Esportes

Futuro do EC Santo André vai
muito além das equipes de base

  DANIEL LIMA - 17/09/2018

O presidente do Conselho Deliberativo do Esporte Clube Santo André, Celso Luiz de Almeida, tem toda razão ao dizer o que disse, em excelente entrevista de página inteira na edição de hoje do Diário do Grande ABC. Uma entrevista resumida na manchete da página três: “Time que não tiver categoria de base vai acabar”. O que diferencia o título do Diário do Grande ABC do título que escolhi para este texto é que, ao decidir pegar carona na entrevista, estendi o futuro do Santo André além-gramados.

Mas uma coisa não diminui a outra. Diria que se multiplicam. Ou seja: sem o que disse o dirigente do Santo André e o que acrescento como espécie de ombudsman não autorizado, clubes do porte e do perfil socioeconômico do Santo André podem mesmo desaparecer. Ou vegetarem. 

Os leitores vão acompanhar, em seguida, a entrevista do Diário do Grande ABC com Celso Luiz de Almeida. E terão o que também já vivenciaram em outras situações: entro de penetra no trabalho jornalístico de terceiros e boto minha colher de chá no sentido estrito de colaborar. Vamos em frente? Então, leiam: 

Diário do Grande ABC -- O Esporte Clube Santo André completa 51 anos amanhã, como o clube está hoje e quais são as suas projeções para o futuro?

Celso Luiz de Almeida -- O rebaixamento do Santo André (da Série A-1 para a Série A-2 do Campeonato Paulista neste ano) foi muito sério. Não estava no projeto da diretoria. Sou presidente do conselho deliberativo, mas nossa relação é muito boa. Com isso nós saímos de um orçamento de R$ 4 milhões de cota da Federação (Paulista de Futebol) e ficamos com menos de R$ 1 milhão para o ano que vem, sem contar a perda de visibilidade na Série A-2. A nossa sorte é que temos os patrocinadores que nos ajudam bastante e estamos atrás de outros parceiros para somar. Sabemos que a única forma da subexistência do Santo André é a categoria de base e é o que estamos fazendo hoje. Se não fizermos isso não dá. Futebol está muito caro e o Santo André não tem condições de concorrer com os outros clubes, nem na Série A-2. Vai ser um campeonato muito difícil e preocupante. Temos de fazer belo campeonato, ainda mais porque temos três times da região (São Bernardo e Água Santa são os outros dois) e isso torna o torneio ainda mais competitivo. Temos de trabalhar direitinho na contratação dos reforços, para somar com esses garotos da base para termos um bom time novamente.

Meus comentários – Os anos dourados do Santo André, que culminaram na conquista da Copa do Brasil em 2004 diante do Flamengo, foram resultado de inédita e jamais repetida estruturação do departamento de base, sob a liderança do então presidente Jairo Livolis, um estrategista esportivo que se completava com o que chamaria de flexibilidade pragmática de Celso Luiz de Almeida na esfera pública e empresarial. Jamais o Santo André repetiu organizadamente a moldura e o conteúdo do período que antecedeu a conquista da Copa do Brasil, com outros triunfos que o embalaram até chegar efemeramente à Série A do Campeonato Brasileiro. Ali, no Brasileiro da Série A, tivemos a inconsistência diretiva do empresário Ronan Maria Pinto, comandante voluntarista da Saged, empresa esportiva que privatizou o Santo André durante cinco anos de montanha-russa, do céu ao inferno na hierarquia nacional.  

Diário do Grande ABC -- Você está há mais de 40 anos no futebol, tem fluxo interessante em vários clubes paulistas, um dia passou pela sua cabeça que as equipes tradicionais do Interior passariam por essa dificuldade financeira até de colocar o time em campo?

Celso Luiz de Almeida -- As coisas estão caminhando de tal forma que, quem não tiver um trabalho de categoria de base forte, sólido, que tenha condições de segurar os meninos, vai ter problemas. Hoje a Série A-1 tem os quatro grandes, o Red Bull, o Ituano, o Mirassol, o Novorizontino, todos esses têm investidores. Quase todos os times da Série A-1 viraram empresas e são muito fortes. Times como Santo André, o próprio São Bernardo, a Portuguesa se não se estruturarem não vão longe.

