Sociedade

Convite ao ministro: veja
o que é mesmo fake news

  DANIEL LIMA - 04/04/2024

O caro leitor acredita mais no conhecimento esquadrinhador, definidor e destruidor  de fake news de um jornalista com algumas dezenas de anos de experiência, inclusive como ombudsman, ou na chefia dessa tarefa sob a responsabilidade de um ministro do Supremo Tribunal Federal que jamais e em tempo algum se debruçou sobre um texto de quem é profissional de comunicação, quanto mais de milhares e milhares de textos?

Se você escolheu o ministro do Supremo, você é tão ignorante, no sentido lato da expressão, quanto ele. E isso não é ofensa. A diferença entre o que sou como jornalista e o ministro como não jornalista é que sou uma espécie de sapateiro vividíssimo, enquanto o ministro não passa de aprendiz que desconhece como trocar  solas gastas. E isso, mais uma vez, não é ofensa. É realidade.

Há algum tempo pretendia escrever sobre isso a que me dou um suposto risco agora,  mas o que pretendia escrever até hoje e só o faço agora foi sistematicamente protelado porque o Brasil vive período complicado a ponto de um texto como esse  pode ser entendido como agressão a uma autoridade do tamanho e da envergadura de um ministro que dispensa adjetivações.

ESPECIALIDADE COMPLEXA

Pois digo e repito e agora tomo a pergunta em causa própria: o ministro Alexandre de Moraes jamais e em tempo algum vai fazer cócegas neste jornalista como suposto concorrente, no bom sentido do termo, de destrinchar recônditos de palavras escritas, principalmente, e variáveis interpretativas na área de comunicação social.

O doutor Alexandre de Moraes deveria tomar aulas particulares com este jornalista (e não vejam isso como esnobismo) para começar a entender o que deveria ser posto em prática na busca por alguma coisa que cheire e tenha contornos, quando não vísceras de comunicação social.

Repetindo sem medo de ser mal-entendido: o ministro Alexandre de Moraes e os burocratas que pretendem disciplinar tudo que se refere a votos nestas próximas eleições, tomando por base uma sapiência interpretativa vinculada ao jornalismo, deveriam entregar essa tarefa por si só inadequada, porque afrontosa à Constituição, a um grupo de profissionais de comunicação com perfil deste jornalista.

Sim, o perfil deste jornalista. Sou medíocre em tantas coisas na vida mas de jornalismo entendo o suficiente para ser muito melhor que qualquer nome enlaçado por Alexandre de Moraes, inclusive o próprio, os quais, certamente, foram filtrados e escolhidos com base nos pressupostos do chefe dessa missão, ou seja, sem o apetrechamento necessário que a impetuosidade ou a pretensa imperiosidade impulsionaram.

FRASE EXEMPLAR

Cabe um parêntese sobre o valor comunicacional da última frase, como uma lição pedagógica das semânticas que pesam na escrita, quando não na oratória. Ao escrever aí em cima “sem o apetrechamento necessário que a impetuosidade ou a pretensa imperiosidade impulsionaram”, o que quis de fato e para valer foi lançar um caminho bifurcado à escolha do freguês.

A primeira variável da “impetuosidade” sem condicionalidade e a segunda variável de “ou a pretensa imperiosidade”, de estrada única e supostamente favorável à iniciativa do ministro do Supremo.

Vou mais nesse intervalo para o parêntese sugerido: duvido que o leitor na maioria dos casos e o próprio ministro do Supremo, caso tenha acesso a este texto, tenham decifrado a duplicidade escorregadia de objetivos daquela frase específica. É assim, acreditem, que se produz jornalismo, dependendo dos interesses em jogo.

No caso, como autor da frase mencionada, assumo publicamente que é o que sinto na carne e nos ossos nestes tempos excepcionais do País.

PRÁTICA CONSTANTE

Findo o parêntese, digo que não tenho medo de ser mal interpretado, inclusive por leitores, quanto a eventual avaliação de que me faltaria humildade. Bobagem: sou tão humilde e pronto a aprender constantemente que me levanto rigorosamente as seis horas da manhã, todos os dias, faça chuva e faça sol, e me dedico a ler, penetrar e desvendar cada parágrafo dos jornais de papel que assino e, mais tarde, dos jornais digitais que também consto da lista de assinantes. Sem contar a extensão de jornadas com leituras de livros, muitos livros. Tenho fome de conhecimento. Quero romper meus pobres limites.

Digo sem nenhuma sombra de dúvida que ser ombudsman de verdade é muito mais complexo e desafiador do que ser simplesmente um leitor mesmo que penetrante dos veículos de comunicação.

Para compreender o transbordante ofício de ombudsman é preciso praticar diariamente, como se houvesse um compromisso com milhões de leitores. E faço isso há mais de 20 anos, quando, pela primeira vez, fui chamado à função no Diário do Grande ABC, proposta repetida uma década depois.  

Daí em diante, me aperfeiçoei no negócio de desvendar o que os donos dos veículos e os jornalistas escondem dos leitores, embora propaguem isenção e os escambaus.

MUNDOS DIFERENTES

O doutor Alexandre de Moraes não tem a mínima ideia do que está por trás, à frente, do lado, em cima, em baixo, da arte de ludibriar a boa-fé. O jornalismo profissional é também profissional na malandragem. As redes sociais são estridentes, explícitas, agressivas, e muito mais fáceis de escrutinar.

