foi teatro. O final, previsível. Ao confirmar que disputará um quarto mandato, Lula encerra o teatro da dúvida e revela um país incapaz de substituí-lo. Neste ponto, o autor se vê obrigado a corrigir o próprio texto: não se trata de disputar um quarto mandato, mas de uma sétima tentativa presidencial. Lula foi candidato em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2022 e agora será novamente em 2026. Antes disso, foi eleito deputado federal em 1986 e derrotado ao governo de São Paulo em 1982. Ou seja: há 43 anos Lula é candidato a alguma coisa. E talvez o país tenha se acostumado tanto a vê-lo disputar que, quando vota nele, parece reencenar o mesmo ato.
CAPITALSOCIAL
A cronologia detalhada pelo articulista é emblemática. Com raízes no STF, do governo tucano e da Folha de S. Paulo, tem-se a confissão tácita do que seria, a olhos mais treinados e mentes menos doutrinadas, o currículo de Lula da Silva, para o bem e para o mal. Lula da Silva há muito deveria ter sido apeado como executivo principal da política caso o Brasil não fosse refém permanente de branqueadores de imagem. Ou alguém tem dúvidas de que Lula da Silva patrocina com genialidade agora minguante o que se convencionou chamar de extraordinária capacidade de reinventar-se? Parece o presidente dotado de pó-de-perlimpimpim disseminador de amnésia coletiva. Os passivos cada vez mais abundantes e o brilho edulcorado dos ativos proporcionam uma dança de nuances ao sabor dos ventos militantes.
MARCIO AITH
A questão, portanto, não é a idade, mas a longevidade. Não a biológica, mas a política: o fato de o Brasil, quatro décadas depois, ainda depender do mesmo nome para salvar a democracia, articular esperança, poder e estabilidade. A política brasileira parece um carrossel: gira, mas o eixo continua sendo Lula. Nascido em 27 de outubro de 1945, ele chegará ao primeiro turno de 2026 com 80 anos e 11 meses; ao segundo, com 81. Nenhum presidente em democracia consolidada chegou tão longe em idade e, sobretudo, em tempo de influência contínua. Mas não é o corpo que preocupa. É o vazio em volta.
CAPITALSOCIAL
O processo de consagração e canonização de Lula da Silva, com pitadas críticas suaves, registra um atalho contraproducente. Ao mesmo tempo em que expõe contornos supostamente condenatórios, o transforma subjetivamente na cereja do bolo da política nacional. Reconheça-se que é um jogo bem jogado tendo-se em vista os propósitos de tapas e beijos desproporcionais e contraditoriamente retroalimentadores de farsa crítica.
MARCIO AITH
A energia de Lula aos 80 é, de fato, notável. Viajou 22 horas de avião até a Indonésia. Participou de cerimônias, firmou acordos comerciais, ganhou uma festa de aniversário antecipada com o presidente Subianto (que fez 74 anos dias antes). Seguiu para a Malásia. Reuniu-se com Trump por 50 minutos. Negociou tarifas, defendeu ministros do STF, propôs mediação na Venezuela. Voltou ao Brasil após uma semana de agenda intensa. Não há sinais de fadiga cognitiva. Não há perda de comando. Lula mantém o instinto político, o carisma, a capacidade de improvisação —que, de tão eficiente, às vezes tropeça na autoconfiança e comete gafes, como a de dizer que traficantes são vítimas de usuários. Sua lucidez aos 80 anos supera a de muitos líderes mais jovens.
CAPITALSOCIAL
A vassalagem torna o articulista personal-trainer de um atleta fenomenal. Lula virou um jovem político, quando se sabe que, à parte a resiliência física de breve temporada de compromissos internacionais, um teleprompter é sempre providencial para impedir ou amenizar estragos de improvisações. Diferentemente do que glorifica o articulista, os percalços verbais do presidente são uma competição acirrada entre quantidade e impactos. O elogio físico-cognitivo a Lula soa tão exagerado quanto descabido. Só faltou o articulista sugerir que o presidente dispute a Maratona de Boston.
MARCIO AITH
Individualmente, tanta vitalidade é admirável. Coletivamente, nosso problema é a ausência de energia ao redor dele. Lula persiste porque o sistema não produziu alternativas —e ele mesmo não permitiu que existissem.
