Futuro do Santo André
entre o céu e o inferno
DANIEL LIMA - 26/07/2024
O futuro do Santo André que o presidente Celso Luiz de Almeida precisa colocar em marcha antes que o Santo André não tenha futuro algum, exceto a mediocridade dos muitos anos nos gramados, é o futuro que precisa exorcizar o passado fora do gramados.
É um desafio e tanto. E mal compreendido por muitos que querem resultados nos campos sem entender o que se passa fora dos campos. O futuro do Santo André está entre o a estrada que leva ao céu de um regime empresarial responsável e integrativo ou o inferno de descaminhos irreversíveis.
O modelo de clube-empresarial é a única saída possível para resistir a esses tempos em que a SAF (Sociedade Anônima de Futebol) avança cada vez mais como motoniveladora a esmagar pequenos e médios clubes fora da órbita da profissionalização ditada pelo capitalismo.
CHEGA DE VOLUNTARISMO
Já se foi o tempo em que o voluntarismo apaixonado dava conta do recado de levar a bola nas redes e o público às arquibancadas. São tempos românticos que não se reproduzem em organizações esportivas com as características do Santo André.
Será o Esporte Clube Santo André de passado tão ultrapassado fora dos gramados capaz de sair da enrascada de equipe cada vez menos expressiva nos gramados?
Essa composição sobreposta na trajetória da agremiação é mesmo o desafio maior do presidente Celso Luiz de Almeida. Praticamente sozinho à frente da agremiação mais popular mas ao mesmo tempo mais abandonada e contraditoriamente mais ambicionada da região, Celso Luiz de Almeida precisa decidir o que fazer do Santo André do futuro antes que o façam ceder a um potencial Santo André sem futuro sustentável, como se não bastasse o presente preocupante.
MUITAS COMPLICAÇÕES
O Santo André perdeu mais que competições dentro de campo desde que ganhou a Copa do Brasil em 2004 diante do Flamengo no Rio de Janeiro. A derrocada vem antes disso, na medida, paradoxal, da inauguração do Parque Poliesportivo. O que deveria ser espécie de alavancagem rumo à massificação da torcida – e dos valores sociais e culturais -- tornou-se endereço de acomodação. Com direito a todo tipo de complicações.
Nesta análise, procuro de forma proposital e necessária mostrar o Santo André destes tempos de grandes mudanças no futebol nacional e mundial e o passado vivido em forma de expectativas de mudanças que jamais chegaram.
Por isso, observarão os leitores, associo pressupostos latentes que conferem ao Santo André alternativas para mudar de patamar, ou de continuar escorregando ladeira abaixo nos gramados e na representatividade social em franco processo de esvaziamento.
Mas, além disso, na parte mais abaixo desta análise, transporto ao conhecimento necessário dos leitores quatro das dezenas de textos que escrevi ao longo dos tempos sobre exatamente a pauta em questão. Trato disso mais adiante.
Primeiro, como se verá, apresento seis cenários disponíveis ou já vividos de alguma forma pelo Santo André. A premissa básica é chegar a um ponto comum que retire a agremiação do momento mais delicado de sua história, decorrente da inação combinada com a dinâmica do mundo do futebol empresarial. Veja os seis pontos destacados:
1. CLUBE ASSOCIATIVO.
2. CLUBE TUTELADO.
3. CLUBE DO CRIME ORGANIZADO.
4. CLUBE DE DONO.
5. CLUBE DE POUCOS.
6. CLUBE DO ECOSSISTEMA.
Vitrine exposta, nada melhor que partir para breve análise de cada tópico. É o oque o leitor verá adiante:
1. CLUBE ASSOCIATIVO
Esse é o modelo que se tem na praça da cidade desde a fundação do clube, em 1967, nas antigas dependências do Tiro de Guerra. O Santo André emergiu da ideia de um de seus fundadores e presidentes, Wigand Rodrigues dos Santos, dirigente importantíssimo à solidificação dessa que, mesmo decadente, é a maior representação da sociedade do Município.