Meus comentários – O ingresso da televisão no futebol, a partir dos anos 1990, com interesses comerciais para o bem e para o mal, começou a selar a sorte sobretudo dos clubes de baixa popularidade estadual e nacional, casos das equipes da região, que vivem na penumbra dos meios de comunicação de massa. A tendência é que o jogo ficará ainda mais bruto, reduzindo-se ainda mais a participação competitiva dessas equipes. Daí, nada mais lógico e salvador da pátria no sentido mais extremo da expressão do que apostar todas as fichas nas equipes de base como sustentação à representação em campo, retroalimentada pela inserção no mercado de trabalho com valor agregado, sobretudo em esferas internacionais. Traduzindo: sem fabricar e vender atletas, mesmo que fique com a parte menor dos valores, os clubes com as características do Santo André não resistirão. Acabarão entrando em outra barca potencialmente furada de privatização, completa ou parcial, cujos resultados dependerão dos parceiros escolhidos. Os primeiros, da Saged, forram um desastre. Ficou um rastro de dívidas e insolvência estrutural que fez o Santo André regredir uma década.  

Diário do Grande ABC -- O futebol como está mudando, se profissionalizando...

Celso Luiz de Almeida -- Vou te falar uma coisa. O futebol brasileiro, não sei dizem em quanto tempo, mas os times que não tiverem condições de apresentar trabalho, um projeto financeiro para a Federação Paulista ou para a CBF não vai mais poder participar dos campeonatos. O futuro do futebol vai ser esse. Pode apostar. Está mais do que claro uma coisa: quem tem calendário para o ano todo prospera. O Santo André não consegue ninguém da primeira ou da segunda linha. Só vamos evoluir na hora que conseguirmos montar time com 70% da base feita no clube. Esse trabalho na Copa Paulista está sendo muito bom neste sentido. O Santo André que foi campeão da Copa do Brasil começou assim, são épocas diferentes, antes não tinha tantos empresários, mas precisamos fazer esse trabalho. Só cai time que não tem calendário.

Meus comentários – Contar com calendário anual é há muito tempo uma das regras básicas para que uma equipe de menor porte, de menos exposição na mídia massiva, ganhe sobrevida e possa, inclusive, alçar voos mais regulares. Jogar exclusivamente a temporada estadual, que não ultrapassa três ou quatro meses, define com clareza o desafio dos clubes menores. Imagine o leitor abrir um negócio cuja demanda de clientes não dure mais que um 30% do calendário gregoriano. Jogar o ano interior também mantém mais viva a chama da paixão do torcedor. Quem está fora do circuito nacional de futebol é candidatíssimo a mendigar favores públicos e privados. No caso específico do Santo André, trata-se de um patrimônio cultural do Município que não pode ser minimizado por formadores de opinião e tomadores de decisão.  

Diário do Grande ABC -- Falta planejamento financeiros para os clubes?

Celso Luiz de Almeida -- Um time hoje que chega na Série A do Brasileiro não pode fazer loucura, tem de ter limite financeiro para investir porque se cair para a Série B sem saúde financeira cai de uma vez. Ai você não tem como correr atrás. Com o Joinville aconteceu isso (disputou a Série A do Brasileiro em 2015 e nesta temporada disputou a Série D).

Meus comentários – Mais e mais os clubes reconhecem a imperiosidade de planejamento financeiro, mas nada evita surpresas. Quando a bola jogada em campo contraria esse mesmo planejamento –e o meritocrático processo de rebaixamento é elemento-chave a essa ruptura – mais os contratempos virarão rotina na sequência dos acontecimentos. Sofre mais sobremodo quem chega ao topo das competições, a Série A do Campeonato Brasileiro, e se organiza por duas ou três temporadas seguintes com base nas receitas extraordinárias que a disputa oferece, mas que não existirão na sequência. Adaptar-se à perda financeira é tão doloroso quanto à perda esportiva. Novos rebaixamentos, casos do Santo André, Joinville e do São Caetano, entre outras equipes, são quase compulsórios. 