CAPITALSOCIAL
Finalmente o articulista se entrega à contradição de uma artimanha que não consta de qualquer manual de jornalismo independente. Lula não permitiu alternativas e por isso continua a reinar.
MARCIO AITH
Em 2010, obrigado a deixar o cargo, Lula tinha capital político para eleger qualquer um. Havia quadros preparados, lideranças jovens, ministros de talento. Ele escolheu Dilma Rousseff, uma técnica sem trajetória eleitoral, com origem em outro partido. O objetivo era claro: não o ameaçar. Dilma não foi projetada para liderar, mas para guardar o lugar até o retorno do chefe. Lula quis voltar em 2014? Os que o conhecem de perto dizem que sim. Não voltou por resistência da própria Dilma, em um episódio nunca satisfatoriamente esmiuçado por jornalistas, historiadores e cientistas políticos.
CAPITALSOCIAL
Um ditador partidário, escreveria quem não tem preocupação com represálias de redes sociais. A confissão e a confusão são evidentes. Confunde-se liderança com messianismo e mandonismo. Lula da Silva é um mandachuva federal que só admitiu deixar a presidência em 2010 porque já se esgotara o tempo regulamentar de dois mandatos. O egoísmo lulista soa como estratégia político-eleitoral digna de aplausos, como um lamento por ter de deixar o ringue no qual contava com 80% de aprovação. Nada mais ilusório. Foram tempos de incipientes redes sociais e de gastança pública a cada embarque de commodities aos asiáticos. Parte da bomba fiscal sobrou para Dilmar Rousseff se estrepar.
MARCIO AITH
Fernando Haddad, desprezado em 2010, só virou alternativa na missão impossível de 2018, quando Lula estava preso, e Bolsonaro varreu o país. E Haddad, agora, carrega pedras no Ministério da Fazenda. É assim que Lula move as suas peças. (Aqui, o autor se vê obrigado a corrigir novamente o próprio texto. Mesmo da prisão, em 2018, Lula se lançou candidato, mas foi barrado pela Justiça Eleitoral. O que leva a oito o número de suas tentativas presidenciais.). Dilma não foi herdeira, foi interregno. Haddad virou preposto. Gleisi Hoffmann é bedel, não alternativa. Nenhum sucessor sobreviveu dentro do PT. O partido envelheceu sob a sombra do homem que o fundou. E ali ficou. Na sombra. Houve várias oportunidades de forjar novas lideranças ao longo de décadas. E 2010 talvez tenha sido o momento mais adequado para uma verdadeira renovação.
CAPITALSOCIAL
O articulista expõe mais uma vez o egoísmo político de Lula da Silva, mas ameniza restrições com a habilidade semântica de substituir o desprezível pelo elogiável. Não parece estranho que, com essa ficha toda de mandonismo, Lula da Silva seja visto como fiador da democracia? O médico e o monstro convivem na alma mais honesta do País?
MARCIO AITH
Em 2022, Lula literalmente segurou a democracia pelo colarinho. Por pouco. Mas 2026 será outra história. O golpismo bolsonarista, que quase venceu, foi contido e punido. O próximo pleito promete correr dentro da normalidade democrática. A direita terá seu nome. À esquerda, só há Lula. Ao redor dele, o deserto político que ele mesmo ajudou a criar. E sempre há uma justificativa para Lula concorrer. Desta vez, é o avanço da direita no eleitorado. Só ele poderia se contrapor a essa onda. Só ele manteria a esquerda no poder. A lógica se renova a cada ciclo, mas o protagonista permanece o mesmo.
CAPITALSOCIAL
Nenhuma menção à imensidão das peças-chave da campanha eleitoral, que não é uma caminhada em direção ao Santuário de Aparecida O Supremo Tribunal Federal, o TSE, o Congresso Nacional, a Grande Imprensa, as Fake News utilizadas na proporção de ocupação territorial dos espaço virtuais -- nada disso integrou o arsenal das guerrilhas eleitorais do articulista especializado em relações públicas. A ética pasteurizada e elitista é fruto de ambiente climatizado.