Houve um intervalo de cinco anos, de 2008 a 2012, em que o Santo André foi privatizado pela Saged – Santo André Gestão Empresarial e Desportiva.
Uma privatização ou concessão ou qualquer coisa que o valha que significou os melhores e mais fugazes momentos dentro de campo, com o vice-campeonato paulista e a presença em uma temporada na Série A do Campeonato Brasileiro. Mas também significou um atraso que ainda não se corrigiu. O fracasso empresarial exterminou qualquer possibilidade de se contabilizar alguma coisa que pode ser colocada na prateleira de sucesso permanente. Diferentemente disso.
O modelo de clube associativo ao qual o Santo André retornou após a tragédia da Saged já está esgotado. Não fosse a construção do Parque Poliesportivo, no Jaçatuba, o Santo André provavelmente estaria em situação ainda pior como estrutura frágil de sustentação financeira.
Ou já teria derivado a uma alternativa nefasta. Possivelmente qualquer modelo alternativo teria sido instaurado às pressas diante da demanda pela manutenção da equipe de futebol sem contar com parte dos recursos do clube associativo. Os danos já poderiam ter ocorrido. Mas o clube associativo não se livrou de perigos iminentes. O ambiente do futebol é atrativo a investidores diversos.
O Conselho Deliberativo do Santo André passa por dois ataques frontais: a morte biológica de grande número de torcedores que galgaram postos na hierarquia do clube e a entrada protocolar de novos conselheiros, a maioria dos quais sem lastro de memória e afetividade. Eles representam a turma mais radicada na cultura do parque esportivo. Não têm a mesma paixão. E muito menos interesse. Se houver descuido, até provocariam a divisão entre futebol e associados.
A denominação de Parque Poliesportivo Jairo Livolis eterniza o maior presidente da história do Santo André. Jairo Livolis liderou dirigentes e conselheiros para retirar os escombros do Parque Jaçatuba e transformar tudo num clube materializável. Até então o Santo André era uma agremiação de 11 camisas, muita paixão, mas nenhum futuro assegurado. Um futuro que durou até agora, que pode ser esticado, mas cada vez mais permeável à degradação de competividade esportiva.
Esse modelo, portanto, não serve e está completamente fora dos parâmetros de modernidade do futebol. Pode, entretanto, ser importante como aporte sentimental e mesmo contributivo a um modelo de clube-empresa diferenciado, e sobre o qual já escrevi várias vezes. Um clube-empresa com retaguarda associativa teria um valor de mercado muito superior a uma simples transposição sem comprometimento social.
2. CLUBE TUTELADO
A Ferroviária de Araraquara conta com intervenção branca do prefeito Edinho Silva. Uma modelagem que pode ser interessante para amarrar as relações com os empreendedores que adquiriram a marca e tudo o mais, mas limitador que não suportaria a liberdade necessária, porque a sombra estará sempre presente. Por mais que a sombra também tenha efeitos positivos.
No balanço geral, com a paixão principal do prefeito de Araraquara é pela equipe de futebol feminina, maior vitrine da cidade, o futebol masculino não passaria de um puxadinho. E mesmo assim, sob os olhares sempre atentos do prefeito.
Clube tutelado mesmo que subjetivamente por quem quer que seja não é o mais interessante e frutífero ao que se apresentaria ao Santo André. É indispensável ganhar liberdade de qualquer modelo de competitividade, mesmo os menos adequados. Misturar politica e futebol sempre provoca desarranjos.
A Ferroviária de Araraquara conta com a propriedade e a gestão do empresário Giuliano Bertolucci, magnata do esporte que transita com a facilidade dos bem-aventurados nas principais praças futebolísticas do mundo, notadamente na Premier League.
Giuliano Bertolucci e assessores igualmente ávidos por negócios do futebol são um exemplo de sucesso. A empresa é a maior do País e uma das gigantes do mundo. Portanto, tem a força viva para suportar um estranho no ninho, caso do prefeito de Araraquara.
