Sociedade

Santo André é campeã no
emprego feminino. Entenda

  DANIEL LIMA - 08/03/2023

Santo André é a campeã absoluta no G-22 quando se trata de emprego formal feminino. O G-22 é o ranking multitemático das maiores cidades do Estado de São Paulo. A capital do Estado não participa diretamente dos estudos que este jornalista produz há 300 anos. Mas, nesse caso, do emprego de mulheres, decidi incluir a vizinha gigantesca. Que também perde para Santo André. 

Se resolvesse mandar uma mensagem para o prefeito Paulinho Serra, não teria dúvida alguma ao preparar uma bifurcação que o encalacraria à resposta.  

É claro que diria também que ele não tem responsabilidade majoritária nem num caso nem no outro. Nem responsabilidade acessória. A questão foge à alçada municipal quando vista de forma tradicional. Mas pode ser alterada. Não tratarei disso agora.  

BOA E MÁ NOTÍCIA  

Faria o seguinte enunciado ao prefeito: “Tenho duas notícias para você, uma boa e uma ruim, qual você prefere ouvir primeiro?”.  

É importante correlacionar as coisas e colocá-las nos devidos lugares.  

Repito que o que se segue não tem nada a ver, como consequências, com os até agora seis anos de gestão do prefeito de Santo André. Nem para o bem, nem para o mal.  

Ou seja: a boa notícia e a má notícia não envolvem diretamente sua administração.  

Paulinho Serra pegou o bonde andando. Poderia, claro, ter feito alguma coisa, mas não muita coisa. Ninguém é mágico no mundo da materialidade fática. 

A BOA NOTÍCIA  

Daria primeiramente a boa notícia para Paulinho Serra, sabendo que sei que o prefeito de Santo André não resiste à possibilidade de, correndo, alardear suposto sucesso de Santo André. Imagino até que convocasse a equipe de marketing para preparar peça publicitária em cima da hora, porque o Dia Internacional da Mulher é hoje e não há tempo a perder.  

Que boa notícia, afinal, é essa, da qual Paulinho Serra que não é bobo nem nada (faria o mesmo no lugar dele, caso não soubesse da notícia ruim) trataria de dar o devido destaque midiático?  

A notícia boa para Santo André no Dia Internacional da Mulher é que as mulheres praticamente dividem o mercado de trabalho formal com os homens.  

Trata-se de proporção quase pau-a-pau, como se diz na linguagem futebolística que, cá entre nós, e agora me dei conta disso, talvez não seja politicamente correta. Mas já foi e não vou deletar. 

Com o resultado que vou apresentar em seguida, Santo André supera todos os concorrentes do Clube dos Maiores Municípios do Estado de São Paulo, o meu G-22. Quer notícia melhor que essa?  

Santo André supostamente é o endereço municipal paulista (e quem sabe brasileiro) que mais daria atenção às mulheres no mercado de trabalho com carteira assinada.  

Uma peça de publicidade, repito, causaria estardalhaço do cacete. Também não vou deletar o verbete aí que as feministas poderiam colocar no banco dos réus de discriminação semântica.  

A MÁ NOTÍCIA  

A má notícia (da qual tenho conhecimento porque a descobri fundamentadamente) e que me impediria, como eventual marqueteiro do prefeito Paulinho Serra, de ignorar em nome exclusivamente do ponto supostamente positivo, é que existe uma razão de ordem histórica, sociológica, econômica, social, a explicar o título de campeão de emprego feminino. 

Adivinhe, adivinhe? Claro, a desindustrialização está na raiz socioeconômica de Santo André ocupar a liderança do G-22 no mercado de trabalho com carteira assinada em ocupação feminina.  

A explicação é simples: quanto maior a participação relativa do emprego industrial no conjunto de atividades de um Município, mais se diferenciará a presença masculina em relação à feminina.  

Por outro lado, quanto menor a participação relativa do emprego industrial no conjunto da obra de trabalhadores formais, mais as mulheres avançarão no mercado de trabalho.  

O emprego industrial é preponderantemente masculino. As atividades de comércio e de serviços são em alguns endereços majoritariamente femininas em alguns outros semelhantes ou levemente masculinas.  

PROVA DAS PROVAS  

Peguei hoje de manhã todas as planilhas dos municípios que integram o G-22 (os 20 maiores municípios do Estado acrescidos de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra apenas por pertencerem ao Grande ABC) e o resultado foi o que apresentei acima ao prefeito.   

Para cada 100 empregos formais ocupados por homens, Santo André conta com 92,61 mulheres. Do total de 201.916 empregos formais em dezembro de 2020, conforme dados oficiais do Ministério do Trabalho (os dados de 2021 e 2022 ainda não foram liberados), 104.828 eram ocupados por homens e 97.088 por mulheres. Não há nada mesmo igual no G-22.  

Em São Bernardo são apenas 69,11 mulheres para cada grupo de 100 homens no mercado de trabalho. Em Rio Grande da Serra a proporção é de 74,30 ante 100. Mauá conta com efetivo feminino em todas as atividades de 65,55 mulheres para cada 100 homens. Diadema ocupa situação pior, com 62,34 mulheres para cada 100 homens. As também fortemente desindustrializadas São Caetano e Ribeirão Pires apresentam números mais próximos de Santo André: 83,17 mulheres para cada 100 homens em São Caetano e 71,65 mulheres para cada 100 homens em Ribeirão Pires.  

CAPITAL SUPERADA  

Imaginei ao destrinchar as planilhas para aferir o que acabei aferindo, ou seja, o ranking de emprego feminino no Estado de São Paulo, que a Capital do Estado estaria na liderança. Repito que São Paulo não integra o G-22, mas de vez em quando dou uma espiadinha para descobrir eventuais tendências. 