MARCIO AITH
A crítica, repito, não é ao octogenário candidato, mas ao sistema político que o torna indispensável, ao partido que se dissolveu nele e ao país que não soube criar alternativas. Lula é populista. E isso não é ofensa, é constatação. Dispenso o aval acadêmico: a palavra tem valor descritivo, não depreciativo. Quando "Vem fazer o L" substitui programa partidário, fica óbvio que não há mais partido, apenas um homem. O homem que fala "como o povo" há décadas aprendeu a ser o próprio povo. Seu populismo é democrático, performático, conciliador e centrado em si. Fala aos de baixo contra os de cima, encarna o injustiçado que venceu, transforma a biografia em mito. Promove inclusão social sem romper o pacto dos privilegiados: rentistas, conglomerados erguidos por crédito estatal.
CAPITALSOCIAL
Segue o articulista o receituário de tapas e beijos assimétricos. O populismo, núcleo do Estado ineficiente, com o dinheiro dos contribuintes, é exaltado como matriz de qualidade, embora não passe de assalto ao futuro que sempre chega. É preciso tirar mesmo o chapéu para o brilho do articulista na arte de fazer da carreira de Lula da Silva trações e contrações em que, entre mortos de vergonha e feridos em suscetibilidades, todos sobrevivem, embora com marcas indeléveis.
MARCIO AIHT
Seria injusto, porém, tratar Lula como aberração. Os modelos de representação mudaram no mundo todo, como bem demonstrou o cientista político francês Bernard Manin, falecido em novembro de 2024. Segundo ele, as democracias contemporâneas deixaram de ser de partido para se tornarem "democracias de público". Nelas, os eleitores não se guiam mais por ideologias ou programas coletivos, mas por vínculos afetivos com figuras carismáticas. A política virou espetáculo, e o voto, ato de identificação pessoal. O líder passa a representar o sentimento difuso da maioria —não uma plataforma, mas um personagem. Nesse ambiente, o populismo não é desvio nem destino: é uma possibilidade constante. Surge quando a representação política se confunde com a performance, e o público transforma o político em protagonista. A democracia de partido deu lugar à democracia do público.
CAPITALSOCIAL
A preocupação em enfeitar a imagem de quem já se provou genial na política é persistente. A premissa central do articulista está a serviço do alinhamento com forças de centro-esquerda e centristas fisiológicos. Qual premissa? Tornar a direita mais palatável ao sistema com eventual descarte dos bolsonaristas. Uma única citação ao ex-presidente não é esquecimento acidental. Trata-se de operação para esterilizar a força magnética do segundo maior fenômeno político do País pós-Getúlio Vargas. Ou seja: o homem que tirou os conservadores do guarda-roupa, depois do homem que tirou os macacões das fábricas.
MARCIO AITH
Há outro fator a se registrar. Lula também é filho legítimo do sistema que o cerca, o mesmo que manteve oligarquias no poder por décadas. Alckmin governou São Paulo durante 12 anos no período de hegemonia tucana; Sarney controlou o Maranhão por quase meio século; ACM transformou a Bahia em dinastia; Maluf, Quércia, Garotinho e Barbalho são variações regionais do mesmo padrão. No Brasil, o poder raramente troca de mãos. Lula, portanto, não inventou a perpetuação, apenas a democratizou. Construiu sua longevidade no voto direto, na popularidade genuína e no carisma pessoal. No entanto, o resultado é o mesmo: a incapacidade do sistema de produzir renovação.
CAPITALSOCIAL
O articulista demonstra mais uma vez que a missão que lhe foi confiada voluntariamente ou não seria produzir um atestado de competência, brilho e tudo o mais para manter Lula da Silva no poder.
MARCIO AITH
E não apenas nas eleições majoritárias. Como observa o cientista político Antonio Lavareda, o voto proporcional em "lista aberta" é, na prática, uma lista desordenada, um convite para escolher rostos, não ideias. O modelo transforma cada candidatura em uma franquia pessoal de poder. O voto deixa de representar um projeto coletivo e vira ativo privado. As legendas, dominadas por seus donos de voto, perdem a capacidade de se renovar. O resultado é um Congresso imóvel, de caciques vitalícios e reeleições sem fim. É nesse terreno que o populismo prospera —e que Lula se torna, mais do que líder, uma instituição.
CAPITALSOCIAL
Mais uma confissão de que Lula da Silva e tantos outros políticos brotam e sobrevivem porque as imperfeições da Democracia comprometem a mesma Democracia na medida em que aqueles com potenciais poderes de transformação preferem a acomodação, o bom-mocismo, a diplomacia de relações públicas.