Não que o estranho no ninho seja nocivo. Trata-se de outra definição: é um mitigador de saltos mais elevados na medida que ranços partidários e ideológicos impregnam o ambiente esportivo.
Ou seja: Edinho Silva exerce poder paralelo na atmosférica. Sempre aparece como espécie de última palavra potencial diante de eventual situação que fuja ao controle da partitura selecionada pelos investidores formais.
Um empreendimento menos robusto, diferentemente do aplicado pela família Bertolucci, seria mais vulnerável. Antes da chegada dos Bertolucci quem passou a ter o controle das ações da Ferroviária foi o empresário Saul Klein. O filho do fundador da Casas Bahia abriu mão do negócio depois da tempestade de acusações orquestradas por uma quadrilha chefiada por uma cafetina. Transformou-se de namorador compulsivo em abusador sexual. A mídia tratou de assassiná-lo socialmente.
3. CLUBE DO CRIME ORGANIZADO
Nas praças de futebol do País não falta infiltração de gente estranha, como representante evidentes do crime organizado, ou próxima do crime organizado ou que se diz cuidadosamente do crime organizado.
O Santo André, sabe-se por fontes seguras, está sendo monitorado como possível empreendimento a ser explorado. Há vários indicativos nesse sentido. Qualquer avanço nas informações colocam em risco a movimentação das peças.
Sabe-se que há gente graúda de olhos vivos no Santo André. Seria surpresa se o Santo André não constasse de potencial lista de investimentos obscuros. O futebol nacional e internacional, independentemente de distribuição societária, associativa ou mesmo informal, está recheado de investidores de diferentes atividades econômicas. E o crime organizado é exatamente isso – uma organização econômica. Bem mais organizado do que o Estado em suas três esferas.
No caso específico do Santo André, sabe-se que o clube não se entregou às investidas, mas haveria projeto disfarçado que operaria para o enfraquecimento persistente da estrutura do futebol para, finalmente, dar um golpe em direção ao controle da agremiação.
Há desmentidos diretivos sobre a possibilidade de o Santo André trocar o comando associativo por comando dessa outra vertente, mas também há fontes do Ministério Público Estadual que dão conta de que existem sim sinais ainda não consolidados de que haveria abordagens laterais com finalidades objetivamente invasivas. Gente graúda inclusive do setor público estaria dando cobertura à iniciativa.
Na região, após a saída do maior mecenas da história do futebol brasileiro, caso de Saul Klein, que doou ao clube perto de R$ 500 milhões em 20 anos, é o São Caetano frequente laboratório de intervenção de gente esquisita no futebol.
Há dificuldade de descaracterizar os aportes que desembarcam no São Caetano como ramificações do crime organizado. A equipe, campeã paulista e vice-campeã da Taça Libertadores, além de constantes participações na Série A do Campeonato Brasileiro, ocupa a Sétima Divisão do País, como integrante Série A-3 do Campeonato Paulista. O Santo André ocupa a Série A-2 Paulista e a Sexta Divisão Nacional.
4. CLUBE DE DONO
Não seria o modelo adequado ao Santo André o que se tem na vizinha São Bernardo. O ascendente sucesso da equipe de futebol empresarial comandado por um empresário do setor de joias sediado em Campinas está distante dos sonhos de quem quer ver a região com identidade esportiva própria.
O São Bernardo apenas joga em São Bernardo, e o faz com competência, mas não conjuga relacionamentos profundos ou mesmo superficiais com a sociedade.
O São Bernardo é uma ramificação esportiva de condomínio de serviços. Afinal, o Estádio Primeiro de Maio não passa mesmo de entreposto disponível a jogos oficiais. Até os treinamentos são realizados no Interior do Estado.
Esse modelo, por mais deficiente que seja quando se coloca organizações futebolísticas como empreendimentos privados, parece menos inapropriado do que o anterior, que redundou no atual. Antes disso, o São Bernardo era um clube político, comandado pelo executivo público da Prefeitura durante os dois mandatos do prefeito Luiz Marinho. Trata-se de Luiz Fernando Teixeira, logo adiante eleito deputado estadual.
