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Diário: Plano Real que
só durou 11 meses (1)

  DANIEL LIMA - 04/07/2024

O que você vai ler nesta série de textos que possivelmente ultrapassará duas dezenas de edições é o Diário do Grande ABC projetado há 20 anos, quando assumi a direção de Redação e encontrei um grupo de jornalistas de valor e decididos a participar de uma jornada transformadora. Foi um Plano Real Editorial que durou 11 meses. De pleno sucesso.

Uma equipe extraordinária de jornalistas que encontrei na sede do jornal, na Rua Catequese, atuou loucamente na reconstrução do jornal durante aquele período. O Plano Real Editorial do Diário do Grande ABC foi concebido para se consolidar, inicialmente, em cinco anos.  

O Grande ABC daquele julho de 2004, quando assumi o comando do jornal, já era uma região à deriva economicamente e com vieses sociais que apontei e reiterei no Planejamento Estratégico Editorial de 90 mil caracteres apresentado à direção e aprovado à execução. É esse projeto que vou reproduzir a cada capítulo.

E essa projeção começa antes mesmo do proposta em si. Na próxima edição , vou reproduzir uma entrevista completa publicada no Diário do Grande ABC antes de meu primeiro dia de trabalho. Naquelas respostas estavam a linha-mestra da empreitada. Um compromisso público, não bastasse o calhamaço que preparei num final de semana quando viajei ao Interior do Estado exclusivamente para colocar minhas ideias e experiência no papel e distribui-las não só aos diretores e acionistas do Diário do Grande ABC, mas também a todos os colaboradores.  Disseminar aqueles princípios e metas fazia parte do traçado reformista.

JOGANDO LIMPO

Já entendia 20 anos atrás que não teria sentido ético chegar a uma organização do tamanho do Diário do Grande ABC sem antecipar o que pretendia implantar no produto editorial mais tradicional da região, embora em contínuo processo de decadência.

Além disso, era preciso  jogar limpo, bola redonda, sem mistificação, sobre o produto que encontraria. Um produto de baixa qualidade. De zero a cinco, não passava de nota um.

Fugir da correria de uma metrópole para se isolar num endereço interiorano parece suficiente para revelar o quanto me dedicaria a levantar as pilastras editoriais do que propunha a realizar.

Para tanto, contei com uma equipe de jornalistas do Diário do Grande ABC decidida a uma ação coletiva transformadora. E o fizemos em menos de uma temporada inteira de 12 meses. Após a largada em julho de 2004, encerramos o ciclo de mudanças em maio do ano seguinte.

PLANO INÉDITO

Embora seja a massa central dessa volta ao passado em exatos 20 anos – daí o simbolismo de enfiar esta série como decisão interessante aos consumidores de informação – não deixaremos de, na medida em que as oportunidades se oferecerem, introduzir complementarmente textos conectados ao projeto.

A proposta aprovada pela direção da empresa e que juntamente com jornalistas abnegados levamos adiante por breve mas restaurador período é um exemplar raro. Afinal, em toda a trajetória do Diário do Grande ABC, jamais foi apresentado por qualquer um dos ocupantes do cargo de Diretor de Redação algo que merecesse a marca de planejamento. E o Planejamento Estratégico Editorial foi concebido para, numa primeira etapa, chegar ao quinto ano com realizações efetivadas na prática. O processo construtivo destilava inspiração e transpiração. Nada sairia de um passe de mágica. Como nada se muda num passe de mágica.

E mesmo diante do tempo exíguo a que tanto este jornalista quanto aquela equipe de Redação se dedicaram nas operações de qualificação do jornal, os resultados surgiram. E seriam muito mais frondosos na medida em que tanto se depurassem os indicadores de ineficiência quanto os potenciais de resolutividade.

EXPERIENCIA PRÁTICA

Fazer um produto editorial é assim que se faz. Trabalha-se comprometido com o tempo e com a eficiência dos fatores disponíveis. A perfeição não pode sabotar o ideal, mas o ideal é a luminosidade em direção à imperfeição gloriosa.  

Perceberão os leitores mais assíduos desta publicação digital, assim como de LivreMercado, revista de papel que criei e dirigi por quase duas décadas, o quanto de efetividade do passado foi transposta ao então presente de materialidades associadas ao planejamento exposto.

A vantagem que se cristalizou na jornada à frente do Diário do Grande ABC é que os pressupostos de ações estavam intimamente relacionados aos resultados consagrados na revista LivreMercado. Foi por conta disso, aliás, que os novos acionistas do Diário do Grande ABC decidiram por contratar esse profissional.

