Imprensa

CapitalSocial: atacado do
atacado e livro histórico

  DANIEL LIMA - 13/06/2024

A partir de hoje CapitalSocial ganha nova configuração editorial, com implicações no próprio conceito da publicação. Se revolucionamos o jornalismo regional com o estofo de uma linha editorial que poderia ser traduzida como atacado do varejo, agora vamos ingressar no atacado do atacado.

O mais interessante de tudo o que você vai ler em seguida é que estamos aperfeiçoando um modelo editorial cuja essência se resume a um conceito que estava restrito inadequadamente à “regionalidade”. De fato, o que operacionalizamos ao longo dos anos é algo muito mais abrangente, em forma de “macrorregionalidade”.

Resumidamente, macrorregionalidade é a multiplicação de aprendizados, saberes e desafios de tudo que se oferece como potencial de regionalidade levado a cabo como propósito de vida inalienável.

Imaginem os leitores o quanto somos deficitários culturalmente na própria razão de existência do Grande ABC quando se chega à conclusão dupla: se sou, infelizmente, tristemente, o único regionalista para valer desse espaço de três milhões de habitantes, porque pratico hoje sim e amanhã também um missionarismo juramentado sem estar preso a qualquer grupo de interessa, o que dizer então quando chego à conclusão de que, de fato, para valer, sou um macrorregionalista?

DIETA RIGOROSA

A nova dieta protético-analítica de CapitalSocial está sendo alterada para abrir espaço a nova investida editorial. Vamos reduzir em 80% a ração de exposição mensal de um modelo inédito de jornalismo no Grande ABC e nas regiões mais diversas do País. Não existe nada semelhante ao que oferecemos diligentemente há 35 anos. Nem como projeto editorial proposto nem como projeto editorial executado.

Qualquer leitor minimamente preparado sabe distinguir a distância que separa a faixa de gaza de uma notícia da mídia convencional e o porto seguro de CapitalSocial. São modelos distintos, completamente distintos. Aos leitores compete a liberdade de escolha, ou mesmo a cumulatividade de escolhas.

A diferença entre uma plataforma editorial e outra é a mesma entre dirigir um Fusca e uma Ferrari. Pode até ser romântico sentar-se ao volante de um fusca-velho-de-guerra, mas não é nada aconselhável sugerir que o destino, a qualidade e o prazer  seriam comparáveis. Não é esse o caso.

ENTREGA PENOSA

Quando, por exemplo,  o jornalismo-fusca-velho-de-guerra foi e ainda permanece  impotente para detectar a desindustrialização da região ao longo dos anos e, mais que isso, nega a fuga e o desaparecimento de empresas, a imagem do fusca-velho-de-guerra torna-se apropriada.   

O veículo, produzido em São Bernardo nos tempos de fartura de ascendente classe média regional, e revivido mais tarde em tempos de populismo político, geralmente entregava o que prometia. Mesmo longe de converter-se em rival de uma Ferrari.  Mas o que entregava e ainda entrega não é uma viagem confortável e segura para quem quer chegar a um destino de esperança onde hoje viceja a perplexidade.

A média mensal de 30 textos densos, que fogem completamente do perfil fastfoodiano da mídia regional, contemplará a partir de agora não mais que meia dúzia, ou no máximo, quando necessário, 10 edições.

ATACADO DO ATACADO

O que você acompanhou até agora durante o período de produção exclusivamente autoral, que se iniciou em 2009, dando continuidade à antecessora LivreMercado,  desde março de 1990, é, repetimos, atacado do varejo. Agora teremos o atacado do atacado. Vou traduzir com exemplos:

Primeiro: atacado do varejo é intervir providencialmente e continuamente, com nexo de sequencialidade histórica, em cada pecinha do mosaico convencional, quando não contraditório, não fosse também enviesado, da massa majoritária do noticiário regional de várias fontes impressas e digitais.

Além disso, claro e principalmente, CapitalSocial especializou-se em produção própria de insumos que passaram por persecuções sustentadas em mais de meio século de profissionalismo.

Segundo: atacado do atacado é o refinamento e a racionalidade do atacado do varejo. O que teremos a partir de agora é um jornalismo ainda mais exigente, mais sistêmico à cronologia e desdobramentos de noticiários majoritariamente erráticos, além, claro, de produção própria. Como sempre.