Quando o PT perdeu as eleições em 2016 para o tucano Orlando Morando, o São Bernardo foi negociado com o empresário de Campinas. A agremiação era de alguma forma nem sempre transparente mantida por injeções de recursos nem sempre identificáveis.
O São Bernardo dos tempos de Luiz Fernando Teixeira era tão expressivo prolongamento do PT que a camisa 10 foi reservada ao então presidente Lula da Silva. Somente com a chegada de novo dono foi possível tirar Lula da Silva da escalação homenageadora e infiltradora. Lula, como se sabe, jamais foi bom de bola. Quanto mais, dono de camisa 10.
5. CLUBE DE POUCOS
O Água Santa de Diadema é o exemplo regional de clube de poucos. A direção da agremiação vice-campeã paulista no ano passado conta com empresários do setor de transportes de São Paulo. Comparado ao Santo André, é o primo rico. Mas como toda equipe de voluntários que se acham conhecedores de futebol, o Água Santa está sempre sujeito a sobe e desce na Série A-1 do Campeonato Paulista.
Basta ver que nesta temporada não manteve o ritmo do sucesso do ano anterior. Não chegou nem mesmo a avançar à fase de mata-mata.
Uma agremiação fechada à comunidade na parte diretiva e de baixa transparência de ações não serve como referencial à tradição longeva do Santo André. Não é o perfil adequado. Sair do associativismo para o mandonismo de poucos soaria como emenda de burrice pior que o soneto de baixa competitividade e futuro sob risco.
6. CLUBE DO ECOSSISTEMA
O Red Bull que tanto sucesso coleciona em Bragança Paulista talvez seja o modelo com o qual o Santo André tanto deveria sonhar. Afinal, dividindo o mesmo patamar até tempos atrás, o Santo André foi superado e hoje come poeira ante qualquer tipo de confronto dentro e fora de campo com a representação dessa multinacional de energéticos de estrutura em vários pontos do planeta.
O futebol é o maior marketing da empresa. Um marketing que rende muito dinheiro ao estabelecer parcerias de negócios com várias organizações especializadas. Inclusive com Giovani Bertolucci.
Uma alternativa do Santo André ao desenho do Bragantino Red Bull, portanto, seria a compra do lote de ações por empresas especificas do ramo futebolista. Caso, já mencionado, da Bertolucci, que está na Ferroviária. O Santo André seria dirigido por homens de negócios pragmáticos e que enxergam a bola como cifrões.
Pode não ser o melhor dos mundos a torcedores socialistas, mas não há como resistir aos encantos de rotineiras vitórias capitalistas. Todo socialista travestido de torcedor é o mais entusiástico capitalista.
O socialismo no futebol profissional é tão romântico e pouco prático quanto no mundo político. O Santo André atual está mais para um socialismo rastaquera, que não engata uma segunda marcha. E que ameaça constantes recuos.
Ecossistema no futebol é aquele arranjo em que de ponta a ponta a organização controladora do clube elabora e executa planos que convergem à consumação de dois objetivos intrínsecos: valorização da marca dentro e fora de campo, em forma de melhores resultados na tábua de classificação e aferição de lucros na contabilidade.
É disso que organizações societárias que controlam diretamente os clubes de futebol dão conta. Não há torcedor com a cabeça no lugar capaz de preferir derrotas de clube associativo ou algo semelhante a vitórias constantes do mundo capitalista. Até porque, todas as demais alternativas não parecem suficientemente garantidoras de um céu de brigadeiro.
Na sequência, retiro do arquivo desta publicação, sucessora da revista de papel LivreMercado, quatro entre muitas análises que produzi sobre o Santo André. Três das quais ocuparam a Reportagem de Capa de LivreMercado.
Desde 1999, quando o então presidente Jairo Livolis levantou a bandeira de um Santo André empresarial, o clube mais representativo de Santo André segue em busca de saída. A experiência com a Saged, que consta logo abaixo, foi estrondosamente negativa.
