Imprensa

CARTA ABERTA AO DONO DO
DIÁRIO DO GRANDE ABC (10)

  DANIEL LIMA - 01/09/2023

O Diário do Grande ABC sob o comando do empresário de transportes Ronan Maria Pinto não tem o menor interesse em reviver o passado do Diário do Grande ABC comandado na redação durante alguns anos pelo jornalista Alexandre Polesi, filho de um dos quatro fundadores da publicação. 

A diferença entre os dois períodos é abissal. O período de não mais que alguns anos foi o melhor desempenho do Diário do Grande ABC ao longo da trajetória. O período de Ronan Maia Pinto é o pior, disparadamente. 

Ronan Maria Pinto pegou o rabo de foguete de um jornal já em estado degenerativo numa região debilitadíssima na Economia e no Social. 

Não vou me referir a mim mesmo durante os 11 meses (de 16 anos de atuação naquele jornal) em que apliquei o Planejamento Editorial Estratégico. Não quero parecer esnobe. Até porque, com mais tempo no comando da redação do jornal, Alexandre Polesi pode exercitar seu conhecimento e autonomia. Até que lhe cortaram a cabeça. 

OUTROS QUINHENTOS  

O que está na agenda do Diário do Grande ABC de Ronan Maria Pinto no campo editorial político-administrativo não é a repetição da campanha “Vote no Grande ABC”, lançada em 1994 e que deu origem ao Fórum da Cidadania -- além de possibilitar o encaminhamento logístico da eleição de 14 deputados da região, nove dos quais estaduais e cinco federais. 

Para o Diário do Grande ABC de Ronan Maria Pinto o que menos interessa mesmo é ampliar o campo político-eleitoral da região se isso significar eventual perda relativa ou mesmo absoluta de suposto controle dos eleitos.  

O Diário do Grande ABC do passado, do Vote no Grande ABC, entrou de sola no combate aos políticos, à classe política regional como um todo.  

O Diário do Grande ABC dos Amigos de Ronan Maria Pinto tem a classe política protegida, desde que a classe política se alinhe aos interesses do jornal. Ou seja: os grupos nos quais Ronan Maria Pinto tem suposta influência, claro! 

TROCA PREJUDICIAL  

O Diário do Grande ABC trocou a campanha “Vote no Grande ABC” de tanto sucesso da segunda metade dos anos 1990 pela informal e disfarçada, mas nem tanto, campanha “Vote nos Parceiros do Diário do Grande ABC”. Martelar esse contraste é importante para que se compreendam os dois períodos antagônicos. Período de respiro de regionalidade de fato e período de compadrismo para valer. 

Não é preciso ser especialista na matéria chamada jornalismo, tampouco ombudsman autorizado ou não como este jornalista, para entender o que se passa no noticiário político e econômico, principalmente, do Diário do Grande ABC.  

O colunismo social de outros tempos, que também era utilizado para incrementar personagens do mundo regional, já não existe mais nas páginas do Diário do Grande ABC. Exceto aos domingos, com uma página. 

O novo colunismo social do Diário do Grande ABC, de todas as edições, é a distribuição de lantejoulas e purpurinas ao falso brilho dos amigos de Ronan Maria Pinto e espinhos aos adversários circunstanciais ou consolidados. 

Adversários circunstanciais e consolidados também podem ser chamados de amigos de conveniência ou circunstanciais.  

Quem goza de prestígio na Redação do Diário do Grande ABC de hoje pode perder o trono amanhã. Vários do que são adversários declarados ou dissimulados hoje, como os prefeitos Orlando Morando e José Auricchio Júnior, já foram amigos circunstanciais ou consolidados anteriormente.  

PREFERÊNCIA INEGÁVEL  

O Diário do Grande ABC não disfarça preferência por alguns políticos de estimação da região e de fora da região. Todos eles formam uma confraria dos amigos de Ronan Maria Pinto.  