Diário do Grande ABC -- Quais exemplos de clubes bem administrados e bem estruturados que você conhece?

Celso Luiz de Almeida -- Tem todos aqueles do Campeonato Paulista que já citei. Um exemplo muito bom é o Ituano que é o time que mais recebe cota (da Federação Paulista) porque está há 18 anos na Série A-1. Trabalho que começou lá atrás com o Oliveira Junior e com o Kioshi, que aliás é aqui de Santo André, e continuou com o Juninho (Paulista, ex-jogador). Ainda não chegou no Campeonato Brasileiro, mas em breve vai chegar porque é um trabalho consistente e a longo prazo.

Meus comentários – A estabilidade de resultados e de posicionamento classificatório é menos complexa nos campeonatos estaduais. O Ituano é exemplo interessante mencionado pelo dirigente do Santo André, mas é exceção à regra geral de sobe e desce. As limitações orçamentárias dos clubes pequenos-pequenos e dos pequenos-médios, quando não dos médios-pequenos dos campeonatos estaduais, conta com uma banda mais larga de risco de rebaixamento. O Santo André é um exemplo disso: basta olhar com cuidado o desempenho ao longo de décadas e se verificará o quanto tem se revezado entre a primeira e a segunda divisões do futebol paulista. O vizinho São Bernardo e mesmo o São Caetano desta década confirmam o viés de instabilidade geral.  

Diário do Grande ABC -- Hoje sua relação com os jogadores é bem menor porque você é presidente do conselho deliberativo, mas como avalia a diferença do jogador de hoje com aquele mais peladeiro da década de 1970 ou 1980?

Celso Luiz de Almeida -- Atualmente a lei ampara muito o jogador, por isso eles perdem o norte. Eles (atletas) são cheios de razão, a lei permite isso e dificulta para tocar o futebol. Dá para dizer que o Santo André não montou time bom no Paulista? Claro que montou. Mas os jogadores vieram para jogar por eles. Tanto que a maioria está empregadas, jogando Primeira ou Segunda Divisão, só um ou outro que não. Então, isso é não ter calendário, o cara tem três meses de contrato e vai embora. Os empresários tomaram conta do futebol, além de abrir espaço muito grande. Hoje tem empresário comprando participação em procuração de jogador. O clube que não tiver estrutura vai ficar se amarrando. Mas eu acredito muito na categoria de base, assim, mesmo com a dificuldade de perder jogadores, você tem o selo de clube formador para não perder totalmente, ganha lá na frente nas negociações. Mas acho que se o Santo André continuar com esse trabalho forte, com parcerias com os times grandes, uma dessas apostas começa a faturar. Deu certo com o Paulinho (que teve 50% dos direitos federativos vendidos ao Bahia) e acredito muito no Dudu (emprestado ao São Bento, na Série B).

Meus comentários – Diplomaticamente, o dirigente do Santo André evitou dizer que o futebol brasileiro (e em larga escala também mundial, tanto que a Fifa agora ameaça intervir no conceito mercantilista derivado de livre-mercado) foi tomado há muito tempo pelos agentes dos jogadores. Eles ditam regras geralmente não escritas. Eles sequestram os dirigentes, quando não os iludem ou mesmo os têm como parceiros de negócios. Não foi por falta de alerta que escrevi há mais de 20 anos que a substituição do passe dos atletas pelos direitos econômicos não resolveria os problemas entre empregador e empregado no futebol. As regras se alteraram para pior. Contra a ditadura do passe preso ao clube que tanto escravizava os atletas surgiu um mercantilismo ensandecido, controlado por agentes -- com exceções de praxe -- ávidos por nacos cada vez maiores dos valores transacionados. Resultado? O mundo do futebol está encalacrado, com atletas de elite cada vez mais milionários e clubes igualmente de elite invariavelmente no prejuízo estrutural. Imaginem então os clubes do porte de um Santo André. 