O que se segue são trechos das matérias em questão. A reprodução integral exigiria um tempo maior do que o previsto para uma leitura mais apurada. O que temos logo abaixo é o básico das reproduções, com os respectivos títulos de datas. Não mais que 20% dos textos integrais publicados. Um corte que não altera o produto final.
Santo André Sociedade Anônima
adota modelo Margareth Thatcher
DANIEL LIMA - 05/06/1999
Dentro de três meses o Conselho Deliberativo do Esporte Clube Santo André vai estar reunindo para tomar a decisão mais importante em 32 anos de história desta que é a instituição esportiva mais popular do Grande ABC. O presidente Jairo Livolis, empresário que há sete anos transformou o que era apenas um time de futebol num imenso e concorrido parque poliesportivo, prepara estudos para o salto mais delicado, complexo, instigante e revolucionário da agremiação — torná-la uma sociedade anônima, adequando-a à chamada Lei Pelé. Embora não seja o primeiro clube da região a adaptar-se de fato à legislação, já que a Associação Desportiva São Caetano e o Grêmio Mauaense vivem experiências que podem ser interpretadas como de terceirização do Departamento de Futebol, o Santo André deverá consolidar modelo inédito de empreendedorismo no setor, porque possibilitará a toda a comunidade da região adquirir lotes de no mínimo 100 milhões de um total de um milhão de ações com direito a voto.
MAIS 1999
Adaptando a proposta do Esporte Clube Santo André ao terreno das privatizações, o sistema que se pretende implementar é semelhante ao que a ex-primeira-ministra Margareth Thatcher liderou na Inglaterra, quando decidiu desmontar o império de estatais deficitárias ao democratizar o acesso às ações das companhias. A diferença entre a decisão de Margareth Thatcher e a proposta de Jairo Livolis é que o Santo André não é uma organização estatal e muito menos contabiliza prejuízos. Trata-se de clube saudável, com perto de 30 mil associados entre titulares e dependentes, os quais desfrutam de variedade de opções de equipamentos de lazer e entretenimento no Poliesportivo instalado no Parque Jaçatuba. São 60 mil metros quadrados de área.
MAIS 1999
Além disso, o Santo André conta com tradição de força média do futebol do Estado de São Paulo. Já subiu três vezes para a Primeira Divisão e disputa o campeonato de acesso com amplas possibilidades de estar entre os grandes clubes paulistas na próxima temporada. O lançamento das ações do Santo André S/A, cuja previsão do presidente Jairo Livolis é para o início do ano que vem, independe do acesso à Primeira Divisão. Afinal, trata-se de obrigatoriedade imposta pela Lei Pelé. Mesmo que a legislação sofra mudanças e passe a ser puramente opcional, como defendem algumas lideranças de grandes clubes, o Santo André já fez sua opção pelo mercado de ações. Jairo Livolis reconhece que passar para a elite do futebol paulista pode ser a pedra de toque que provocaria esperada enxurrada de torcedores e não-torcedores decididos a investir em ações do clube-empresa.
MAIS 1999
Se não houver mudança de rota, serão efetivamente 499 mil ações lançadas no mercado a R$ 5 por unidade, correspondentes à participação de 49,9% do capital social do Santo André Sociedade Anônima. O Esporte Clube Santo André ficará com 50,1%. Por que a diferença de apenas um ponto percentual entre as ações que serão levadas aos investidores e a parcela que corresponderá à participação acionária do Esporte Clube Santo André? Simples: o Esporte Clube Santo André, pelo menos até que o projeto ultrapasse a fase de decolagem, terá mecanismos legais de manter maioria numérica entre os membros do Conselho Gestor, o órgão diretivo que vai dar os rumos ao Santo André S/A.