É um direito do dono do Diário do Grande ABC ter amigos verdadeiros ou de conveniência, mas quem paga o pato de distorções, manipulações, embromações e tudo que se imagina fora do léxico de bom comportamento jornalístico são os leitores. Como jornalista e leitor do Diário do Grande ABC, e um passado de carreira ascendente no próprio jornal, tenho todo o direito e dever de apontar inconformidades que vão muito além de supostas subjetividades.  

Claro que o campeão da preferência ou de privilégios ou de amizade intima ou de qualquer coisa que poderia ser catalogada como círculo de irmandade de Ronan Maria Pinto é o prefeito de Santo André, Paulinho Serra.  

Não somente o prefeito, mas a primeira-dama e hoje deputada estadual Carolina Serra. Eles são imbatíveis. Podem fazer o que bem entenderem e jamais serão incomodados. Os adversários da dupla que se cuidem, porque também serão adversários de Ronan Maria Pinto.  

O caso de Orlando Morando é emblemático. Quem olhar para Paulinho Serra e não enxergar Ronan Maria Pinto precisa de revisão oftalmológica.  

FECHANDO OS OLHOS  

Quando a linha editorial de uma publicação chega à margem autofágica de ignorar contrapontos ou contradições ou tudo que possa ser catalogado como impropriedade relevante de quem quer que seja no campo público, quando isso ocorre é sinal de que se corroeu o tecido da imparcialidade além da conta.  

O Diário do Grande ABC não tem ideologia editorial definida. Esse é um padrão de publicações maduras, goste-se ou não. O Diário do Grande ABC é um jornal longevo, mas imaturo. Seria para alguns não mais que maria-vai-com-as-outras. Para quem entende do riscado é um barco de destino indecifrável, por mais obviedades que expresse na longa trajetória. O Diário do Grande ABC é, portanto, e paradoxalmente, previsível. A previsibilidade do Diário do Grande ABC é a imprevisibilidade quando observada numa linha de tempo. Desde antes de Ronan Maria Pinto, a bem da verdade.

Quando assumi a Redação do Diário deixei expresso em todos os parágrafos a defesa da livre-iniciativa combinada com responsabilidade social, política editorial de CapitalSocial desde 1990, quando lancei a revista de papel LivreMercado. Nada que não tivesse conexão com o fato de ser filho de um homem que sofreu muito à frente de pequenos negócios para sustentar uma família grande e sem amarras com o Estado eternamente gastador.  

Todo o mundo sabe o que a Folha de S. Paulo, o Estadão e o Globo, maiores expoentes da mídia impressa nacional, estão a oferecer. Podem ter seus pecados, e os têm aos magotes, mas de alguma forma robusta deixam as digitais do que pretendem além de conceder espaços discretos às iniquidades editorais. 

Já com o Diário do Grande ABC é tudo diferente --- e isso precisa ser dito. O Diário do Grande ABC dança conforme a música de interesses de sobrevivência econômica.  

ADEUS, PLANEJAMENTO  

Aquele Planejamento Editorial Estratégico que deixei como lembrança de que os 11 meses em que atuei como Diretor de Redação não deveriam ser em vão foi sumariamente rasgado.  

Nada pior para o próprio jornal porque ao lançar às baratas um programa de recuperação da publicação, o Diário do Grande ABC mais se afundou em voluntarismos contraproducentes e contraditórios.  

O Clube dos Parceiros do Diário do Grande ABC é restrito como todo clube que se preza. Restrito e autoprotegido. Bem diferente, portanto, daquele projeto do Vote no Grande ABC prestes a completar 20 anos. E muito aquém das digitais do Diário do Grande ABC no movimento Fórum da Cidadania.  

Um capítulo específico, inclusive com detalhamento de matérias que robustecem a debilidade editorial do Diário do Grande ABC, constará desta série. Paulinho Serra, Carolina Serra e Alex Manente e alguns outros, todos próximos entre si, são os destaques inabaláveis de hoje. A confraria dos amigos de Ronan Maria Pinto é de conhecimento público, porque as edições do jornal não são edições secretas.  

