Moedas competitivas e
personagens regionais
DANIEL LIMA - 14/11/2024
Quando era um menino basicamente menino, um menino que usufruía da idade naqueles tempos em que a tecnologia não constava do léxico e tudo dependia da inventividade de transformar um tijolo em caminhão, um buraco em pontilhão, uma terra batida em estrada, quando era menino, criava entretenimento.
A vida de adulto e principalmente a vida inteira dedicada ao jornalismo não tirou minha alegria de fazer do trabalho entretenimento. É verdade que existe um mundaréu de distância cronológica e procedimental entre uma coisa e outra, mas no fundo são as mesmas coisas. Afinal, se não fizer do dia a dia batido e rebatido uma porção que remeta às moedas competitivas, a vida se tornará tão árida que nem valeria a pena viver.
Menino de classe média que virou pobre no Interior do Estado, tratava de multiplicar o tempo com série de atividades. Era o mais comportado dos oito filhos de Dona Maria e seu Gabriel. Mas mesmo assim, num mesmo dia, fui levado três vezes ao hospital, por conta de travessuras. Uma exceção à regra. Meus irmãos eram muito mais traquinas. Minhas irmãs, mais comedidas.
MEMÓRIA GIGANTE
Tenho uma irmã com memória de elefante. Aquele dia de três acidentes havia até esquecido no fundo de memória. Ainda outro dia minha irmã me fez voltar ao passado. Num dos acidentes desabei de uma mesa de vidro. Os estilhaços me feriram com certa gravidade. Subi na mesa de vidro porque não enxergava o suficiente para consumir as páginas de um dos livros das coleções de minha mãe, um livro clássico, “Os Miseráveis” de Victor Hugo, dois tomos e um total de 900 páginas.
Subi na mesa e sobre a mesa coloquei uma cadeira para aproximar meus olhos da lâmpada e, assim, enxergar as letras miúdas. Não demorou nada para Dona Maria providenciar uma consulta com o Doutor Castanheira, na vizinha Araçatuba. Era hipermetropia com acentuado grau corretivo. Deficiência da qual me livrei apenas recentemente graças ao avanço da ciência. Os míopes havia muito tempo foram contemplados.
Se for contar aos leitores as brincadeiras que inventava, os leitores não vão acreditar. Mas antes de chegar aonde pretendo chegar hoje, e o que pretendo é desafiar os leitores, portanto os leitores que se preparem, vou contar apenas um dos entretenimentos que criei. Uma brincadeira que dispensava parceiro ou rival. Diferentemente de tantas outras indispensáveis à prática muito além da individualidade.
UMA BOA DESCULPA
Jogar futebol era a melhor das alternativas. O problema é que a bola insistia em rebelar-se diante de um esforçado praticante sempre perdido no tempo e no espaço de olhos confusos. Arriscava jogar de óculos, o que não resolvia o problema técnico, por dizer assim. Até hoje não sei se era apenas um esforçado jogador de futebol por causa da hipermetropia ou porque teimava em arriscar-me óculos no rosto.
Com um caderno brochura e quatro moedas na mão, promovia a disputa do campeonato paulista de futebol apenas entre os grandes times. Fazia esforço ético terrível para não beneficiar meu time de coração. Uma boa experiência para entender a Lava-Jato do jeito que tem de ser entendida. Sem subjetividades criminosas.
Não vou dar muitos detalhes da competição, mas asseguro que além do campeão também havia em jogo a artilharia. Atirava as moedas para cima. Se dava cara, o time à esquerda da tabela comemorava o gol. Se dava coroa, o gol era do time da direita. Cada jogo não passava de 45 minutos ficcionais, claro. Era tempo único. Marcavam gols apenas cinco atacantes, como a maioria das equipes atuavam. Cada atacante era identificado pelo número que constava entre uma linha e outra do caderno de anotações. Pena que não tenha guardado nada daquilo. Nem seria possível. Mudamos de residência ao sabor do dinheiro curto.
