Economia

São Bernardo perde
mais que Santo André

  DANIEL LIMA - 21/03/2024

Não tem choro de mistificação, nem vela de embromação e muito menos fita amarela de enganação: entre os dois maiores municípios da região, quem mais perdeu PIB de Consumo neste século é São Bernardo. Nem poderia ser diferente.

Sabe por que não poderia ser diferente e o que é diferente não tem paternidade municipal? Enquanto Santo André sofre menos solavancos porque tem como âncora o Polo Petroquímico de longa data e a cadeia de produção de químicos em seu entorno, São Bernardo vive permanente turbulência do setor automotivo, o mais competitivo do mundo e, também, uma bomba trabalhista de histórico sempre preocupante.

Mesmo com essas especificidades, não houve salvação. Os dois municípios perderam uma barbaridade de riqueza em forma de população com recursos financeiros para gastar. Isso é PIB de Consumo. Diferente do PIB Tradicional, é resultado da geração de riqueza em produtos e serviços. PIB de Consumo não leva em conta apenas e necessariamente o que está na origem municipal, ao contrário do PIB Tradicional. Quem mora em Santo André ou em São Bernardo mas ganha o pão fora de casa, entra para o PIB de Consumo.

PERDAS DUPLAS

Santo André perdeu menos e São Bernardo perdeu mais quando se comparam os resultados tendo os dois municípios competindo entre si e, pior, tendo a média nacional como referencial mais relevante.

Santo André não perdeu menos que São Bernardo apenas porque a matriz principal da economia é o setor químico-petroquímico menos sujeito a chuvas de competitividade e trovoadas de deserções rumo a outros endereços.

Santo André perdeu menos que São Bernardo porque o peso da atividade industrial de Santo André em forma de trabalhadores com carteira assinada é bem inferior. Santo André conta com apenas um terço de trabalhadores industriais de São Bernardo. Quem mais sofreu com os desarranjos de Dilma Rousseff foi a indústria. E a indústria paga os melhores salários, salários que viram potencial de consumo.

PERDENDO MAIS

São Bernardo sofreu desde o ano 2000 uma queda de 36,56% no índice de participação do Potencial de Consumo Nacional, como é formalmente definido pela Consultoria IPC o PIB de Consumo. Santo André caiu 21,44%. Tudo isso entre 2000 e 2023. A data-base é 1999.

Os números que você acabou de tomar conhecimento não dizem quase nada para o que vem em seguida. Damos corpo e alma aos dados, levando-se em conta a participação de quatro estratos socioeconômicos no balanço: famílias de classe rica, famílias de classe média tradicional, famílias de classe média precária e famílias de pobres e miseráveis.

Famílias de classe rica todo mundo sabe o que são. Como de classe média tradicional também. As duas são muito próximas em recursos disponíveis ao consumo. Claro que os ricos têm mais, mas no caso da região não são disparadamente inalcançáveis pela classe média. Ou não eram.

Já as famílias de classe média precária são aquilo que um cientista político de esquerda chegou a rotular de nova classe média do País, nos tempos em que o presidente Lula da Silva bombava em Brasília. Tratava-se apenas de uma onda passageira, que a realidade macroeconômica logo botou no devido lugar. São mesmo classe média precária, vivendo acima da classe de pobres e miseráveis e na franja inferior da classe média tradicional.

CAINDO PELAS TABELAS

São Bernardo ostentava dados discretamente melhores que Santo André até 1999, mas daí em diante, sobretudo com Dilma Rousseff em campo, tudo virou do avesso. A então presidente da República provocou a maior recessão da história da região ao longo de séculos. Perdemos 20% do PIB Tradicional, o Produto Interno Bruto. Praticamente três vezes mais que a perda do País. Não ficou pedra sobre pedra. Foram dois anos (de 2015 e 2016) que comprometeram as duas décadas deste século. E São Bernardo automotiva sofreu os diabos.

Em 1999, portanto antes do novo século começar, São Bernardo contava com mais famílias de classe rica que Santo André: 9,95% a 6,49%. Esse resultado é a divisão do total em valores absolutos de famílias ricas pelo total de moradias.

Em 1999 São Bernardo contava com 18.823 moradias de classe rica, ante 11.188 de Santo André. O total de residências de todas as classes em São Bernardo era de 180.086 unidades, enquanto em Santo André eram 172.243.

DADOS EM DETALHES

Vinte e quatro anos depois, os ricos de São Bernardo não passam de 4,87% do total de moradias, ante 5,28% de Santo André. Em números absolutos, São Bernardo sofreu perda de 3.835 moradores de classe rica e passou a contar com 14.988. Como o total de residências de São Bernardo passou para 307.497, a queda para 4,87% foi consequente.

Em Santo André o desencaixe foi menos impactante. Em 2023, as famílias de classe rica de Santo André somaram 15.597 unidades, ou seja, 4.409 a mais que os dados de 1999. Não foi possível evitar a queda de participação relativa. O universo de moradias de todas as classes passou para 295.352.  Mas a queda foi inferior a de São Bernardo. Agora são 5,28% famílias ricas para cada 100 moradias da cidade.

Os dois municípios também perderam participação relativa nas famílias de classe média tradicional, mas de novo Santo André foi menos problemática. Em 1999 eram 33,46% (57.631) do total de moradias, enquanto em 2023 são 31,37% (92.645), com participação de 31,37%. São Bernardo caiu de participação relativa de 36,45% para 28,45% na classe média tradicional. Eram 57.631 residências em 1999 e passou para 87.498 em 2023. A queda relativa se dá pelo universo de moradias de São Bernardo em 1999 e 2023.

Quando se somam os dois estratos de maior porte econômico, Santo André passou de 39,95%v para 36,65% de residências de classe rica e classe média tradicional. Já São Bernardo saiu de uma participação relativa de 46,40% para 33,32%. Santo André caiu 3,30 pontos percentuais, enquanto São Bernardo tomou um tombo muito maior, de 13,08 pontos percentuais.

CLASSES POPULARES

Nas duas classes sociais menos abastadas, ou comprometidas, a classe média precária e a classe de pobres e miseráveis, também houve forte modificação de participações relativas envolvendo os dois municípios.

Santo André saiu de uma soma de 60,04% em 1999 para 63,35% em 2023. Já São Bernardo saiu de 47,03% para 66,68%. Santo André teve resistência das duas categorias aumentadas em 3,31 pontos percentuais, enquanto São Bernardo saltou para 19,65%.

A classe média precária de Santo André em 1999 correspondia a 36,92%v do total de residências, enquanto a classe de pobres e miseráveis contava com 23,12%. Já em São Bernardo, em 1999, eram 32,46 de classe média precária e 14,57% de pobres e miseráveis.

Vinte e quatro anos depois, e Dilma Rousseff no caminho, a classe média precária de Santo André somava 49,62% do total de residências, enquanto pobres e miseráveis eram 13,73%. Já em São Bernardo, a classe média precária passou para 48,95% e os pobres e miseráveis reuniam 17,73%v do total de residências.

Ainda temos muito a avançar sobre o PIB de Consumo da região. Quem não entender o que se passa com os bolsos e os cofres dos moradores da região não compreenderá as durezas dos prélios pela frente.

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