CHEGADA DE PETISTAS  

Há espaços que estão sendo ocupados devagar por petistas que assumiram prefeituras e petista, como o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira, que pretende assumir a Prefeitura de São Bernardo. 

Quem olha as edições do Diário do Grande ABC destes dias observa páginas cada vez mais avermelhadas. De governos municipais petistas e do governo federal. O Diário é tradicionalmente, muitas vezes cumulativamente, um arco-íris. Já foi azulado durante longas jornadas.  

Em passado recente, tanto Orlando Morando, prefeito de São Bernardo, como José Auricchio Júnior, prefeito de São Caetano, eram incensados nas páginas do Diário do Grande ABC. Jamais durante determinado período de lua de mel o jornal fez qualquer reparo às respectivas administrações. Bastou um impasse aqui, outro ali, para que fossem duramente apontados como incompetentes, entre outras conclusões. 

TURMA CRESCE  

Por outro lado, Diadema e Mauá até outro dia estavam praticamente fora do noticiário político e social do Diário do Grande ABC. Como num passe de mágica e uma publicidade aqui e outra ali, o prefeito José de Filippi Júnior e o prefeito Marcelo Oliveira viraram pautas obrigatórias. O mesmo se pode dizer do prefeito de Ribeirão Pires, Guto Volpi, que faz parte da turma titular do Clube dos Prefeitos.  

O que quero dizer e para tanto não faço jogo de cena é que o Diário do Grande ABC dança ou faz dançar conforme a música que mais interessa ao comando da empresa de Ronan Maria Pinto.  

Sem um mercado publicitário privado minimamente sustentável às iniciativas da publicação, e das demais publicações, o Diário do Grande ABC depende extraordinariamente de boas relações institucionais e comerciais com órgãos públicos.  

É impossível passar ileso à contaminação editorial. Isso vale para todos os jornais de papel brasileiros. O Diário do Grande ABC só exagera na dose. 

TEMPOS DE OURO  

Nos tempos em que o Diário do Grande ABC navegava nas águas plácidas de uma economia regional em constante movimentação de riqueza, por volta dos anos 1970 e 1980, quando desindustrialização era palavra desconhecida, o mercado publicitário assegurava maior nível de independência editorial.  

O mercado imobiliário e principalmente a enxurrada de páginas de empregos davam sustentação invejável à empresa. O jornalismo de papel reinava no mundo. O Diário do Grande ABC contava com gráfica própria para imprimir a edição de cada dia e mais de mil funcionários. Hoje não tem gráfica própria e registra menos de 10% do estoque de trabalhadores. 

Como empreendimento, o Diário do Grande ABC adquirido por Ronan Maria Pinto se tornou um mico. Não fosse uma empresa que produzisse informação, teria tido o mesmo destino de tantas outras que sucumbiram às transformações tecnológicos e de costumes, entre outros fatores.  

Não fosse uma empresa que produzisse informação o Diário do Grande ABC seria uma Chocolates Pan, que acabou de fechar as portas em São Caetano depois de anos inúteis de buscar reinvenção. 

MUITA RESISTÊNCIA  

O Diário do Grande ABC resiste porque vive da tradição de mais de 60 anos. Apesar dos pesares, a demanda do mercado vai além da suposta necessidade de informação. Acrescenta camadas de subjetividades que imantam pertencimento regional que o veículo ajudou a construir. O Diário do Grande ABC tem, portanto, um combustível adicional de energia invisível a sustentar projetos de recuperação.   

Ou seja: o Diário do Grande ABC pode ganhar influxo operacional se passar por rigorosa transformação a partir do ajuntamento do produto de papel e do produto digital, que, como já expliquei, sempre atuaram como ciumentos adversários.  

Uma das medidas que o Diário do Grande ABC precisa adotar é recuperar a credibilidade. Não é com o Clube dos Amigos de Ronan Maria Pinto que o Diário do Grande ABC vai reconquistar o eleitorado perdido. Muito distante disso. Também vou abordar nesta série uma de muitas alternativas para tanto. O certo mesmo é que do jeito que está não pode ficar. 