Diário do Grande ABC -- O assédio aos atletas das categorias de base está ocorrendo cada vez mais cedo?

Celso Luiz de Almeida -- Qualquer país do mundo está contratando jogadores com 17 anos. Os times grandes estão procurando em todas as divisões. O Palmeiras trouxe o Dedimar (ex-lateral e capitão do Santo André no título da Copa do Brasil, em 2004) para ser olheiro. Ele roda em tudo que é jogo, sabe tudo que tem por aí. Eles pegaram um jogador do Água Santa emprestado, faz teste, se virar contrata, caso contrário eles devolvem. O Palmeiras tem relatório de todos os times do Brasil. Eles têm uma estrutura impressionante e com isso os pequenos vão sofrer, perder os grandes jogadores cada vez mais cedo para essas equipes mais bem estruturadas neste sentido.

Meus comentários – A declaração do dirigente do Santo André embute dois pontos distintos do futebol brasileiro nas equipes de base. O primeiro é a profissionalização dos agentes diretamente relacionados aos clubes de maior poderio econômico, os quais não querem ficar mais nas mãos dos agentes privados porque pretendem maximizar os investimentos na formação dos atletas. O segundo é a submissão dos clubes de menor expressão às regras de um jogo em que somente os poderosos seriam garantidamente menos impactados pelos excessos mercantilistas. Já passou da hora de os clubes pequenos e médios formadores de talentos terem mais proteção. Uma proteção muito além das migalhas oficiais previstas na legislação.  

Diário do Grande ABC -- Como você vê a volta do Felipão ao futebol brasileiro?

Celso Luiz de Almeida -- Muita gente não gostou, mas está dando resultado. Palmeiras está caminhando para ser campeão brasileiro. O Felipão é macaco velho. Para o momento que o Palmeiras está vivendo, conturbado politicamente, ele é o ideal. Traz para o peito, briga com a imprensa, protege o jogador... Esse é o grande lance dele. Sou a favor do novo, mas em um time como o Palmeiras o novo não deu certo, está provado isso. Trouxeram o Eduardo Baptista não deu certo, o Roger Machado também não. 

Meus comentários – Felipão é um mal necessário, mas circunstancial, ao Palmeiras, dado o contexto em que o clube se encontra, em busca de resultados a qualquer custo. Para quem pretende ver o futebol brasileiro neste século, o modus operandi do treinador é um retrocesso. Ele instaura tudo de ruim que se condena nos caudilhos políticos. É paternalista demais, seu império técnico-tático é da truculência em forma de força desmedida que se sobrepõe à virtuosidade. É impossível para quem já viu o Barcelona em campo, ou mesmo nestes tempos a escola do Corinthians de Tite e do Grêmio de Renato Gaúcho, aprovar o retorno de Felipão a uma das principais vitrines do futebol brasileiro. Mas a situação assim o exigiu. Tomara que seja breve, embora a média da crônica esportiva, despreparada, faça do futebol apenas entretenimento quando é, principalmente, uma expressão comportamental que dita regras à sociedade.  

Diário do Grande ABC -- Essa nova geração de treinadores é um reflexo do bom trabalho realizado pelo Carille?

Celso Luiz de Almeida -- Carille aprendeu muito com o Tite. Trabalhei com ele no Santo André, foi meu jogador. Sempre foi um cara gente boa, mas quieto e deu certo. Pode ter treinador mais velho, como o Felipão, mas tem de ter um Paulo Turra (auxiliar técnico) também. Precisa ter um cara que trabalha para você. Paulo Turra é novo, tem força para fazer o treino do time no dia a dia. Treinador velho só quebra a cara se tiver um cara ultrapassado ao lado dele.

