Economia

Exclusivo: Grande ABC
real em três dimensões

  DANIEL LIMA - 15/03/2024

Se você acha que mora no chamado Grande ABC ou ABC Paulista de efervescente dinamismo econômico é certo que você está se enganando. Já escrevi muito sobre as novas realidades que se impuseram e se impõem neste século, mas hoje faço uma divisão estatística, por assim dizer, que não deixa pedra sobre pedra a eventual dúvida.

Somos um Grande ABC-3, por assim dizer. Vou ser breve, porque esse assunto será esmiuçado na medida do possível nos próximos tempos. O voo é panorâmico, hoje. Mas o será mais rasante proximamente.

O Grande ABC-1 é o que terminou em 1999. O Grande ABC-2 está restrito ao período de 2000 a 2023. E o Grande ABC-3 é o Grande ABC desde sempre, do começo de tudo, lá atrás. Esses conceitos precisam ser observados atentamente.

O Grande ABC-2 deste novo século, que começou no ano 2000, é uma parte suplementar do Grande ABC-1 que terminou em 1999. Repito: marque bem essas duas datas, que explicam o Grande ABC-3.

QUASE 400 MIL

O Grande ABC-1, de 1999, reunia 619.205 famílias. O Grande ABC-2, de 2000 a 2023, ou seja, deste século, conta acréscimo de 386.396 famílias do total acumulado de 1.005.600 famílias do Grande ABC-3. Repito: um crescimento de 386.395 residências ocupadas. Esse específico gigantismo demográfico equivale à soma das famílias residentes em quatro municípios da região: Mauá, Diadema, São Caetano e Rio Grande da Serra.

Se você parar para pensar um pouco sobre o gigantismo de complicações inserido nessa toada de crescimento populacional, provavelmente haverá de convir que seria necessário muito mais apetrechamentos de compromisso dos gestores públicos para enfrentarem os desafios. Imagine então essa demanda social em velocidade de Fórmula-1 contraposta ao processo de desindustrialização, a uma velocidade muito aquém da média nacional, como já expusemos em análise específica.

Então, ficamos combinados. O Grande ABC-1 acabou em 1999 e o Grande ABC-2 começou em 2000 e desconsidera o Grande ABC-1. Preste atenção à pergunta que se segue: quer saber a diferença que separa o poderio econômico do PIB de Consumo entre uma região e outra região, embora as duas regiões de fato sejam apenas uma, juntas e misturadas na realidade, mas, nesse caso específico, separadas para que se tenha a dimensão exata do que estamos nos tornando? Vamos em frente.

DOIS PERÍODOS

O Grande ABC que acabou em 1999 contava com 6,17% de famílias de classe rica, 31,37% de famílias de classe média tradicional, 38,23% de famílias de classe média precária e, completando, 24,22% de famílias de classe pobre e miserável.

No bolo nacional do PIB de Consumo, especialidade da Consultoria IPC com dados oficiais de diferentes organismos federais, o Grande ABC-1 contava com 2,2840%. Ou seja: de cada R$ 100,00 disponíveis para consumo no País, o Grande ABC-1 detinha R$ 2,2840 em 1999.

Agora pegue o Grande ABC-2, o Grande ABC restrito a estes 23 anos de novo século, levando-se em conta somente as participações relativas do excedente de quase 400 mil novas famílias que ocupam os sete municípios. A classe média precária chega a 49,84% dos moradores, a classe de pobres e miseráveis chega a 17,64%, a classe média tradicional é composta de 22,72% e a classe rica não passa de 0,59%.

De novo, sugiro que guarde bem esses dados. Mais que guardar, menorize, mantenha-se atento ao que estou expondo. Não deixe que o enganem com falácias.

MENOS EXCLUÍDOS

Reparem que a classe de pobres e miseráveis do Grande ABC deste século é menos numerosa que a classe de pobres e miseráveis do século passado. Caiu de participação relativa familiar de 24,22% do Grande ABC-1 para 17,64% do Grande ABC-2.

Não se trata de fenômeno e muito menos de especificidade. O Brasil como um todo (e há locais que tiveram quedas muitos maiores, porque eram mais pobres e miseráveis) foi socorrido por programas sociais diversos, após a massificação do Bolsa Família e congêneres estaduais e federais.

Temos muito menos pobres e miseráveis no Grande ABC-2, deste século, do que o Grande ABC-1 do século passado. O Grande ABC-3 também foi beneficiado. Essa é uma boa notícia. E não se pode deixar de lembrar que foi Lula da Silva, no primeiro mandato, quem meteu a mão da solidariedade na massa da exclusão social ignorada pelos tucanos.

PRECARIZAÇÃO SOCIAL

Também explodiu neste século a categoria de classe média precária. Eram 38,23% no século passado e, quando se conta apenas o excedente populacional-residencial deste século, saltou para 49,84%. A explicação também é razoavelmente simples: muita gente deixou a caixinha de classe pobre e miserável do Grande ABC-1 e saltou para um novo estrato socioeconômico, a classe média precária, no Grande ABC-2.

Essa expressão “classe média precária” é minha. Para que não confundam com classe média tradicional, da qual se distancia um bocado. Classe média precária é a família que está com um pé mais próximo da classe pobre e miserável do que da classe média tradicional. É em larga escala a turma que ultrapassou os limites do Bolsa Família e assemelhados. Também muitos dos ocupantes do estrato de classe média precária veio da classe média tradicional. Mobilidade social reversa é isso.

CLASSE MÉDIA

A classe média tradicional da região do século passado, do Grande ABC-1, contava com participação relativa no total de residências de 31,37%. Neste século, sempre contando com apenas o excedente populacional no período, do Grande ABC-2, de quase 400 mil famílias, chega a 22,72%. Uma diferença de mais de 10 pontos percentuais. Ou um tombo de 27,57% entre um período e outro. O resultado é o Grande ABC-3.

Completando, a classe rica do Grande ABC-1, do século passado, representava 6,17% de todas as moradias da região. Entre as quase 400 mil moradias da região neste século, o Grande ABC-2, a participação relativa da classe rica não chega a 1%. Precisamente, 0,59%.

Resumindo a história: o Grande ABC-1, do século passado, mesmo que nas duas últimas décadas tenha desabado em produção e acumulação de riqueza, era muito mais brilhante, por assim dizer, que o Grande ABC-2, deste século e, consequente, que o Grande ABC-3.

GRANDE ABC DE HOJE

A soma dos dois períodos, que resulta no Grande ABC-3 que temos, é evidentemente menos dramática que o Grande ABC-2. Os dados exclusivamente de ocupação demográfica deste século, aquelas quase 400 mil famílias adicionais em relação ao que tínhamos até 1999, reduzem os pontos positivos.  

Desta forma, os pobres e miseráveis, no cômputo geral do Grande ABC-3, são 17,63% do total de moradias, os ricos são 4,02%, a classe média tradicional registra 28,04% e a classe média precária alcança 49,89%. Esse é, portanto, o Grande ABC que temos.  

Vamos voltar ao assunto porque o Grande ABC de duas realidades que formam uma terceira realidade não pode continuar a se iludir com o passado que foi passado e nem com o presente que segue em frente como fantasma permanente. Essa tridimensionalidade precisa ser compreendida à luz da inteligência, da humildade e do trabalho.

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