São quase nove mil análises no acervo de CapitalSocial. Não há matéria-prima de terceiros que não seja afinada com a linha editorial da publicação. Entenda-se afinada como parte das entranhas da publicação. Não publicamos textos de terceiros, sejam quais forem os terceiros, com exceção dos casos em que sirvam de contrapontos. Um exemplo? Uma entrevista em que as respostas, quando não as perguntas, exigem intervenção em forma de complementaridade crítica, sobretudo.

VEZ DO LIVRO

Uma entrevista com uma liderança sindical que estupidamente observa os chineses refratários a Direitos Trabalhistas como salvadores da pátria regional exige, ou exigia então, contraposições.

Nem todo o mundo detecta bobagens de personagens graduados. Deixar por conta dos leitores determinadas situações ganha foro de superestimação da capacidade de atenção e monitoramento de protagonistas nem sempre comprometidos com o todo, porque representam nichos de poder.

Tudo isso que se terá a partir de agora pretende dar mais espaço e tempo a duas missões: a produção de um livro que se tornará o mais importante da história do Grande ABC,  assim como a recomposição de uma qualidade de vida pessoal e profissional que chegou à exaustão nos últimos 40 meses de uma jornada que supera, repito, mais de meio século.

DIAGRAMANDO O DIA

Estou diagramando meu dia-a-dia de forma a que os próximos tempos, os últimos de meus três ciclos de vida, sejam mais equilibrados e satisfatórios. A mágica de tomar essa iniciativa viável não é uma equação improvável que daria com a cara na porta da frustração. A decisão de tomar uma decisão em que a qualidade profissional ganhará robustez em parceria fina com a qualidade de vida pessoal já deu o pontapé inicial. É planejamento a ser rigorosamente obedecido.

Decidi reduzir a carga diária de trabalho transposta em parte às páginas de CapitalSocial sintonizada com um desempenho mais fluido na produção de um livro ainda com título provisório.

Desastre Sobrerrodas me parece a mais apropriada marca. Afinal, condensaria o que também poderia ganhar foro de expressão da realidade do que se passou no Grande ABC, um case de fracasso maior que o de Detroit, ex-capital mundial automotiva.  

QUALIDADE DE VIDA

Poderia levar adiante as duas missões sem que CapitalSocial sofresse perda de fluxo quantitativo mensal. Mas os últimos 41 meses de mais de 883 de uma vida vivida intensamente me alertaram. Afinal, não se respira apenas ou principalmente trabalho, uma rotina longeva e desgastante.

Vou dar um exemplo prático do que já está em curso como rearranjo na distribuição de ações pessoais e profissionais, que em muitas situações de misturam e se sobrepõem. Frequentar um restaurante fast-food num dos shoppings próximos à minha residência uma vez por semana sempre exigiu o uso de veículo. Agora o faço a pé. São 30 minutos de caminhada. Que se acrescenta aos sete quilômetros de corrida nas ruas rigorosamente a cada dia. Algo que a dengue interrompeu por três semanas.

AMBIENTE IMPRODUTIVO

Quebrar a rotina mensal da média de 30 análises e baixar para no máximo 10, se tanto, tem também tudo a ver com o ambiente regional, palco prioritário de atenções.

A região noticiada por praticamente toda a mídia está cada vez mais redundante em operações dissimulatórias da sobrecarga de passivos econômicos, sociais e culturais, bem como também e em larga escala de assessorias informais de imprensa quando se trata do Poder Público Municipal.

Os acontecimentos relatados pela mídia impressa e digital parecem condenados ao feitiço do tempo, com o agravante de que colidem com o bom senso que o passado deveria alertar. Repetir indefinidamente o passado e procrastinar indefinidamente o futuro não é a forma correta de cuidar do assunto.

Quando se expõem como realidade paralela ou, pior que isso, como fatos positivos, determinadas fissuras institucionais, sociais e econômicas, aprofunda-se a Síndrome de Avestruz. Nada pior para esconder a Doença Holandesa automotiva, raiz de todas as nossas complicações – e também a Doença Holandesa Petroquímica.   