MAIS QUE OPOSIÇÃO  

Não chego a endossar firmemente a consagrada frase de que imprensa é oposição e o resto é armazém de secos e molhados. Quem como eu dirigiu durante 15 anos o Prêmio Desempenho à frente da revista LivreMercado, entre outras iniciativas, não pode ser lançado no quarto de despejo de oposicionismo a qualquer custo.  

Tão nocivo quanto o oposicionismo a qualquer custo, como se dá nestes dias com o Diário do Grande ABC em relação ao prefeito Orlando Morando, e no passado com Luiz Tortorello e Lincoln Grillo, é o situacionismo acrítico como nestes dias de Paulinho Serra e de outros tempos com tantos outros prefeitos. 

Sim, é preciso reiterar que o Diário do Grande ABC de Ronan Maria Pinto não inaugurou o placar da divinização de prefeito e de satanização de prefeito. Isso vem de longe no jornalismo verde e amarelo.  

O que diferencia a gestão de Ronan Maria Pinto de outras gestões à frente do Diário do Grande ABC é que Ronan Maria Pinto não é do ramo e caricaturiza a engenharia aplicada em publicações mais cuidadosas.  

MUITO DESCARAMENTO 

O descaramento com que o Diário do Grande ABC protege ou procura proteger a Administração de Paulinho Serra em Santo André, relegando ao lixo qualquer informação que retire o tucano do pedestal da sapiência suprema, chega às raias do inacreditável.  

Isso é péssimo para a imagem do jornal, porque o jornal de Ronan Maria Pinto vai além inclusive das expectativas colaboracionistas e omissivas do próprio prefeito de Santo André.  

Da mesma forma, temporalmente com o prefeito José Auricchio Júnior, de São Caetano, e sistematicamente com o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, o que se dá é exatamente o inverso em todos os sentidos. Se tudo é cor-de-rosa no mundo de Paulinho Serra no Paço Municipal de Santo André, em São Bernardo de Orlando Morando tudo é tenebroso. Em São Caetano também já o foi durante um determinado período.  

Agora, nestes dias, dá-se o que se acredita ser uma aproximação, um armistício de modo que se amenizem problemas, quando não se omitem, antes registrados de forma contundente.  

PESOS DIFERENTES  

Para simplificar a questão de divinização e de satanização, não é preciso ir longe e tampouco, neste capítulo, expor vários modelos de pecados. Basta dizer que deformações típicas da falsa democracia nacional, de entreguismo do Legislativo ou Executivo, são apontadas e recriminadas pelo Diário do Grande ABC quando envolve São Bernardo, como se em Santo André fosse diferente. Dezenas de outros exemplos poderiam ser apontados e detalhados. São o que o clássico da contradição chama de dois pesos e duas medidas. 

Ainda recentemente o Diário do Grande ABC fez um escarcéu ao condenar o prefeito Orlando Morado por ter agido isoladamente, fora que está do Clube dos Prefeitos, por haver obtido do governador Tarcísio de Freitas um reforço financeiro para a área de saúde. O Diário do Grande ABC bateu forte na iniciativa que reforça o divisionismo político-administrativo na região.  

Um caso semelhante, registrado ontem, ganhou conotação totalmente diferente e destaque extraordinário. Paulinho Serra anunciava ter obtido do governo federal um reforço e tanto também para a área de saúde. 

O Diário do Grande ABC destes tempos não tem coerência editorial e, mais que isso, personalidade editorial para não se submeter às vontades de terceiros. Possivelmente, entende que a prática do jornalismo que expõe seria rigorosamente o inverso, ou seja, terceiros é que se submeteriam à linha editorial.  

O que temos é um sólido processo de autoengano. E isso custa muito caro aos leitores porque nem o jornal nem os amigos de Ronan Maria Pinto têm razão. 

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