Pois não é que São Paulo também perde em participação feminina para Santo André, embora tenha passado duramente por desindustrialização nas últimas quatro décadas? Para cada grupo de 100 trabalhadores homens, há 88,47% de mulheres. Santo André, apenas para lembrar, alcança a marca de 92,11%. 

A simetria entre desindustrialização (com consequente rebaixamento proporcional do emprego masculino) e crescimento do efetivo feminino no mercado de trabalho em geral é automática. Não existe e jamais existiu no País qualquer política sistemática, séria, para valer, e volumosa, para mudar a direção da roda de empregos efetivos que deem preferência às mulheres. O que existe é muita gente vendendo um discurso politicamente correto.  

COMPARANDO, COMPARANDO  

Voltando ao que interessa: a participação de trabalhadores industriais em Santo André no conjunto de atividades é de apenas 12,24%. Em dezembro de 2020 eram 18.847 homens ante 5.875 mulheres.  

Em São Bernardo eram 27,81% empregos industriais do total do estoque. Menos que os 30,16% de Rio Grande da Serra, os 30,59% de Mauá, os 44,16% de Diadema, mais que os 18,23% de São Caetano e menos que os 31,60% de Ribeirão Pires.  

Como se explica então (se a desindustrialização está na raiz das diferenças) que a cidade de São Paulo perde para Santo André na participação feminina no mercado de trabalho se conta com 7,31% de trabalhadores industriais, ou seja, cinco pontos percentuais abaixo da cidade do Grande ABC? 

EXPLICANDO, EXPLICANDO  

É aí que entra em campo a segunda face proeminente dos estragos provocados pela desindustrialização: Santo André não tem nos setores de serviços e de comércio força semelhante e diversidade da Capital. Aliás, como nenhum Município do País reúne.  

Vou dar exemplo prático. A média salarial do emprego no setor de comércio em 2020 registrava R$ 3.532,56 na Capital, ante R$ R$ 2.342,72 em Santo André. No setor de serviços, que é uma imensidão de atividades, o salário médio de Santo André era de R$ 2.945,14, ante R$ 4.387,18 em São Paulo. Só há empate técnico na Administração Pública: a média salarial em Santo André em 2020 era de R$ 5.830,33, ante R$ 5.811,89 em São Paulo.  

Quando se trata do confronto dos confrontos, ou seja, quando se estabelece linha comparativa entre a média salarial geral (de todas as atividades econômicas) entre a Santo André campeã no emprego feminino e a cidade de São Paulo, também fortemente feminina, a diferença é bastante expressiva. Em Santo André, a média salarial de 201.916 trabalhadores registrados em 2020 era de R$ 3.116,65, enquanto na Capital o valor registrado após se contabilizarem 4.845.415 milhões de trabalhadores era de R$ 4.445,33 mil. Ou seja: a média salarial geral de São Paulo é 30% superior à de Santo André.  

MAIS PODEROSA  

Traduzindo esses números em realidade entre os dois endereços: São Paulo viu vestidos e saias crescerem no mercado de trabalho por conta de desindustrialização (fortemente masculina) abusivamente agressiva e se virou nos trinta em outras atividades de valor agregado superior a Santo André, cuja proliferação de vestidos e saias como consequência da desindustrialização também fortemente masculina provocou vazamentos a outras atividades sem a mesma qualidade salarial.  

Fica, portanto, mais evidente do que qualquer derivação esperta, defensiva ou não, que o crescimento do mercado de trabalho para as mulheres em Santo André ao longo de décadas está intimamente ligado à desindustrialização e do maciço desemprego de homens. Como em tantos outros endereços. 

MAIS ESTUDOS  

Ou seja: o título de campeã estadual no mercado de trabalho feminino ostentado por Santo André poderia ser explorado com estudos e ações específicos a ponto de se tornar um case extraordinário. Afinal, nenhum Município do Estado está tão pronto para encurtar a distância entre homens e mulheres no mercado de trabalho em termos quantitativos.  

Mais que isso: em termos qualitativos, ou seja, da diferença de média salarial entre homens e mulheres, também por conta da desindustrialização, o sexo feminino em Santo André recebe 15,55% menos que o sexo masculino. Só perde para Diadema (13,22%) entre outras razões porque o setor industrial paga salários menos distantes dos demais setores e a Administração Pública dominantemente petista ao longo dos anos investiu muito em atividades com maior ocupação feminina, nas áreas de saúde e educação.  

MADRES TEREZAS   

Para completar, intuitivamente ou cientificamente, a gestão de Paulinho Serra descobriu as mulheres pobres juntamente com a pobreza de Santo André provocada pela desindustrialização.  

Tanto é verdade que Carolina Serra se elegeu deputada estadual em outubro passado com votação estrondosa em Santo André. Uma das bases eleitorais de Carolina Serra são as 120 instituições assistenciais da cidade. A maioria comandada por mulheres. Se Lula da Silva fez do Bolsa Família a plataforma de embarque a um reduto imenso de excluídos sociais, a versão feminina em Santo André alcançou uma atividade informal volumosa. Fruto da desindustrialização. Como a ocupação feminina mais acentuada no mercado de trabalho.  

Não custa lembrar que, quando em 2000 incorporei ao Prêmio Desempenho o troféu de “Madres Terezas”, descobri os fundões de vales de Santo André e do Grande ABC sob os cuidados de mulheres magníficas. Contei para tanto com ajuda inestimável de Antonio José Monte, então comandante da Coop. Inesquecível.

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