Sociedade

Como se explica o alto índice
de orgulho de ser brasileiro?

  DANIEL LIMA - 13/09/2022

É muito complexo o caminho que leva a uma resposta sensata nestes tempos supostamente sombrios sobre o resultado do último Datafolha publicado quase que envergonhadamente pela Folha de S. Paulo: 77% dos entrevistados na mais recente pesquisa eleitoral daquele instituto têm orgulho de ser brasileiro, enquanto 21% têm vergonha.  

O resultado é o segundo melhor desde que o Datafolha decidiu ouvir os entrevistados. Só é superado pelos 89% de orgulho e os 9% de vergonha de ser brasileiro no auge do governo Lula da Silva, em 2010.  

O texto da Folha de S. Paulo é superficial. Faltou não só a memória que menciono logo acima como outras informações.   

FOLHA VERSUS FOLHA  

A Folha desprezou os arquivos da Folha porque provavelmente para a Folha os arquivos da Folha só são interessantes quando a Folha do passado e a Folha do presente não se contraponham publicamente.   

Como se sabe, a Folha de São Paulo é integrante feroz da Velha Imprensa. Não conviria explicar o que pareceria inexplicável a quem adotou uma linha editorial tão rígida contra o atual presidente da República.   

E o que seria inexplicável? Que um presidente supostamente autoritário, genocida, populista, desequilibrado, misógino e outras coisas mais alcance tamanho sucesso de público, bilheteria e de patriotismo. 

Ou estaríamos diante de um contraponto que colocaria um exemplar da família de advérbios tão comuns nestes dias (mas, porém, todavia, contudo, essas coisas) como condicionalidade restritiva ao desempenho do presidente da República?  

Ou seja: 77% têm orgulho de ser brasileiro, apesar, do presidente da República? 

AOS ARQUIVOS 

O mesmo raciocínio teria sido levantado e sugerido em 2010 contra Lula da Silva, cuja invólucro de um PT virginal foi rompido pelo Mensalão, cinco anos antes? 

Já que a Folha de S. Paulo não foi aos arquivos da Folha de S. Paulo para rememorar resultados de pesquisas do Datafolha sobre o assunto, me meti google adentro.  

Aliás, para ser justo e preciso, na matéria publicada anteontem na Folha (“Orgulho de ser brasileiro sobe e volta ao patamar pré-pandemia de Convid-19) há sim uma referência comparativa. Veja: 

M No final de 2019, a resposta positiva estava em 76%. Na série histórica do Datafolha, o índice mais alto de respostas ocorreu em junho de 2017, quando 47% dos entrevistados responderam nesse sentido (de vergonha). Naquele período, o país vivia o auge da Operação Lava Jato e testemunhava a repercussão de denúncias de corrupção que quase custaram o mandato do então presidente Michel Temer (MDB).  

MAIS PASSADO  

A Folha de anteontem poderia ter ido mais longe na comparação, como o que publicou à época: 

 A crise política e econômica instalada no País contaminou a autoestima dos brasileiros. A vergonha de sua nacionalidade acometeu 47% da população, o maior índice registrado pelo Datafolha desde o início da série, em março de 2000. De acordo com a pesquisa, 50% dos eleitores hoje sentem mais orgulho do que vergonha de serem brasileiros. Houve uma queda brusca: em dezembro do ano passado, a taxa era de 69% e, em abril, 63%. Nesse intervalo, 28% tinham mais vergonha que orgulho em dezembro, e 34% em abril. A pesquisa mostra que a corrupção após mais de três anos da operação Lava Jato se tornou a principal preocupação dos brasileiros. Esse problema foi citado espontaneamente por 23% dos adultos quando perguntados qual a primeira coisa que vem em mente quando se pensa em Brasil. Vergonha e desgosto aparecem em seguida, com 14%. A imagem negativa do País disparou. Em 2010, 54% dos brasileiros citavam aspectos negativos quando perguntados sobre o país. Corrupção na época respondia por 4% das menções. Hoje, 81% das respostas abrangem aspectos negativos e corrupção, 23%. 

TIROS NOS PÉS   

Por conta do trabalho incendiário rigorosamente cumprido pela Velha Imprensa adensada no Consórcio de Imprensa, a desconfiança de que tanto o Datafolha quanto a Folha de S. Paulo não fizeram agora o que sempre fizeram no passado, ou seja, o destrinchamento dessa variável da pesquisa, só posso entender que o atual contexto seria tiros nos próprios pés.  

O que seriam tiros nos próprios pés do Datafolha e da Folha de S. Paulo em se tratando desse quesito da pesquisa?  

