Economia

O que os metalúrgicos
foram fazer na China?

  DANIEL LIMA - 05/03/2024

A informação passada ontem pelo Diário do Grande ABC dando conta de que uma missão de sindicalistas metalúrgicos de São Bernardo está na China para trazer empresas a São Bernardo, entre outras tarefas, tem o mesmo significado de a Associação dos Alcoólicos Anônimos programar para uma fazenda-alambique a próxima convenção terapêutica. Não dá certo. Pode apostar.

Trazer empresas chinesas para São Bernardo tem o mesmo sentido de entregar a chave de uma Ferrari a um meliante profissional. Não vai dar certo.

Ou então sugerir que o cardápio consagrado de um restaurante badalado como meca da feijoada possa ser substituído do dia para a noite pela culinária italiana. A clientela tradicional vai sumir e a potencial nova vai demorar a entender o que se passa. Não vai dar certo, também.

Não existe nexo na proposta dos sindicalistas, exceto se o Brasil do governo Lula da Silva cada vez mais afinado com os chineses fizer um acordo de cooperação e o Grande ABC se torne enclave de políticas públicas daquele capitalismo de Estado, em detrimento das demais regiões do Brasil. Uma guerra fiscal de olhos rasgados e coração embrutecido. Ou seja: teríamos fábricas Made in China na região. Quem acredita nisso?  

FATORES DETERMINANTES

Até que uma fabriquinha em forma de boa-vizinhança não estaria descartada, seja de veículo elétrico, seja de bateria, mas nada que resolva. Mais que isso: só provocaria encrenca.

Mesmo considerando que o Brasil não é lá essas coisas em matéria de capitalismo produtivo, porque o peso fiscal do Estado reduz o potencial exatamente porque obriga as empresas a contornarem os obstáculos à rentabilidade e escala dos negócios, mesmo se levando isso em conta, o capitalismo verde e amarelo tem camadas distintas do que os chineses impõem cada vez ao mundo.

Os chineses utilizam o fator mão de obra barata e farta e Estado interventor para avançar em tecnologia da manufatura. Tanto que veículos elétricos estão fora do mapa dos norte-americanos, castrados por regime aduaneiro dos democratas de Joe Biden. Sem contar que também na Europa provocam calafrios. A dinâmica civilizatória sofreria corrosão ante a avalanche invasiva. Os chineses têm passivo social elevadíssimo que, para ser reduzido, afeta outras nações. Não à toa exportações dominam o mercado automobilístico na América do Sul. E crescem cada vez mais.

MUITO DESPREPARO

Como introduzir essa intervenção em favor da região se o próprio governo Lula da Silva está abrindo as pernas e muito mais aos chineses que arreataram o terreno abandonado pela Ford na Bahia e constroem uma megafábrica de veículos elétrico, da BYD, que promete arrasar com a concorrência nacional? Ainda mais que o governo oferece todas as vantagens de guerra fiscal adicional no Nordeste e Centro-Oeste, em detrimento, entre outros lugares, do próprio ABC Paulista, outrora Grande ABC.

Os sindicalistas da região devem estar mal-informados ou surdos quando não cegos, para não dizer alienados, ao propagarem investimentos para a região, dando à notícia ares transformadores. Uma região que, como bem cunhou o médico e dirigente empresarial Fausto Cestari, contabiliza o Custo ABC agregado ao Custo Brasil e por essas e outras não aguenta uma concorrência nos moldes mais civilizados possíveis, quanto mais de um regime político-econômico pouco transparente.

Sindicalistas viajantes não se deram conta de que passam pelo ridículo ao informarem tamanha bobagem porque, ainda salvo um regime político e econômico que não se confundiria com o que praticam os chineses, a competitividade regional é uma lástima frente a concorrentes nacionais, quanto mais a capital estrangeiro que ignora regras já consagradas no campo trabalhista e também social.

NEGANDO O PASSADO

Como é possível acreditar que a missão dos sindicalistas seja mesmo alguma coisa que não beire à loucura e a negação de tanto que já pintaram e bordaram na região quando embates entre capital e trabalho, além de benefícios de classe, também causaram perdas ao conjunto da sociedade?