Santo André capitalista para
resistir à avalanche no futebol
DANIEL LIMA - 04/08/2006
Quanto vale um dos 12 clubes mais importantes do Estado, membro da requisitada Série A do Campeonato Paulista e respeitado integrante da Série B do Campeonato Brasileiro? O Esporte Clube Santo André não está à venda como uma mercadoria qualquer, mas quer deixar de lado o romantismo do presente sem perder a memória de muitas conquistas. O Santo André está apenas procurando resistir à avalanche da globalização no esporte que, mais dia, menos dia, intensificará divisão entre vencedores e vencidos. É por isso que neste mês o clube de futebol profissional mais antigo em atividade no Grande ABC viverá provavelmente a maior empreitada da história de quase 40 anos.
MAIS 2006
Quando a quinta-feira, 10 de agosto chegar, o Restaurante Baby Beef vai receber convidados especiais para conhecer os primeiros detalhes de uma operação que deverá alçar o futebol da cidade a novo estágio: a separação do Esporte e do Clube, que passarão a contar com diretorias e objetivos diferentes, embora sinérgicos. Traduzindo: o Poliesportivo de 30 mil associados familiares se tornará metade independente do futebol tanto quanto o futebol de prestígio nacional a outra metade à parte do Poliesportivo. Algo como se ensaia no Palmeiras e que se pratica com matizes específicos no São Caetano, no Figueirense, no Corinthians e em tantos outros endereços esportivos. O Santo André finalmente entrará no território dos clubes de futebol que substituirão o voluntarismo diretivo e o entusiasmo de conselheiros deliberativos por acionistas que entre muitas prerrogativas terão o direito de escolher a direção executiva.
MAIS 2006
O presidente Jairo Livolis, empresário do ramo de material esportivo que mudou a história do Santo André a partir da inauguração do Parque Poliesportivo, em maio de 1992, é um dos entusiastas da transformação administrativa do futebol da cidade. Mais que isso: é um sentenciador privilegiado por viver intensamente a teoria e a prática do clube: “Ou caminhamos definitivamente para o clube-empresa, ou teremos cada vez mais dificuldades para superar obstáculos” — afirma o dirigente que fez trajetória comum entre os homens que comandam agremiações brasileiras ainda resistentes a mecanismos empresariais: passou da condição de torcedor a conselheiro e de conselheiro a presidente numa escalada de mais de três décadas. Qual o modelo de futebol que será apresentado a possíveis investidores no encontro programado para 10 de agosto?
MAIS 2006
Os detalhes estão sendo mantidos em segredo. Certo mesmo é que todo o acervo de mudanças do regime de profissionalismo convencional para parcerias empresariais foi analisado pelo presidente do Santo André e um quadro de especialistas em legislação esportiva e societária. Pretende-se apresentar formato jurídico que, ao mesmo tempo em que ofereça segurança aos investidores, não iniba a sede de empreendedorismo de quem acredita que o Santo André possa entrar no fechadíssimo grupo de clubes que atravessarão os próximos tempos beneficiando-se das sacolejadas que catapultam o futebol como negócio promissor. O momento é especialmente providencial para o Santo André tornar-se sociedade limitada entre outros motivos porque tem o que interessa aos investidores. A titularidade na Série A do Campeonato Paulista e uma das 20 vagas na Série B do Campeonato Brasileiro são vitrines concorridíssimas.
Santo André é bom negócio?
DANIEL LIMA - 05/10/2007
Ainda estão à venda cotas do empreendimento chamado Santo André Gestão Empresarial. Faltam interessados num modelo de clube-empresa pouco comum no mercado global da bola. A característica dos investidores atuais é de homens de negócios que se confundem com torcedores da equipe que está disputando a Série B do Campeonato Brasileiro e foi rebaixada à Série B do Campeonato Paulista. Na maioria dos casos nacionais no qual os clubes associativos dirigidos por voluntários não resistiram à necessidade de virar empresa, o comando foi entregue diretamente a poucos investidores, geralmente com ramificações no mundo da bola. Outros casos apontam para a terceirização do departamento de futebol profissional, com repasse da responsabilidade e dos eventuais lucros a especialistas no assunto, sobremodo agentes que detêm direitos federativos dos atletas, um dos nacos mais nobres de receitas. Não faltam também desenhos híbridos, gestados de forma que clubes e agentes dividem responsabilidades com distribuição de lucros ou prejuízos.