Meus comentários – O melhor casamento na busca por bons resultados no futebol deve reunir o que há de mais atualizado em termos de mentalidade esportiva. Não é a idade cronológica que necessariamente transforma alguém em coisa velha ou em coisa nova. Há exemplos em abundância. Felipão é um treinador velho de guerra e de conceitos. O mais jovem e supostamente mais arejado Paulo Turra lhe seria um contraponto. Resta saber se o segundo renova o primeiro ou se o primeiro envelhece o segundo. A julgar pela forma com que o Palmeiras se apresenta como equipe guerreira tendo jogadores tão talentosos, creio que a segunda alternativa tem prevalecido. No futebol competitivo que imagino como expressão de talentos e de lições éticas, não escalaria jamais um Felipe Mello, entre tantos chamados guerreiros que desfilam brutalidades em campo, sempre com o suporte de uma parte da crônica esportiva em estado comportamental vegetativo. 

Diário do Grande ABC -- Como vocês estão trabalhando a montagem do Santo André para a Série A-2?

Celso Luiz de Almeida -- Vamos ter de dar bote certo nos reforços. É muito importante passar para a segunda fase da Copa Paulista para dar rodagem aos meninos. O trabalho de base começa assim. Quando fomos campeões da Copa Estado de 2003, aquele time era só molecada, tinha talento, mas era um trabalho maduro. Esse de hoje ainda não está maduro, mas começou lá atrás. Começou tudo novo. Tem de dar o bote certo, o presidente junto com sua diretoria de futebol está fazendo isso. Estou sempre junto, apoiando, enxergo um pouco, mas entendo que precisa ser tudo muito certeiro.

Meus comentários – O que o dirigente não disse com todas as letras é que o Santo André de agora, que inicia novo processo de renovação a partir de uma base de jovens, nem de longe se assemelha ao período presidido por Jairo Livolis e precedente a grandes conquistas. Nada mais lógico. O clube sofreu desmanches de talentos dentro e fora de campo e, principalmente, o apoio mais incisivo do Poder Público, antes vigoroso com a equipe do então prefeito Celso Daniel, um intelectual que sabia muito bem o quanto representava para a integridade cultural da cidade uma equipe de futebol na ponta dos cascos. 

Diário do Grande ABC -- Na política você já foi secretário e diretor de esportes...

Celso Luiz de Almeida -- Tenho relação muito boa com a Prefeitura, já fiz muitas reuniões com o Paulinho (Serra, prefeito, PSDB), com o Marcelo Chehade, temos uma relação muito boa. Sempre digo que futebol não roda se não tiver apoio da Prefeitura, da imprensa e do torcedor. Se uma dessas pontas falhar é difícil. Podemos jogar a noite no ano que vem. Temos de ter relação boa. Gosto é do Santo André, não sou candidato a nada, não me interessa, me envolvo na política para ajudar o Santo André a ter um bom relacionamento. As pessoas podem ter suas preferências, mas o clube é apolítico. Não podemos ter medo de bater na porta e pedir alguma coisa. A Prefeitura nos ajuda com o Bruno Daniel. Nunca tive vontade de ser vereador. O Paulinho me convidou para ser secretário de Esportes, por motivo particular não aceitei.

Meus comentários – O melhor que um dirigente esportivo de clube com o perfil do Santo André pode fazer é evitar partidarização política, que seria a ocupação de cargo público. O que institucionalmente pode ser uma vantagem hoje, se tornará baita dor de cabeça quando as nuvens político-eleitorais mudarem. E mudam sempre. Estar próximo ao poder público no sentido institucional da expressão é uma coisa, está no poder público é outra. A politização é inimiga da independência e da perenidade de um projeto esportivo em combinação estreita com a sociedade. Futebol e política não podem se misturar em agremiações suscetíveis demais às regras do jogo já duríssimas da sobrevivência. O São Bernardo está aí como exemplo fino e acabado. 

Diário do Grande ABC -- No dia 23 o Santo André completa um ano da morte do ex-presidente Jairo Livolis, um dos homens mais importantes da história. Como o clube se reestruturou para suprir essa perda significativa?

Celso Luiz de Almeida -- Acho que o clube está se reestruturando. O Sidney (Riquetto) conheço há muitos anos, desde a década de 1980. Fomos diretores juntos. Você não consegue assimilar as coisas de uma hora para outra. Ele está caminhando e estou sempre junto com ele para ajudar, para dar apoio. Conversamos bastante, trocamos muitas ideias para o futebol. O presidente precisa de equipe boa para tocar as coisas.