ALEATORIEDADE DAS MOEDAS
E como se comemorava cada gol? Atirava as moedas para o alto, esperava que caíssem e verificava o que dera. Se todas as moedas dessem cara, gol do time à esquerda da tabela. Se todas dessem coroa, o gol era do time à direita. Se não desse integralmente nem cara nem coroa, o jogo prosseguia sem gol.
Lembro-me bem que o placar mais comum (não tenho a menor ideia do que a lei de probabilidades tinha a ver com aquilo) era dois a um. Para um lado o outro, não importava. Mas não faltavam jogos sem gol ou mesmo com um mísero tento. Até goleadas saiam de vez em quando. A aleatoriedade do placar ditava a graça.
Experimente jogar para cima quatro moedas 23 vezes (esse era o total de cada jogo) e veja qual seria o resultado final. Talvez quem é mais maduro adore jogar o jogo das moedas. A meninada destes tempos certamente vai dizer que é coisa de maluco. A reciproca é verdadeira quando a vemos enlouquecida nos games.
O leitor mais exigente pode achar que eu era um babaca, provavelmente um retardado mental. Esse tipo de brincadeira pareceria tolo. Se o leitor houvesse vivido aqueles tempos de aridez de divertimento, certamente teria outra opinião.
OCUPAÇÃO DO TEMPO
O desafio diário a que me impunha era ocupar todo o tempo possível até desmaiar na cama num quarto de ocupação máxima. Quem demorasse para dormir ficaria com o ronco coletivo e incomodo. Tive uma infância socialista. Experiência romântica. Os jovens de hoje que apreciam o socialismo dormem em quartos exclusivos, ar condicionado, e não se preocupam com dinheiro que não é deles.
Na casa da Dona Maria e de seu Gabriel, o coletivismo imperava e domava personalidades distintas. Os indisciplinados sentiam o impacto de um rabo de tartaruga, que fazia as vezes de cinto. Passei poucas vezes por isso. Os vergões nas pernas me envergonhavam – e doíam muito.
Voltemos ao presente de muitas primaveras vividas e uma atividade jornalística que soma 78% de todo o tempo que estou neste planeta. É isso mesmo. Ainda outro dia decidi conferir a quanto tempo sou jornalista em relação ao tempo de vida que me foi concedido. Um tempo que ganhou um tempo adicional depois daquele primeiro de fevereiro. Se o leitor quer saber quantos anos são de jornalismo para quem já completou 78% da vida na atividade, desafio-a fazer as contas. Será que consegue matar a charada? Dou uma dica: comecei a escrever num ano de Copa do Mundo.
SEGUNDA RUPTURA
Antes de dizer o que pretendo dizer e que consta do título deste texto, posso garantir ao leitor que daria para escrever um livro recheadíssimo de inventividades pessoais antes de deixar Araçatuba rumo a Santo André, naquele começo de 1968.
Sofrera então uma segunda ruptura pessoal. Deixamos Guararapes, onde nasci, e, às portas da juventude, mudamos todos para Araçatuba. Só o capítulo em que contaria como foi que o burro do padeiro caiu num buraco que cavamos para nos esconder de uma surra valeria muita, mas muita farra. E do time que criei aos 14 anos para jogar em todo e qualquer canto? Olaria de Araçatuba. Acho que era titular porque também era o dono intelectual do time. Não esqueçam da hipermetropia.
Agora sim vamos tratar do título. Trata-se do seguinte: há quase nome mil textos editados nesta revista digital. Desde os tempos em que trabalhava para o Estadão e o Jornal da Tarde, passando pelo Diário do Grande ABC, até finalmente chegar à revista LivreMercado, antecessora deste CapitalSocial. Há textos que poderiam ser acrescentados e estão na alça de mira, mas falta tempo para editar.
Pois bem: desses quase nove mil textos, quem é o personagem que mais vezes aparece em forma de protagonista ou não? Minhas moedas humanas competitivas, por assim dizer? E quem começou a aparecer agora? E quem apareceu bastante, mas nem tanto quanto os primeiros cinco colocados?
Minha brincadeirinha de ontem à noite foi tirar essa dúvida. Queria que queria saber quem mais frequentou até agora as páginas desta revista digital.