O noticiário destes tempos é por si só, na maioria dos registros, uma abundância de colisões com a realidade omitida ou fraudada. Imaginem os leitores a tradução dessa tragédia quando reproduzida com repaginações surradas e incapazes de passar por olhos críticos mais atentos.

FATORES DECISIVOS

É isso, na essência, juntamente com a ideia de produzir o livro mais importante da história da região, que me levou a repensar a linha editorial de CapitalSocial, tanto em quantidade quanto em aprofundamento da qualidade.

Tudo isso está ligado aos primeiros sintomas de dengue, que hoje, já diluídos, completam 36 dias. Foi um período, um novo período, de cuidados especiais com a saúde mental e física.

É possível que a semente dessa transformação de CapitalSocial e a definição por uma obra cultural  destinada principalmente às próxima gerações tenham mesmo sido geradas em dezembro de 2019, quando entrei para as estatísticas da Covid. Em seguida, menos de 40 dias depois, ingressei na lista de milagres do Todo Poderoso, ao resistir a um tiro à queima roupa no rosto. As sequelas seguem em meu corpo e principalmente na mente, atropeladas pela dengue.

Hão de convir os leitores que alguém que até então, consumidos 41 meses de vida, jamais se vira fora da atividade profissional, e também de funcionalidade pessoal, não poderia mesmo resistir incólume aos trancos e barrancos do destino É disso que se trata. Não sou o mesmo de antes daquele dezembro pré-Covid. E tampouco do mês passado.

TEMPOS DIFÍCEIS

Se estiver certa aquela vidente que viu minhas linhas da vida e me garantiu um quase centenário, ainda tenho 245 meses a produzir nesta Terra. Um tempo escasso, quando se estica os olhos no horizonte, muito mais curto que as lembranças no retrovisor do tempo que já se foi.

O espectro da morte ronda meus pensamentos desde quando me dei conta da gravidade do tiro. Os últimos e sequenciais 41 meses de baixa hospitalar, sobretudo do assassinato não consumado, mexeram demais com meus sensores cognitivos.

Já observei neste espaço que meti na cabeça pós-tiro que faria do calvário hospitalar finíssima operação de investigação auto pessoal. É o que tenho feito. Descobri agora, com a dengue, que o fazia de forma inadequada. Acelerei demais o ritmo de trabalho em contínuo prejuízo pessoal e também de produtividade editorial. Escrever se tornou terapia excessivamente ostensiva, em detrimento de outras atividades que me imponho num ritmo de 18 horas diárias de plantão vivencial – as seis horas complementares são abaladas permanentemente pelo ecoar psíquico daquela bala.

AINDA BEM

Ainda bem que a natureza criou a tal de dengue para me chamar às falas. Essa frase é apenas uma provocação de mau gosto retirada de uma declaração original igualmente de mau gosto. O fato é que o mosquito sorrateiro me fez de gato e sapato. E me lançou de volta ao leito de um hospital, algo que me soa como sentença de morte, por melhor que tenha sido cuidado e por mais que a picada do inseto não se compare minimamente aos dias de intervenções pós-tiro.

Com a dengue e seus efeitos físicos e psicológicos, caí na real dos excessos de trabalho pós-tiro. Daí a decisão de cortar a dieta de CapitalSocial e estabelecer compromisso em formato de livro de uma análise profunda, sistêmica, devassadora, do maior de todos os engodos desta geografia – o engodo de um Grande ABC que não existe, exceto em algumas particularidades que nem fazem cócegas de fato no conceito de regionalidade, quanto mais de macrorregionalidade.

MACRORREGIONALIDADE 

Uma observação interessante: pela segunda vez na história de 35 anos de CapitalSocial escrevo “macrorregionalidade”. A anterior, em 2015, passou de passagem. Numa outra ocasião vou esmerilhar o conceito desse verbete que ultrapassa a dimensão consagrada e esmiuçada de “regionalidade”.

Descobrir só agora que macrorregionalidade é uma carta da manga da expressividade com que se deve observar o terreno que pisamos é imperdoável. Mereço um castigo. Mas prometo que vou recuperar o tempo perdido. Tempo perdido é exagero, claro, porque macrorregionalidade é o espírito editorial latente em cada texto de CapitalSocial. Só faltava chamar esse acervo de macrorregionalidade. É o que tratamos de fazer.

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