Meus comentários – O Santo André não está sofrendo muito mais as durezas do prélio após a morte de Jairo Livolis porque conta com o respaldo de Celso Luiz de Almeida em intrincadíssimas questões. Experiente sem ser arrogante, cauteloso sem ser covarde, simples sem ser simplório, flexível sem ser maria-vai-com-as-outras, Celso Luiz de Almeida deve saber que há muito ainda a ser feito para que o Santo André inicie para valer uma recomendação que transmiti ao clube já faz muito tempo: é preciso renovar fortemente o Conselho Deliberativo e algumas instâncias de poder do futebol. O envelhecimento do capital social do Santo André se expressa em seguidas perdas físicas de colaboradores. Gente que vai embora porque a vida sempre termina, mas uma obra não pode seguir a mesma trilha. O atual presidente sofre com o peso de substituir um presidente clarividente no futebol, embora avesso às exigências do entorno diretivo que, sempre, Celso Luiz de Almeida administrou. 

Diário do Grande ABC -- Você já passou por algumas crises com o Santo André, muitas financeiras. Crises significativas a ponto de se pensar em não ter futebol. A que o clube vive hoje, comparada com as anteriores, em que grau está?

Celso Luiz de Almeida -- As coisas que aconteceram no meio do caminho é que deixam tudo muito difícil. Mas o clube tem que se estruturar para sair desta fase. Não é fácil, mas eu tenho certeza que vamos nos recuperar. Uma boa campanha faz com que as pessoas venham para o estádio. Para se ter ideia, custa R$ 25 mil um jogo da Série A-2. É prejuízo direto. Muito deficitário os jogos porque o futebol está cada vez mais caro.

Meus comentários – Se o Santo André não integrar o quanto antes e de forma organizada o ecossistema do futebol mundial (cujas ramificações começam nos clubes menores, fornecedores de matéria-prima aos grandes espetáculos), fatalmente estará fadado senão ao desaparecimento formal, mas a uma sobrevivência por aparelhos, estágio ao qual ainda não chegou por obra de um grupo de voluntários. O caminho rumo à salvação é a profissionalização em todos os setores e aos novos setores que seriam acrescidos, como se fosse empresa. Antes da privatização pela Saged, entreguei aos dirigentes-acionistas um planejamento que visava exatamente isso – antecipar-se às novas e duríssimas regras do futebol. Tudo em vão. O voluntarismo associativo transformou-se em voluntarismo capitalista, e deu no que deu. 

Diário do Grande ABC -- Santo André sempre se amparou na torcida para superar a crise, mas hoje é difícil levar gente ao Bruno Daniel?

Celso Luiz de Almeida -- Hoje o futebol virou negócio. O São Paulo faz promoção para levar gente ao Morumbi, o Palmeiras tem a Crefisa e tudo fica bem mais fácil... Na Série A-2 fica muito complicado. Futebol está muito caro e a crise que o País está mergulhado acrescenta mais dificuldade para nós.  Só no Norte e Nordeste que eu não sei o que acontece que os clubes conseguem lotar os estádios. Estão sempre cheias as arquibancadas. Nem a crise atrapalha. 

Meus comentários – Cada vez mais a torcida que vai a campo das equipes de menor porte será menor que nos tempos em que a televisão mal descobrira o futebol como fonte de vultosas receitas. Os clubes com a característica geoeconômica e social do Santo André – ou seja, metidos em áreas cinzentas das tevês de massas – terão mais dificuldades de sobreviver com representatividade nos estádios. O Santo André é o clube mais popular da região e mesmo assim está distante de clubes beneficiados por retransmissoras de canais regionais, as quais mantêm programas locais e regionais que alimentam o entusiasmo de torcedores e patrocinadores. A saída é buscar, em termos de marketing, a representatividade dos moradores, independentemente de se estender aos gramados. 

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