DESAFIO AOS LEITORES
Vou fazer um trato com os leitores. Segue uma lista de todos os nomes pesquisados e o leitor tem apenas um minuto, não mais que um minuto, para apontar os cinco primeiros colocados. Combinado? Um minuto para apontar os cinco primeiros colocados. Quem acertar em cheio vai ganhar uma passagem dos sonhos: tomamos um café num shopping qualquer e eu conto pelo menos 10 passagens de entretenimentos que marcaram minha infância. Benditos tempos de opções rudimentares que nos levava a fazer da imaginação a magia de viver.
Então vamos aos nomes selecionados. A ordem numérica não é necessariamente a ordem de registros, claro.
1. William Dib
2. Sérgio Gomes da Silva
3. Fausto Cestari
4. Carlos Grana
5. Gilvan Júnior
6. Marcelo Lima
7. Taka Yamauchi
8. Tite Campanella
9. Aidan Ravin
10. João Avamileno
11. José Auricchio
12. Ronan Maria Pinto
13. João Doria
14. Jair Bolsonaro
15. Lula da Silva
16. Orlando Morando
17. Luiz Fernando Teixeira
18. Alex Manente
19. Geraldo Alckmin
20. Luiz Marinho
21. Marcelo Oliveira
22. Dilma Rousseff
23. Celso Daniel
24. Paulinho Serra
25. Dilma Rousseff
Feita essa operação no balcão de especulação dessa brincadeira de adulto que brinca todos os dias de fazer jornalismo, uma brincadeira que me custa caro mas que encaro como divertimento, caso contrário ficaria louco, feita essa operação, portanto, vamos às revelações.
1. Lula da Silva com 1.554 registros
2. Celso Daniel com 1.302 registros
3. Paulinho Serra com 894
4. Luiz Marinho com 883
5. Dilma Rousseff com 748
6. Orlando Morando com 573
7. Carlos Grana com 560
8. Aidan Ravin com 538
9. Geraldo Alckmin com 482
10. Ronan Maria Pinto com 360
11. José Auricchio com 358
12. João Avamileno com 319
13. Luiz Tortorello com 304
14. William Dib com 296
15. Jair Bolsonaro com 264
16. Sérgio Gomes da Silva com 260
17. Alex Manente com 240
18. João Doria com 219
19. Luiz Fernando Teixeira com 188
20. Fausto Cestari com 137
21. Gilvan Júnior com 66
22. Tite Campanella com 68
23. Marcelo Lima com 59
24. Marcelo Oliveira com 35
25. Taka Yamauchi com oito
MAIS NOMES
É possível, ou mais que provável, que outros nomes poderiam constar da lista com mais registros, menos, claro, ante os primeiros colocados. Aliás, se todo o acervo de CapitalSocial fosse submetido a algoritmos, se identificariam todos os nomes pessoais possíveis. Seriam milhares de identidades. O show da vida do jornalismo é uma roda-viva que não tem preço.
Temos uma massa crítica que, por mais frustrante que seja o resultado final do estágio em que se encontra o Grande ABC, não valeria a pena entregar a rapadura. Morro brincando na profissão que tomou minha vida até agora, repito, em 78% da trajetória.
A diferença é que, diferentemente dos tempos de menino viciado nas moedinhas artilheiras, o que temos agora são em larga escala, mas não completamente, protagonistas de histórias que geralmente não acabam bem. Se acabassem bem, o Grande ABC não seria o que é. Nossos artilheiros também marcam muitos gols contra.
Acho que ainda vou viver o suficiente para fazer pelo menos mais três ou quatro rodadas recenseadoras desses protagonistas. O desafio é saber quanto vai se modificar a proporcionalidade de apontamentos e mesmo eventuais trocas de posições entre os primeiros cinco colocados.
Quem se arrisca? Lula da Silva continuará reinando, ameaçado por Celso Daniel? Paulinho Serra seguirá em terceiro ou pode ser atropelado? Viu como é possível brincar com tudo? Duro mesmo é viver lamentando nos cantos da vida. O melhor é viver em todos os cantos.
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