MAIS 2007
Certo mesmo é que futebol profissional nos moldes românticos, exclusivamente de dirigentes voluntários, vai para o acostamento da competitividade. O extremo oposto, de voracidade de investidores estrangeiros, como no caso do Corinthians e da MSI de desenlace policialesco, é o preço que se paga à precipitação combinada com a ganância. A pergunta que se faz é se o Santo André é negócio viável. Quem quer saber se o investimento vale a pena, se o dinheiro aplicado em suaves parcelas de R$ 2 mil durante 60 meses e que corresponde a 1% do capital do empreendimento terá retorno, deve se preparar para resposta condicionada e complexa. Primeiro: quem contar com dinheiro sobrando não tem por que não arriscar a sorte no Santo André. Isso mesmo: arriscar a sorte, porque o negócio chamado futebol no Brasil ainda está mais para ponto de interrogação do que de exclamação. O território nacional é um mercado marginal na globalização da bola. Por enquanto, as poucas e tumultuadas investidas, casos da Parmalat no Palmeiras, da Hicks Muse e da MSI no Corinthians, e de outras iniciativas menos votadas, foram aventuras efêmeras que provocaram dores de cabeça — além de títulos, é verdade.
MAIS 2007
Segundo: quem tiver dinheiro contado, que pode fazer falta no orçamento doméstico ou empresarial, deve pensar um pouco mais e acrescentar porção de cautela. O Santo André empresarial ainda é uma incógnita. O sucesso não depende apenas da velocidade com que vai se estruturar para abandonar o perfil de mais de quatro décadas. Há variáveis que também precisam ser relativizadas. A transposição do modelo de voluntariado diretivo para gestão profissional se dá em passo de tartaruga. Há idas e vindas. Como era de se esperar, a travessia da ponte tem mais carregamento emocional do que de racionalidade. A bola de futebol vale mais que o marketing negocial. Marcelinho Carioca é mais assunto que um novo investidor. A ameaça de novo rebaixamento toma mais tempo que o planejamento para organizar o empreendimento. Os acionistas não se deram conta de que o clube-empresa precisa de executivos em vários departamentos. Eles mesmos, empreendedores privados, poderiam monitorar atividades compatíveis com a experiência que detêm.
Saged é herança maldita que vai
atormentar futuro do Ramalhão
DANIEL LIMA - 14/12/2012
A mais que esperada retirada da cena esportiva do Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva), empresa que terceirizou o futebol do Ramalhão em meados de 2007 e que entregou a rapadura formalmente nestes últimos dias, vai deixar um rastro de prejuízos que somente o tempo atenuará. Mais que a caixa-preta do déficit acumulado, uma enormidade quando confrontado com o potencial orçamentário da equipe, vão pesar mesmo na condução da agremiação que voltou ao ninho do Esporte Clube Santo André os estragos na imagem. O modelo diagramado pelo então presidente do EC Santo André, Jairo Livolis, foi destruído pelo centralismo autoritário do empresário Ronan Maria Pinto. Tanto fora como dentro de campo o Ramalhão é um renegado social. A sociedade não só ignora a agremiação como lhe oferecerá muita resistência a eventuais chamamentos. Os torcedores organizados são seu único patrimônio latente. Os demais envelheceram, se decepcionaram e estão céticos.