Ora, as respostas aos formulários apresentados aos entrevistados que apontam uma diversidade de dados sobre as próximas eleições poderiam ser questionadas de forma mais consistente.  

Um exemplo? Como pode um presidente com tamanha reprovação, segundo o Datafolha, estar no comando de um País cuja aprovação de identidade pátria é tão elevada mesmo numa situação em que a pandemia do Coronavírus não se foi?  

Uma pandemia na qual o mesmo presidente se comportou de forma bisonha em vários pontos, embora também houvesse (e aí os adversários esquecem porque vivemos num País polarizado)  série de acertos e de críticas às arbitrariedades do outro lado – inclusive do Supremo Tribunal Federal. 

O argumento de que 77% dos brasileiros têm orgulho do País não teria correlação com o presidente da República de plantão seria tão esfarrapado quanto estupido.  

Pode e deve não ser um monopólio de ativos do presidente, como não o teria sido em 2010 quando, com o PIB crescendo a 7,5% (depois veio a tragédia fiscal, que também pode vir no ano que vem, claro) o então presidente Lula da Silva viu o orgulho de ser brasileiro, segundo o mesmo Datafolha, alcançar 89%.  . 

Descontextualizar o desempenho do orgulho de ser brasileiro do atual presidente não seria uma argumentação sustentável, tanto quanto os índices de aprovação e de reprovação em tempos diferentes.  

MAQUININHAS DIÁBÓLICAS 

O uso da tecnologia portátil, as maquininhas diabólicas que todos temos, mudou ou tornou mais democrática a ação e a percepção individual dos brasileiros.  

Os níveis de criticidade se elevaram. Teria Lula da Silva, mesmo com o sucesso do PIB de 2010, sustentado tamanho índice nacional de orgulho de ser brasileiro, houvesse esse exército de arma tecnológica em punho?  

Os escândalos do Mensalão, em 2005, que colocaram o PT ao alcance de uma confederação de partidos de usos e costumes pouco nobres (mais tarde, solapados pela Operação Lava Jato) não teriam tido repercussão mais destruidora e prolongada?  

PERDENDO A RAZÃO  

Como se pode observar (e há tantas outras condicionantes políticas, econômicas, sociais, e até mesmo antropológicas) a complexidade que envolve a avaliação do comportamento dos brasileiros não permite sentenças definitivas, mas também não deve estimular neutralidade covarde e acomodatícia, ou truques semânticos. 

O fato é que a Velha Imprensa deveria intramuros se debruçar sobre esse quesito específico do Datafolha (e, insisto, cujos dados pormenorizados são omitidos) para tentar entender até que ponto a convocatória de condenação explícita e agressiva ao  atual governo federal não se insere num capitulo de tormenta editorial que agravaria o futuro das próprias organizações que a compõe?  

HARAQUIRI  

Traduzindo: será que a Velha Imprensa, na ânsia de demonizar um governo federal deficiente, mas não necessariamente incompetente e ameaçador à democracia, como tanto se repete, não estaria cometendo haraquiri político-editorial?  

A pauta em comum que caracteriza o Consórcio de Imprensa tem-se mostrado aquém das expectativas dos consumidores de informação porque desdenha da inteligência alheia.  

É evidente a premissa de um martelamento nos erros e também nos supostos equívocos do governo federal e de mitigação, quando não de desprezo, aos bons resultados. Tudo em descompasso com situações assemelhadas no passado em que o banquete publicitário era bastante generoso.   

SETE DE SETEMBRO 

A prova mais contundente da estupidez com que a Velha Imprensa trata os brasileiros é correlacionar os atos de Sete de Setembro do ano passado (e também as conotações do Sete de Setembro deste ano) como evento particular do presidente da República. E dispensar aos brasileiros em geral conceitos que não se sustentam nos fatos.  

Goste-se ou não, o verde-amarelo está para o presidente Jair Bolsonaro assim como os pobres estão para Lula da Silva. E gostem ou não também, sem reducionismo mas como síntese de votos, o que vai decidir as eleições deste ano será o balanço final entre os 50% de pobres e miseráveis que representam o eleitorado nacional e o sentimento de brasilidade da maioria desse mesmo povo.  

A identificação do verde e amarelo com Jair Bolsonaro não é usurpação, tampouco tutela e muito menos sequestro. Tanto quanto a fome não entrou no portfólio de Lula da Silva à revelia da realidade secular.  

A Velha Imprensa ainda não se deu conta de que, qualquer que seja o resultado na disputa pela Presidência da República,  já é perdedora irreversível.  

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