Imprensa

Diário: Plano Real que
durou nove meses (36)

  DANIEL LIMA - 26/11/2024

Esta série que se aproxima do encerramento segue hoje com mais três edições do boletim eletrônico com o qual mantinha uma extensão das relações com a Redação do jornal como diretor de Redação. Naquele 10 de novembro de 2004 resolvi fazer uso de metáfora para me comunicar ainda mais com os colaboradores do Diário do Grande ABC. No 16 de novembro tratei do Conselho Editorial. E no dia 22 tratamos de uma reforma importantíssima na engrenagem excessivamente burocrática da Redação. Acompanhem:

 EDIÇÃO NÚMERO 24 

Grande ABC, quinta-feira, 10 de novembro de 2004.

Jornalismo e telenovela,

eis a fórmula do sucesso

Uma das fórmulas mais poderosas de fazer do jornalismo atividade diária de sucesso de público e bilheteria é inspirar-se na cultura nacional de telenovela. Jornalismo diário e telenovela são semelhantes. Precisamos manter a expectativa dos leitores sobre a edição do dia seguinte. Mas para isso é indispensável que o hoje seja instigante.

Aos poucos — e espero que não haja interrupção no processo — estamos conseguindo amarrar série de pautas sobre as quais devemos impor marcação forte até que se extingam por fadiga do material.

CDP, IML, UFABC, orçamentos públicos e tantas outras questões estão vivas nas páginas do jornal. E assim tem de ser.

Não podemos abandonar o barco temático. Descuidar-se da repercussão de assuntos relevantes é jogar na lata do lixo a oportunidade de saciar o interesse do leitor. É algo como um descuidado autor de telenovela de um capítulo em que a vilã apanha da heroína e, na noite seguinte, espetáculo recomeçado, a cena simplesmente desaparece por negligência ou esquecimento.

Precisamos arrancar de nossas pautas as matérias varejistas, sem substância, que ficam bem, quando ficam, se bem tratadas, em colunas específicas. Temos de deixar de banalizar nossas páginas. E a melhor maneira de fazer essa obra é contrariar a demanda burra que muitos tentam nos impingir. Vamos reagir.

Vamos analisar com mais critério o que é e o que não é interessante aos leitores. Não podemos alçar às páginas gente sem expressão. Gente que só faz lobby. Gente que só quer se locupletar. Talvez a licença poética disso tudo seja o InformeDiário.

Estou preparando série de pautas para a Economia, para a Política e também para Setecidades. São questões que estão aí e que precisam ser colocadas em nossas páginas. Aliás, foi o que fizemos nas sete edições da Sabatina Diário. Uniformizamos conceitualmente aqueles encontros. Consolidamos questionamentos que fugiram da extemporaneidade.

Vamos insistir em matérias que digam respeito à metropolização do Grande ABC. Precisamos transpor para o jornal o compromisso histórico da revista LivreMercado nessa área. Essa é uma das razões, aliás, que me fez produzir a matéria de hoje sobre o novo remelexo geopolítico da Região Metropolitana de São Paulo. Temos mais assuntos para tratar. É uma pena que não contamos, no jornal, com especialista no assunto. Porque ao longo dos anos o jornal ignorou o assunto, embora esteja na boca do forno.

Vamos transformar questões metropolitanas em telenovelas também. Para chamar audiência constante. Vivemos num País de 19 milhões de habitantes, como poderia ser definida a RMSP. Pouca gente se apercebeu disso. Preferem os jornais paulistanos direcionar esforços a Brasília. Por isso cobrem muito mal a administração municipal paulistana e, principalmente, a atuação do governo do Estado na RMSP. Não é à toa que, em período eleitoral, descarrega-se um caminhão de informações verdadeiras mas oportunistas.

Bola para a frente. Não esqueçamos das telenovelas que nos prendem. O jornal precisa ser um grande CDP de informação e análise regionais. Com a diferença que o “P” não deve ser de provisório, mas de permanente. 

 EDIÇÃO NÚMERO 25 

Grande ABC, terça-feira, 16 de novembro de 2004. 