MARCIO AITH
Democracias tendem a se apegar a líderes que parecem insubstituíveis, como os Estados Unidos fizeram com Franklin D. Roosevelt, eleito quatro vezes seguidas entre 1933 e 1945. Sua permanência no poder foi tamanha que o país criou, em 1951, a 22ª Emenda, limitando todos os presidentes a dois mandatos. A medida nasceu do medo de ver uma democracia transformar-se em monarquia eletiva. O Brasil, ao permitir a reeleição em 1997 através da Emenda Constitucional nº 16, seguiu caminho oposto. Acreditou que a limitação a dois mandatos consecutivos, ainda que com a possibilidade de retorno depois de um interregno, seria suficiente para evitar a perpetuação. Ignorou, porém, a lição que o caso Roosevelt havia ensinado: um líder não precisa de golpe ou fraude para se perpetuar. Bastam a popularidade e a falta de alternativas. Foi exatamente isso que os americanos temeram: não o abuso do poder, mas a dependência em relação ao líder. Lula, como Roosevelt, não governa pela força, mas pela ausência de quem possa substituí-lo. E, como Roosevelt, tornou-se o fiador de uma estabilidade que, também, esconde a fragilidade das instituições. A diferença é que os americanos aprenderam a lição em 1951. O Brasil ainda a adia.
CAPITALSOCIAL
A comparação com o presidente norte-americano é de pasmar. Tanto quanto as motivações que determinaram a emenda constitucional para supostamente evitar a perpetuação no cargo. O articulista não faz menção alguma às tramoias congressuais que levaram o governo FHC ao segundo mandato, infringindo regras pré-estabelecidas. Já o temor de dependência de um líder corre em outra raia de supostos impedimentos legais. Grupos se eternizam no poder em qualquer instância nacional pela simples razão de que têm o poder sob controle e também por contarem com a docilidade de quem é muito mais que jornalista. E quando se é mais que jornalista no sentido clássico da atividade, sobram filigranas intelectuais em desfavor de objetividade e fatos que emoldurem a democracia sem adjetivos.
MARCIO AITH
Lula, aos 81, será o mais velho candidato de uma democracia estável. E o mais longevo líder popular da história do país. Getúlio Vargas, é verdade, governou por mais tempo —18 anos e meio, entre 1930 e 1954. Mas desses, apenas seis anos e meio foram em governos democráticos (1934 a 1937, eleito pela Assembleia Nacional Constituinte, e 1951 a 1954, dessa vez pelo voto popular). Oito anos foram de ditadura declarada, no Estado Novo (1937-1945). Quatro anos, de governo provisório sem eleições (1930-1934), após tomar o poder pela Revolução de 1930. Getúlio construiu sua longevidade também pela força, pelo golpe, pela supressão do voto. Lula, ao contrário, construiu a sua exclusivamente pelo voto direto, pela popularidade genuína, pela capacidade de se reinventar dentro das regras democráticas. É exatamente isso que torna sua longevidade ainda mais emblemática: não apenas o tempo no poder impressiona, mas sobretudo os 43 anos de influência política ininterrupta, de candidaturas sucessivas, de presença constante no imaginário nacional.
CAPITALSOCIAL
Mais lentejoulas, sem qualquer menção, mesmo que discretíssima, às estripulias do presidente da República que agravam sim e imensamente o estágio de sobreposição conflitiva, quando não desclassificatória, do Executivo e do Legislativo pelo Judiciário.
MARCIO AITH
Um feito admirável e, ao mesmo tempo, um sintoma alarmante: o de uma nação que confunde continuidade com futuro. A democracia envelhece quando o futuro é tratado como risco, e o passado, como zona de conforto. O encontro com Trump na Malásia provou que Lula ainda tem energia, sagacidade e presença de palco. Mas também revelou algo mais profundo: o Brasil, após 43 anos, ainda precisa dele para se fazer ouvir no mundo. O Brasil não envelheceu com Lula. O Brasil envelheceu por não conseguir sair de dentro dele.
CAPITALSOCIAL
A adoração disfarçada de crítica suave, arte dos assépticos , coroa um deboche na forma e no conteúdo. Missão dada, missão cumprida.
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