Perseguir as redes sociais, ou pretender disciplinar as redes sociais, é um atraso constitucional tanto quanto impedir liberdade às maquinações do jornalismo profissional sempre pronto para dar um nó na verdade, um fôlego à meia-verdade e multiplicidade de mentiras inteiras.

Faço um desafio aos leitores que me acompanham e que de alguma forma estabelece um divisor de águas que nos separam como jornalista e consumidores de informação: leiam o texto que publiquei ontem sobre as declarações do prefeito Paulinho  Serra a respeito dos ex-parceiros de Administração que o abandonaram por motivos ali explicados. O material foi publicado no site do jornal Reporter Diário.

Trata-se de uma reportagem tendenciosa no sentido desde sempre natural do jornalismo, quando se pretende proteger, preservar e mesmo enaltecer o entrevistado. Pois peguei o material de fio e pavio e o coloquei num recipiente crítico que poucos leitores o colocaram ou o colocariam.

É MELHOR FACILITAR

Os leitores, de maneira geral, não têm obrigação de decifrar mensagens nem sempre claras, na maioria das vezes obscuras, dos jornalistas e colunistas das publicações. Daí a importância de serem auxiliados. O correto  -- e isso é um feito cada vez mais inalcançável pelo jornalismo relatorial e despreparado que temos como consequência da avacalhação da classe – seria o próprio veículo de comunicação tratar as informações sob conceitos de comprometimento com a sociedade, custe o que custar. Mas, via de regra, estamos longe disso.

Não seria um representante do Judiciário ou de qualquer esfera de poder que não tem e jamais terá compreensão das entranhas do jornalismo feito com compromisso social que ditaria as regras durante ou não a campanha eleitoral.

A verdade do ministro Alexandre de Moraes no campo da comunicação certamente será uma derrapada atrás da outra, porque seria guiada por conceitos, pressupostos, preconceitos e outros badulaques discriminatórios e vazios, todos sob a robusta e poderosa camuflagem do título que ostenta, o qual não inclui o jornalismo prático, nem o acadêmico, que é outra espécie de jornalismo.

NA INTERNET

Não me deixei dominar ainda por uma ideia que bem que poderia levar adiante, porque bagagem para tanto tenho, porque se não tivesse após décadas de dedicação total, deveria mesmo ser largado à beira da estrada da inutilidade.

Que ideia é essa? Realizar diariamente na Internet o que chamaria de dropes analíticos sobre as travessuras, malandragens, armadilhas e tudo o mais que a imprensa impressa e a imprensa digital oferecem aos leitores em geral.

Acho que não me imporia um adicional de atividade, exceto a gravação propriamente dita, porque esse é um dos exercícios que realizo diariamente ao esmiuçar cada página que separo dos jornais. Só teria de ser mais detalhista, alma de qualquer ombudsman que se preze.

Quando escrevi e coloquei na praça no começo deste século o livro “Meias-Verdades, como vender ilusão” já exercitava a função de ombudsman sem me dar conta, porque o convite do Diário do Grande ABC só veio dois anos depois.

Naquela obra que ainda conta com alguns exemplares, porque os guardei, fiz um apanhado no meu arquivo de papel de matérias publicadas principalmente pelo Diário do Grande ABC, Estadão e Folha de S. Paulo. Na verdade, o apanhado foi quase que por acaso. De fato, pretendia fazer uma limpeza naquele arquivo (algo que fiz recentemente de forma radical) e dei de cara, página por página consultada, com o tesouro de imprecisões, manobras e tudo que é de nocivo na relação ética com os leitores, e que emergiram na cronologia do tempo exposto em cada pasta suspensa.

OLHO NA FOLHA

Mais que falar sobre regionalidade, assunto ao qual há baixa aderência nacional, participar de audiovisual contando diariamente as manipulações dissimuladas, ostensivas, vergonhosas, da chamada mídia de grande porte, seria provavelmente um sucesso de público e bilheteria.

Os consumidores de informação se sentiriam idiotas a cada programa. Praticamente ninguém escapa. Nem mesmo o jornal Valor Econômico, uma de minhas leituras diárias, fugiria nestes tempos de adesão ao artificialismo de um Brasil de crescimento incontido, mas que não passa, como em tantas outras vezes, de um puxadinho de gastança pública que não se sustentará logo adiante, porque a carga tributária é abusiva e os juros escapolem dos desejos dos gastadores, que se fazem de vítimas.

Vamos, doutor Alexandre de Moraes: com todo o respeito, tire os burocratas dessa governança paralela das redes sociais e atenda minha sugestão. Bote gente do ramo jornalístico para cuidar disso. Gente que entende do riscado, gente que trabalha. Gente que seja capaz de entender as entrelinhas e as manchetes travessas que induzem a leituras enviesadas, perigosas e enganosas.

Só para adiantar: dê uma reparada no que tenho escrito faz muitos anos sobre, por exemplo, os malabarismos da Folha de S. Paulo e do Datafolha. Outro dia mesmo o jornal escondeu sob a evidência de que os brasileiros preferem a democracia como regime político uma barbaridade de tensão social: apenas 6% sentem que vivem numa democracia plena. Isso é grave, doutor Alexandre. E pode ficar pior com burocratas para decidir o que é verdade e o que é fake news.

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