Conselho Editorial do Diário:

participe dessa revolução 

Estamos aguardando até o final da tarde desta quarta-feira a colaboração de todos os profissionais de Redação (e também de outros setores da empresa) à indicação de nomes (com os respectivos telefones) que poderão ser chamados para compor o Conselho Editorial do Diário do Grande ABC. Vejam quais são as áreas que reservamos para o Conselho Editorial logo abaixo. Será um time de especialistas nas respectivas matérias. Só especialistas. 

 Arquitetura      

 Autopeças

 Construção civil        

 Cooperativismo

 Cosmético  

 Criança e Adolescente 

 Cultura   

 Decoração        

 Educação         

 Entretenimento   

 Esporte         

 Exportação                  

 Finanças públicas        

 Gráfico             

 Habitação    

 Hotelaria

 Judiciário       

 Legislativo

 Logística

 Marketing

 Meio Ambiente

 Mercado imobiliário  

 Moveleiro          

 Petroquímico   

 Plástico   

 Publicidade

 Regionalidade  

 Religião                        

 Restaurantes    

 Segurança Pública   

 Sindical     

 Solidariedade   

 Tecnologia da Informação

 Trânsito

 Turismo            

 Urbanismo        

 Varejo     

Repasso, na sequência, o texto original do capítulo referente à conceituação do Conselho Editorial, que consta do Planejamento Estratégico Editorial que formulamos em março deste ano para o Diário do Grande ABC e cuja aprovação determinou minha chegada à empresa. 

 CONSELHO EDITORIAL 

Iremos substituir o Conselho do Leitor pelo Conselho Editorial. Não se trata de simples troca de nomenclatura. A mudança é muito mais substantiva, porque invade o terreno do conceito, da especificidade. O Conselho do Leitor é instância estranha no departamento-vitrine da empresa -- o editorial -- porque atinge diretamente quem está envolvido com o público e, consequentemente, com o produto final. A composição e as funções atribuídas aos conselheiros-leitores são uma anomalia porque agridem e impactam a corporação no que provavelmente deve oferecer como principal predicado: a autoestima acompanhada de senso de respeito. 

O Conselho do Leitor golpeia a autoestima porque os profissionais acabam avaliados publicamente por leigos no assunto. Por mais que eventualmente haja colaboradores do Conselho de Leitores que possam contribuir para a melhoria do jornal, a exposição de enunciados críticos da forma que se caracterizou -- em espaço fixo nas edições de domingo -- torna tão ansioso quanto receoso o quadro de colaboradores. As repercussões de intranquilidade e insegurança se refletem no produto final. Chuta-se ladeira abaixo uma bola-de-neve de impropriedades que abalam a unidade da equipe. 

Nada mais comprometedor para uma equipe do que se sentir permanentemente ameaçada por avaliações públicas formuladas por não-especialistas. 

A formalização do Conselho do Leitor nos termos atuais é, portanto, equívoco que será eliminado em sintonia com o encerramento do mandato dos atuais conselheiros. Entretanto, isto não quer dizer que a redação estará imune a avaliações internas e externas. Pelo contrário: estabeleceremos medidas cautelares que permitirão medições permanentes do conjunto da redação e também por editoria sem que a iniciativa tenha qualquer conotação de desconfiança e de desautorização, quando não de subversão dos preceitos profissionais. 

Não podemos desconsiderar nessa decisão -- aliás, é o ponto nevrálgico da questão -- que o conteúdo editorial do Diário do Grande ABC, face as atribulações conhecidas de todos, encontra-se em momento decididamente complicado e, portanto, extremamente delicado. Não é de bom alvitre a adoção de qualquer instância avaliativa -- principalmente por leigos -- que exponha publicamente ou mesmo internamente os pecados da publicação. 

Estimula-se a insegurança individual e coletiva, caminho mais curto para a instabilidade emocional e técnica de profissionais que exigem dose diária de estímulo, combinada com senso crítico emanado de quem conhece o ritual da atividade. Ou seja: o Conselho do Leitor seria uma peça de carpintaria editorial aproveitável com adaptações que não convém ressaltar agora, mas num contexto diferenciado do atual. 