MAIS 2012
O jornal ABCD Maior publicou uma matéria nesta semana (finalmente alguém se junta a esta revista digital para manifestar-se) questionando o buraco financeiro deixado pela gestão de Ronan Maria Pinto. Ninguém jamais o saberá. O contrato que formalizou a transferência do Ramalhão para o Saged foi um festival de buracos jurídicos que ensejam todo tipo de procrastinação, quando não de enrolação. Quantas vezes escrevemos sobre esse relacionamento obscuro sem que respostas fossem oferecidas? Não seria agora que haveria mudança de rota. A pauta do ABCD Maior não deixa de ser interessante, é claro, mas é inócua. O fato é que pelo tamanho dos coturnos de um dos coronéis da vida regional, tanto o presidente Celso Luiz de Almeida quanto o ex-presidente Jairo Livolis preferiram retomar o Ramalhão para o Santo André sem exigências maiores, além de praticaram um exercício de discrição digno da Santa Igreja. A aventura com Ronan Maria Pinto custou caro em todos os sentidos. As equipes de base foram destruídas. O time agora está na Quarta Divisão do Campeonato Brasileiro, o que significa um passo praticamente automático a retornar a um calendário que contemplará apenas quatro meses de competições, e também na Série B (que a Federação Paulista de Futebol e a Imprensa insistem em rotular de Séria A-2) do Estado de São Paulo.
MAIS 2012
Que pior situação se poderia esperar como linha de corte da interrupção dessa parceria? Apenas a desmoralização pública da equipe como marca sensibilizadora dos consumidores, também conhecidos por torcedores. O Ramalhão foi abandonado de vez sob a gestão do Saged, acentuando processo de esvaziamento popular que abriu caminho no começo dos anos 2000, embora já se manifestasse antes. Popularização de equipe de futebol numa área metropolitana sem veículos de massa é uma façanha restrita ao São Bernardo, tão extraordinário na capacidade de organizar o acompanhamento da massa quanto sofrível ao dividir esse mesmo público entre petistas, que prestigiam a equipe, e antipetistas, que não estão no horizonte de catequese. Resta saber o que será feito no curto prazo no Ramalhão. O suporte do prefeito eleito Carlos Grana, que repetiria Luiz Marinho em São Bernardo, sempre será bem-vindo principalmente se a agremiação não se submeter a contrapartida de postura rastejante e partidária.
MAIS 2012
Ocupar-se do curto prazo é mesmo emergencial, mas é muito pouco. O Ramalhão precisa da revolução organizacional que propus quando da chegada do Saged e foi olimpicamente ignorada pelo ditador brando que tomou o poder, eliminando Jairo Livolis e Celso Luiz de Almeida do caminho até que, vejam só, os procurou agora para devolver em estado insolvente algo que bem ou mal recebeu em condições de embalar rumo a novos tempos. Não tenho a menor vontade, pelo menos por enquanto, de revolver o passado recente do Ramalhão que, a bem da verdade, da justiça e da inteligência, deve ser tratado, nos cinco anos e meio de intervenção de Ronan Maria Pinto, como “Saged”. Como, aliás, consta de dezenas de textos desta revista digital. Considerar os 66 meses de terceirização uma etapa protagonizada pelo Ramalhão, como se tornou conhecido o Esporte Clube Santo André nos gramados, é um desrespeito às quatro décadas anteriores da agremiação.
MAIS 2012
Saged, Saged, Saged é o Ramalhão sob condicionantes explosivamente destrutivas do homem que arrebatou o poder da agremiação e enxotou com a suavidade de sempre todos aqueles que se lhe apresentaram como colaboradores. Ronan Maria Pinto detesta dividir o palco e só o faz quando pode capitalizar pessoalmente a empreitada. Ronan Maria Pinto adora os holofotes nos momentos de glória e corre para as coxias quando a temperatura de questionamentos aumenta. Estou colaborando tanto com Celso Luiz de Almeida como com Jairo Livolis, a dupla diretiva que volta a comandar o futebol do Ramalhão. Essa colaboração se dá na forma de não lhes enviar, ainda, uma bateria de perguntas sobre o futuro do Ramalhão. Ao aceitarem a devolução de uma mercadoria em estado lastimável, praticamente sem condições de recuperação num período que não seja longo, eles provavelmente se excederam em confiança de retorno aos bons tempos. Devem, portanto, nestas alturas do campeonato, estarem a traçar planos emergenciais. É preciso, portanto, que tenham tempo para centrar fogo no que de fato interessa nesse momento.
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