Muitos dos conceitos que incorporei ao projeto voltado ao futuro do Diário do Grande ABC decorreram do passado e também do então presente da revista LivreMercado. E que foram posteriormente transpostos à revista CapitalSocial, desde janeiro de 2009 com endereço eletrônico próprio, após circulação em formado de newsletter desde abril de 2001.

CRONOLOGIA DO PLANO

Não se deve ter dúvidas sobre a compatibilidade de preparação, quem sabe,  de um livro especial que abordaria o Planejamento Estratégico Editorial aplicado parcialmente no Diário do Grande ABC, e a complementação dos anos que se seguiram com respectivos resultados impressos ao longo de muitas edições.

Não farei essa complementação nesta série, mas o faria num potencial livro. Bastaria fazer adaptações leves tendo como matéria-prima uma série que recentemente publiquei, dando conta exatamente dos 20 anos que se completam nesta temporada.

Não pretendo de imediato atropelar a cronologia sequencial do que precisa ser caracterizado e sustentado como aniversário de 20 anos das estratégias que poderiam ter levado o Diário do Grande ABC a resultados diferenciados em relação não só ao abandono daquele projeto como, ou principalmente, à perda de praticamente todos os ativos que poderiam determinar esse rumo de sucesso.

Aqueles jornalistas que encontrei na Redação do Diário do Grande ABC, uma mudança leve aqui, duas contratações apenas ali, eram os verdadeiros transformadores e por isso mesmo autores da ruptura do passado herdado e do então presente de desafios. Só tive o trabalho de definir a tática, a estratégia e escalar o time.

SEIS DÉCADAS

Não vai demorar para que complete seis décadas cheias de jornalismo, iniciado em Araçatuba, Interior do Estado. Nesse tempo todo contabilizo experiências fabulosas como profissional. Aqueles meses à frente do Diário do Grande ABC, apesar de breves, foram um dos mais extraordinários. Principalmente porque encontrei um campo minado ao assumir uma redação doutrinada por alguns diretores e acionistas do Diário do Grande ABC a oferecerem resistência diplomática.

Havia uma disputa surda nos bastidores, motivada pela troca de acionistas. Minha escolha mobilizou a parte contrária como espécie de bode expiatório.

Tanto que cheguei a ser barrado do baile do ingresso à frente do jornal durante algum período no qual exerci, fora das quatro linhas físicas da sede da publicação,  a função de ombudsman. Aos poucos os ânimos dos dirigentes e acionistas se acalmaram.

DISPUTA DIRETIVA

O fato é que dirigentes e acionistas que representavam parte dos fundadores do jornal eram renitentes em abrir mão do comando das ações, ou mesmo do partilhamento das ações. Até que sucumbiram às nuances legais.

Chegar à redação sob  a desconfiança de alguns ou de vários profissionais, jamais arrefeceu a determinação de ir adiante. Estava diretor de Redação da revista LivreMercado e assim continuei durante os meses  cumulativos à frente do Diário. Uma dupla jornada providencial após minha demissão, quando segui no comando de LivreMercado.

Ainda sobre o ambiente corporativo de Redação que encontrei, educadamente hostil por parte de alguns, mas nada que ultrapassasse o direito de tomar partido sem que se resvalasse sequer na minha presença física e intelectual, não custa lembrar que, 11 meses depois, quando de minha iminente saída, realizei um workshop de trabalho e de analise geral do produto.

ENCONTRO CONSAGRADOR

Todas as lideranças de redação participaram e demonstraram maturidade esfuziante. Havia duas unanimidades no encontro: o trabalho da equipe estava revolucionando o produto e as condições de trabalho careciam de efetiva reparação ao desgaste acumulado durante meses de dedicação total.

Retomando a origem do projeto de recuperação do passado para demonstrar o quanto o futuro que chegou poderia ser outro, o Planejamento Estratégico Editorial do Diário do Grande ABC se converteu em sucesso de público,  bilheteria e crítica. Era apenas o começo de uma caminhada cuja perspectiva de continuidade e novas mudanças transpirava naquela proposta.

Um jornal com as características do Diário do Grande ABC, ou seja, numa região municipalista que exige tratamento regionalista, quando não metropolitano, requer muito mais compromisso de todos do que publicações sediadas em territórios de perfil menos multifacetado.

Iniciar esta série com uma abordagem mesmo que superficial voltada à atmosfera na Redação do Diário do Grande ABC está longe de fugir do foco que nos motivou à iniciativa.

Mais que isso: é uma contextualização  providencial para que se compreenda o tamanho do desafio a que todos foram submetidos. Daí o estado constante de exaustão física e mental num engajamento coletivo revelador do quanto o jornalismo, feito com atenção extrema, é parente próximo do sacerdócio, quando não de um manicômio.

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