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BARCAÇA DA CATEQUESE E O
GATABORRALEIRISMO (7)

  DANIEL LIMA - 31/10/2025

O Grande ABC é um castelo institucional de horrores. Basta o Estado Regional ser submetido a rígido escrutínio de qualidade operacional e estratégica para se chegar à conclusão desanimadora. Entenda Estado Regional como a expansão territorial do Estado Municipal. Não existe necessariamente discriminação ou favorecimento ideológico na extrapolação do conceito de Estado. Uso as expressões Estado Regional e Estado Municipal pela primeira vez. E as farei freguesas de caderneta editorial.

O Estado Municipal corresponde a cada uma das sete partes administrativas públicas que resultaram do processo de separatismo em meados do século passado. O Estado Regional é o conjunto desses municípios sob a ótica de ajuntamento das partes separadas, mas que jamais se encaixaram no pretendido mosaico de regionalidade. Ou seja: é fantasia o Estado da Regionalidade.

Entender essas camadas é o primeiro passo para decifrar o que se passa no Estado Regional ocupado pelo Diário do Grande ABC e no Diário do Grande ABC do Estado Regional. Uma coisa tem tudo a ver com a outra.

O poderio do jornal no século passado, como se reitera nesta série, fincou estacas muito aquém das demandas evidentes ou recônditas de regionalidade. A Barcaça da Catequese sofreu enfermidade própria do pioneirismo empreendedor na área. O evocar da marca se limitou ao reducionismo filosófico de regional. A distância entre regional e regionalidade é a mesma entre restrito e amplo.

TUDO REALIDADE

O Gataborralheirismo provocado pela proximidade com a Capital completou o serviço. O calendário de transformações sociais e econômicas do Grande ABC coincidiu em larga parte com o surgimento do Diário do Grande ABC. Nenhuma das partes entendeu o sentido de regionalidade. Fixaram-se na simplicidade etimológica de região e no descuido cultural de regionalidade.

Todos que passaram  pelo Grande ABC em algum momento da trajetória pessoal ou profissional não têm ideia do quanto o Estado Municipal e o Estado Regional são peças da arqueologia econômica e social que, por sua vez, mesmo na origem, estavam aquém do que se convencionou chamar de cidadania, mas que tem na expressão capital social provavelmente o paradigma mais condizente.

O fato é que o Estado Municipal e o Estado Regional não são um castelo de horrores ficcional do Grande ABC, e expressões de simbologia alarmista.  É tudo verdadeiro, feito de materialidade e de imaterialidades.

A governança regional é um barco à deriva desde sempre. A governança municipal é um feixe de imperialismos. A governança da regionalidade, então, é conversa mole para boi dormir. 

POBRE CELSO DANIEL

Nem o brilhantismo de Celso Daniel deu conta do recado reformista e reestruturante. O movimento de integração não durou muito. Enfraqueceu antes mesmo do assassinato de Celso Daniel. Ele se descobriu regionalista institucional isolado no baile de máscaras de individualismos municipalistas.

Uma lista sobre a qual pretendo fazer um voo panorâmico, porque o voo rasante fica para outras edições, traduz bem a calamidade gerencial tanto municipal de gestão estatal quanto o somatório em forma de gestão estatal regional.  

Tudo que se desdobrará na sequência é praticamente ignorado pelo Diário do Grande ABC e em grau também elevado nas demais mídias. São questões de extraordinário valor. Entretanto,  vivem expostas no castelo de horrores públicos sem despertar atenção básica, quanto mais emergencial. E é mesmo emergencial porque, na maioria dos casos, o que temos são obstáculos cristalizados.  

Por conta disso, não é preciso exercitar a mente em forma de reflexão para entender o ponto crucial de gravidade institucional do Grande ABC na esfera estatal. Vivemos os piores tempos da história regional e municipal. O inventário de desprezo ao básico já ultrapassou o terreno de riscos. Ganhou contornos de dramaticidade.

SAPOPEMBA É AQUI

Afinal, a concorrência por investimentos é cada vez mais acirrada tanto de municípios quanto de empreendimentos privados em busca de competitividade num mundo sem fronteiras.

O Estado Municipal e o Estado Regional do Grande ABC ainda não compreenderam que o nome do jogo de reação é Desenvolvimento Econômico. Foi com Desenvolvimento Econômico que o Grande ABC,  mesmo sem sinergia institucional, registrou impetuosa metamorfose no século passado. A mobilidade social que escasseia é prova disso. Não se produzem ricos e classe média tradicional sem Desenvolvimento Econômico.

Quer um exemplo do quanto o Estado Regional do Grande ABC não tem ideia do que é embocadura para situações de emergência? Já imaginou que durante a pandemia da Covid o balanço de letalidade que cruza os dados dos sete municípios com o Distrito de Sapopemba, na Capital, notoriamente um dos espaços mais populares da Capital, registrou praticamente o mesmo nível?

Essa informação foi descartada todo tempo pelo Diário do Grande ABC e jamais se deu qualquer tratamento ao que poderia ser resumido como calamidade. Alguém em sã consciência colocaria no conjunto de uma obra de identificação socioeconômica Grande ABC e Sapopemba no mesmo compartimento? 