Não existe estrutura técnico-emocional para suportar o strip-tease a que são submetidos os jornalistas por leitores que, por mais boa vontade e interesse que tenham, nem sempre conseguem retirar as peças com um mínimo de competência. O produto que vai às ruas precisa ser entendido de forma muito mais integrada do que simplesmente numa censura pública ao deslize ortográfico. Já a introdução do Conselho Editorial significará grande salto de qualidade do jornal rumo à comunidade. 

Diferentemente do Conselho do Leitor, que vive à caça de descuidos léxicos e analisa superficialmente os assuntos sobre os quais o jornal se dedica a levantar, o Conselho Editorial será integrado por profissionais residentes e atuantes na região. Serão especialistas em diversas áreas. Caberá a esses membros, juntamente com alguns jornalistas da equipe de redação, a tarefa de construir coletivamente um novo perfil de produção do jornal, absolutamente sintonizado com o macroplanejamento editorial. 

Caberá ao Conselho Editorial não a procura de escorregões da língua pátria, obrigação técnica de quem está na redação, mas a introdução de conhecimentos específicos na linha editorial do jornal. Os membros do Conselho Editorial que fazem parte da comunidade trarão experiências vividas para o interior do jornal, sempre em encontro coordenado pelo diretor editorial e pelos editores-chefes do Diário do Grande ABC e de LivreMercado. 

Especialistas em educação, marketing, urbanismo, transporte, segurança, meio ambiente, legislação, economia, entre tantas outras áreas, vão integrar-se à redação como cérebros complementares. Serão espécies de consultores a quem poderemos reservar, também, espaços editoriais como colunistas fixos ou eventuais. 

Formularemos um código específico de atuação dos membros do Conselho Editorial. Estabeleceremos algumas condições que darão ao organismo caráter de compromisso exclusivo, evidentemente sem remuneração, mas nem por isso excluído de eventuais programas de compartilhamento de marketing que trataremos de definir na sequência de nossos trabalhos. 

Haveremos de tornar o Conselho Editorial tão respeitado que suas repercussões em muito colaborarão para o fortalecimento editorial do jornal e o aperfeiçoamento da linha editorial da revista. Os integrantes do Conselho Editorial serão convidados pelo diretor de Redação porque cada peça requisitada fará parte de uma engrenagem de complementaridade temática que não se esgotará nos conhecimentos individuais específicos. Avançará inexoravelmente em direção aos macropressupostos de reorganização da companhia na área editorial.  

 EDIÇÃO NÚMERO 26

Grande ABC, segunda-feira, 22 de novembro de 2004. 

Chega de reuniões longas,

cansativas e improdutivas!

A partir de hoje interditamos um processo improdutivo e mistificador de reuniões demoradas para debater a pauta do dia ou do final de semana. Chega de perder tempo com essa espécie de feira livre que não passa de enxugador de gelo. A partir de hoje a reunião de pauta será às 17h30 e se encerrará, impreterivelmente, às 18h. Estamos perenizando metodologia fracassada, aplicada por burocratas e que se cristalizou como burrice. Até porque, se fosse adequada, não teríamos o produto que ainda temos, ou seja, longe daquilo com que todos sonhamos. Embora já tenha sido pior.

Infelizmente, tivemos de tomar a decisão de acabar com essa farra do boi de desperdício. Esperava que fosse qualquer profissional de comando da Redação mas vejo, infelizmente, que há certa timidez em romper os cordões umbilicais com o passado.

O padrão das reuniões deste Diário é sofrível. Tudo é prioridade. A pauta é extensa, as exposições cansativas, os resultados pífios. Vamos centralizar os debates nos principais assuntos do dia e, com isso, estabelecer medidas preventivas. Não podemos mais nos pendurar em assunto complexo, como o caso que envolve a candidatura de Márcio Chaves, em Mauá, para sustentar mais uma manchete regional. Não podemos mais ser procurados num início de noite para avalizar uma manchete sem sustentação e, para salvar o jornal de uma edição comprometedora, nos lançar pessoalmente à produção da matéria.

