Sociedade

Democracia sonhada;
Democracia roubada

  DANIEL LIMA - 01/04/2024

No Dia da Mentira a verdade tem de ser dita com todas as letras e ênfase: o brasileiro não considera o Brasil a democracia desejada. A democracia foi roubada. Quem garante isso é o Datafolha da Folha. Mas a Folha do Datafolha escondeu essa realidade dos leitores na edição de ontem. Vamos aos fatos?

A manchetíssima da Folha de ontem (manchetíssima é a manchete das manchetes da primeira página) afirma categoricamente:

 DEMOCRACIA TEM 71% DE APOIO 60 ANOS APÓS GOLPE

A manchetíssima da Folha de S. Paulo desrespeita o principal resultado do Datafolha, que a Folha publica na página interna de forma discretíssima, fugidia a olhos desatentos e também pouco aderente a olhos mais agudos. A manchetíssima da Folha deveria eticamente ser a seguinte:

 MAIORIA QUER DEMOCRACIA QUE 60 ANOS PÓS-GOLPE NÃO GARANTEM.

É disso que se trata de fato o sentimento dos brasileiros em relação a uma conquista que vai muito além de voto na urna eletrônica ou não. Democracia é muito mais que ir às urnas, portanto. E os brasileiros já descobriram essa realidade. Quem garante é o Datafolha da Folha.

DADOS COMPROMETEDORES

Vamos então aos dados da pesquisa? Apenas 6% dos entrevistados do Datafolha concordaram com o enunciado de que o Brasil “é uma democracia plena”. Para 16% “o Brasil não é uma democracia”. Outros 28% garantiram aos entrevistadores que “o Brasil é uma democracia com pequenos problemas”.  Outros 46% afirmaram que “é uma democracia com grandes problemas”.

É preciso ser muito mistificador para contestar a conclusão lógica de que somos um fracasso como democracia.

Mas há mais resultados a consolidar essa certeza assegurada pela ciência da pesquisa do Datafolha.

Apenas 18% “afirmaram estar muito satisfeitos com o funcionamento da democracia no Brasil”. Nada menos que 27% estão “nada satisfeito”. A maioria, de 53% está “um pouco satisfeito”. Não é preciso ser um gênio em ciências sociais para entender que “um pouco satisfeito” é um portal rumo ao “muito insatisfeito”. Quem respeita apenas “um pouco” alguém, de fato não respeita.

Todos esses números submergiram tanto na manchetíssima quanto nas páginas internas da Folha, na avaliação dos dados do Datafolha. A manchete da página A5 é dissimulatória:

 PARA 71%, DEMOCRACIA É MELHOR FORMA DE GOVERNO, E 18% DIZEM QUE TANTO FAZ”.

A manchete da página A5, para ser coerente com a manchetíssima negada na primeira página, deveria ser a seguinte: 

 APENAS 18% ESTÃO SATISFEITOS COM A DEMOCRACIA BRASILEIRA

É disso que se trata o que temos no Brasil desde muito tempo. Mas a grande mídia, por interesses frondosos, dependendo sempre de cada circunstância, faz questão de omitir.

UM PAÍS INSATISFEITO

O Brasil é um País insatisfeito mesmo com a democracia porque a democracia é uma democracia de araque.

A democracia que temos subverte os conceitos de meritocracia, de justiça, de compromisso social, de responsabilidade fiscal, de harmonia de verdade entre os poderes, de tudo isso e de muito mais.

O povo não é bobo e sabe o que quer. O fetiche de democracia vendido pela Velha Imprensa está distante do que pensa a média dos brasileiros que, como prova de maturidade , também rejeita o contrário de democracia fajuta, que é a ditadura. Tanto que 53% “não veem chance do Brasil tornar-se uma ditadura; 20% dizem haver muita chance”.

Talvez o que mova a Folha do Datafolha a subestimar os sentimentos dos brasileiros seja o paternalismo editorial, quando não o fantasma editorial, de que apontar a realidade perceptiva e factual dos brasileiros seria abrir uma estrada rumo ao autoritarismo.

Primeiro, não passaria da uma bobagem de falsas consequências. Segundo, porque o autoritarismo mesmo que brando, disfarçado, está posto há muito tempo. Quer de forma convencional, de jogo entre poderes, quer em forma mais insidiosa ainda – os desdobramentos de um País incapaz de se governar e por isso mesmo incrementador de dados socioeconômicos dantescos.

ESTADO INOPERANTE

Dados que mais que comprovam, solidificam a inoperância do Estado em várias esferas em que o Estado atua. Uma farra do boi de delinquentes dos dois lados de balcões de negócios públicos e privados convenientemente ocupados por mandachuvas e mandachuvinhas.

É uma falsa esperteza editorial a Folha de S. Paulo dar aos dados do Datafolha conotações da edição de ontem, e de muito tempo, quando o assunto é democracia. Tratar a democracia pretendida (esse é o caso específico dos números alardeados) como se contássemos de fato com a democracia alardeada, não passa de trucagem.

A Folha de S. Paulo age com despudor ao sonegar nas manchetes e na avaliação dos dados a realidade que salta das  definições dos entrevistados do Datafolha.

Esse é um processo reincidente na tentativa patética de dourar a pílula e, mais que isso, proteger na masmorra da estupidez um Brasil que não existe.

OUTRA DEMOCRACIA

A democracia exaltada na pesquisa não é a democracia que temos. Somente acadêmicos e jornalistas encastelados, quando não entrincheirados em desejos autoprotetivos, não entenderam o nome do jogo que está sendo jogado. Ou seja: é preciso aproximar a democracia desejada da prática da democracia necessária.

Quem acha que os esquálidos 6% dos brasileiros que consideram que vivemos em democracia plena,  que os robustos 27% “não satisfeitos”  e os gigantescos 53% “pouco satisfeitos” não servem de alerta a novas configurações de tratamento editorial, quem acha que tudo isso é normal, talvez esteja precisando de uma sessão de descarrego ético e moral.

Roubaram a democracia do Brasil. Estilizaram o roubo da democracia do Brasil. Subverteram a verdade da democracia roubada do Brasil.

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