CLUBE DE FRACASSOS

Grande ABC e o Distrito de Sapopemba são vizinhos geográficos na Região Metropolitana de São Paulo. Os resultados semelhantes revelaram, num exame detalhado, a consequência natural da falta de coordenação de políticas públicas no Grande ABC. O Clube dos Prefeitos não articulou e tampouco levou adiante qualquer plano sincronizado de combate à pandemia. O Estado Regional não foi acionado pelo Estado Municipal. O autarquismo prevaleceu com a espetacularização do marketing. A imagem de um hospital de campanha no gramado do Estádio Bruno Daniel explicitava o jogo de cena.

O Clube dos Prefeitos é a principal organização do Estado Regional do Grande ABC. Criado por Celso Daniel em 1990, no primeiro mandato do petista, o organismo integra a constelação de inutilidades estatais. A Agência de Desenvolvimento Econômico é um braço executivo do Clube dos Prefeitos. Também é um fracasso. A Câmara Regional do Grande ABC, também criada por Celso Daniel nos últimos anos do século passado, desmoronou e foi desativada.

Sem arcabouço estatal minimamente organizado, porque é disso que se trata, não se poderia esperar mesmo nada diferente do vazio institucional do Grande ABC. O exemplo do confronto com Sapopemba, no caso da Covid,  é emblemático, mas há situações que fugiram daquelas circunstâncias e se cristalizaram como tropeços sedimentados.

RODOANEL DESTRUIDOR

Um exemplo? O trecho sul do Rodoanel Mário Covas tornou a economia do Grande ABC ainda amais suscetível a perdas. Essa caçapa foi cantada por este jornalista antes mesmo de a obra começar. E alertas foram feitos. Os dados históricos que comprovam a evasão de empresas e de riquezas merecerão capítulo à parte. Os estragos do Rodoanel são uma pauta proibida nas páginas do Diário do Grande ABC. O Estado Regional do Grande ABC é ignorado pelo Diário do Grande ABC. É preciso repetir essa verdade para que não se criem ilusões ou meias verdades.

Cada porta que se abre no castelo de horrores institucionais do Grande ABC é um flash de desencanto.

Outro exemplo: o Diário do Grande ABC persistiu durante décadas no propagandismo ufanista chamado Bancada do ABC, ao se referir a deputados estaduais e deputados federais com domicilio eleitoral na região.

A Bancada do ABC jamais existiu. Mas foi estimulada pelo propagandismo triunfalista. Criou-se ambiente de integração legislativa que jamais se consumou na prática. Não existe pior solução do que solução inventada. Solução inventada é solução procrastinada.  

FEITIÇO DO TEMPO

A cada começo de temporada legislativa a Bancada do ABC aparece no noticiário. O feitiço do tempo se confirma: basta tomarem posse para os deputados caírem na farra do individualismo e do partidarismo. Nenhuma Bancada do ABC jamais efetivou qualquer proposta de regionalidade. Preferem cultivar a rivalidade dissimulada de parceria.

A ambição eleitoral destrói qualquer ação coletiva. A frustração segue o calendário de votos. Quanto mais próximas as urnas se apresentarem, mais a rivalidade interna se intensifica.

Sem pressa, apenas puxando pela memória, fiz uma lista inicial de 20 temáticas que bombardeiam qualquer argumento voltado a colocar o Estado Regional e o Estado Municipal do  Grande ABC como fonte de estudos, propostas e resoluções nas páginas do Diário do Grande ABC.

O que temos é um deserto de medidas que, expostas apenas como propagandismo, mais acentuam o caráter de fragilidade do Grande ABC. O castelo de horrores institucional do Grande ABC passa por processo de manutenção preguiçosa de falso brilho. É preciso caprichar para impedir que o tempo que sempre passa seja desgastante à estrutura de ilusionismos práticos. 

ETERNIZAÇÃO POLITICA

A ordem indutiva dos ocupantes segue o mesmo ritual de transmitir aos incautos que estão assegurando a manutenção de um monumento precioso. O castelo de horrores da regionalidade do Grande ABC ganha frequentemente ares de exuberância nas páginas do Diário do Grande ABC. A fórmula sempre parece perdidamente vexatória, mas há ressuscitamentos ditados por soluços ocasionais.

Um exemplo? A nova turma de prefeitos do Clube dos Prefeitos, que tomaram posse em janeiro último, destilou nas páginas do jornal uma orquestração coletiva que remetia a novos e vigorosos tempos. A festa discursiva virou fim de feira. Até um escritório do Clube dos Prefeitos foi instalado em Brasília. Já o fizeram antes, com outra fornada de titulares dos Paços Municipais. Não deu em nada. Nessa nova versão, há um fundo subjacente de territorialismo, outro tema sobre o qual vamos lançar estacas.

Nesse caso, de territorialismo, a ideia é tornar os atuais deputados federais longevos o suficiente para uma doutrinação de monopolismo nas cruzadas entre o Grande A ABC e Brasília. Seriam todos reeleitos indefinidamente. Não haveria espaço à renovação. Um acordão dos privilegiados. Como se não bastassem as geralmente suspeitas emendas parlamentares a distinguir elegíveis de pretensos elegíveis.  É uma farsa democrática.

Essa é uma visão panorâmica da institucionalidade estatal do Grande ABC de regionalidade zero. Há uma caudalosa pauta de especificidades a demarcar o terreno de um fracasso com forte inclinação à perpetuidade.

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