Será que ainda não se entendeu que transformaram a Redação deste jornal numa estatal? E que temos de acabar com isso? A Rita Camacho teve a iniciativa na semana passada de suprimir as reuniões da manhã, igualmente chatas, improdutivas, fazedoras de marolas. Pois estou acabando com as reuniões da tarde. Transfiro o encontro para o final do dia, em vez de aceitar passivamente que se dê no começo da tarde, quando quase nada está definido no horizonte de informações.

Ao completar quatro meses nesta empresa, reforço diagnósticos iniciais. Aliás, diagnósticos que construí antes mesmo de botar os pés aqui, como leitor, como ombudsman, como jornalista, como empreendedor da revista LivreMercado: a Redação do Diário tem enorme dificuldade de entender que o produto que colocamos na rua precisa ter compromisso maior com a qualidade das informações e dos dados.

Não vou descer a detalhes, mas ainda na semana recém-terminada tive o desprazer de observar o quanto de dispersão existe. São usos e abusos que precisam ser eliminados mas só o serão se, principalmente as chefias, transformarem essa missão em algo dogmático.

Infelizmente, não vejo isso com a assiduidade desejada e necessária. Chegamos ao ponto de pautas exaustivamente debatidas nas reuniões ganharem vida autônoma quando transpostas para as páginas do jornal. O que isso significa? Que é frágil o sistema de acompanhamento das matérias. Que há descuido da Secretaria e dos Editores, e um excesso de liberdade aos repórteres.

Sei que às vezes incomoda a algumas pessoas – inclusive àquelas que eventualmente são alvo de meus elogios — mas até agora quem mais entendeu o objetivo deste profissional é a jornalista Rita Camacho. Sou obrigado a explicitar esse sentimento porque não poderia cometer o desatino de, em nome de uma falsa harmonia de avaliar igualmente a todos, omitir-me diante dos fatos. Rita Camacho vem desempenhando com brilhantismo uma porção que poucos jornalistas conseguem: pensa no conjunto, não tem medo de cara feia, promove mudanças conectadas com o sentido de produtividade com qualidade e atua com desembaraço.

Infelizmente, e sou obrigado a cair na real antes de ser institucionalizado pelos erros e desvios, o jornal que fazemos está longe do que precisamos. A herança que nos deixaram em divisionismo, burocratismo, sujeições a demandas externas sem critérios, ineficiência, dispersão e tantos outros problemas não será debelada facilmente. Jamais acreditamos nessa possibilidade. Mas precisa ser debelada. E só o será se todos, principalmente as chefias, trabalharem com menos gentilismos e mais austeridade.

Precisamos passar pela fase de eficácia — o bom resultado a qualquer custo — até chegar à fase da eficiência — o ótimo resultado sem grandes complicações. É impossível chegar ao segundo sem apertar o primeiro. Pelo menos em condições semelhantes às que encontramos.

Por isso, chega de reuniões longas, cansativas e improdutivas. E vou mais além: também precisamos reduzir drasticamente as pautas. São igualmente longas, igualmente cansativas e igualmente improdutivas. Vamos substituir o papel pelo contato pessoal, pela troca de ideia incessante durante todo o período de trabalho. Estamos trocando a inigualável capacidade de interlocução pessoal pelo artificialismo de cantar o bingo de pautas de papel.

Precisamos que todos se deem as mãos e entendam que o modelo que vicejou aqui durante muitos anos está esgotado, liquidado, sucateado. Espero que esse grupo de profissionais do qual faço parte honre para valer a confiança da nova composição acionária desta empresa. Repito: o modelo que encontramos é um fracasso que precisa ser exorcizado.

Importante: escrevi este texto na tarde de sábado, no quinto andar do jornal. Resolvi fazer uma blitz no material que seria publicado na edição de domingo. Suspendi o que pude, desaprovei o que o bom senso indicava, mas não pude fazer muita coisa com a má qualidade de várias matérias, senão o jornal simplesmente não seria impresso.

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