Ou alguém vai dizer que o movimento sindical e seus intensos ataques ao capitalismo internacional sediado no País, principalmente, porque as montadoras de veículos eram o alvo principal, não contribuíram para liquidar com pequenos e médios negócios industriais familiares? Quem conhece a história da região e não integra o time de cínicos sabe disso. Tudo foi colocado e empastelado no mesmo pacote de exigências trabalhistas.

Basta recordar um dos muitos casos para que leitores menos atentos entendam o conjunto histórico de dilacerações empresariais. Sob a liderança de Claudio Rubens Pereira num regime de comunicação via faxes fax e outros apetrechos rudimentares para os dias de hoje, foi criada a Associação das Pequenas e Médias Empresas, em Santo André. Anapemei, como era conhecida.

Chegou-se a contar com quase 200 empresas associados no período mais bravio das greves dos metalúrgicos. Em poucos anos, não restava uma empresa associada sequer, porque para ser associada era preciso existir. E todas foram extintas ou se escafederam. Fernando Henrique Cardoso colaborou muito durante oito anos de privilégios às montadoras e impiedosa abertura econômica às pequenas e médias autopeças.

ATIVOS E PASSIVOS

Voltando à ação sindical, a pauta de reivindicações às montadoras e grandes autopeças era furiosamente repassada a todas as empresas do setor, independentemente do tamanho. O custo da mão de obra para as grande empresas não passava de um quinto do impactado às pequenas, por conta de escala e faturamento. Quem não se mandou da região pereceu na região.

A cegueira analítica de tratar o movimento sindical como pérola de humanismo e compreensão é tão condenável quando negar o poder de transformação dos trabalhadores nos chãos de fábricas. Há um meio termo de razoabilidade que não pode ser descartado. E no frigir dos ovos de um balanço histórico, os danos são maiores que os ganhos porque a concorrência fora da região aproveitou-se do banzé para fazer a festa.

É assim historicamente no mundo que o capitalismo se vira nos trinta para manter-se competitivo. Os chineses são competitivos com ações muito mais viscerais. A costa larga do Estado centralizador garante a carnificina.

TERRITÓRIO HOSTIL

O Grande ABC é visto como território hostil ao capital entre outras razões porque se tornou sinônimo de ações claramente desestabilizadoras ao Desenvolvimento Econômico de regime capitalista.

Tanto é verdade que os números estão aí. Contamos com apenas 10% do PIB Nacional Automotivo e internamente, embora a atividade seja predominante, as perdas efetivas e relativas fragilizaram os cofres públicos e esgotaram o processo então invejável de mobilidade social. Não estamos descendo ladeira abaixo do PIB per capita estadual por acaso.

Produzimos hoje muito mais pobres e miseráveis do que riquezas. E olhem que pobres e miseráveis só não são em maiores contingentes porque há Bolsa Família a socorrê-los.

MUNDO-CÃO

A comitiva de sindicalistas à China é tão esdrúxula que possivelmente eles seriam tratados como terroristas de verdade, não aqueles baderneiros do Oito de Janeiro, se levassem debaixo do braço pautas de negociações comumente impostas às empresas que restaram na região, notadamente em São Bernardo e, particularmente, do setor automotivo.

Como imaginar, portanto, capacidade de sedução à vinda de empresas asiáticas ou conglomerados internacionais com raízes asiáticas se o mundo-cão do capitalismo chinês não resiste a um toque de civilização do Ocidente?

O que temos de fato e para valer é uma Operação Camicase porque, em sentido contrário, o presidente Lula da Silva, comandante do Sindicato dos Metalúrgicos antes que os anos 1980 chegassem, distribuí benefícios fiscais, quando não políticos e tudo o mais, aos investidores chineses da BYD.

Os sindicalistas da região deveriam estar preocupadíssimos com os estragos que vão impactar a região quando do elétricos híbridos ou não tomarem conta de nossas ruas e estradas, como se insinua.

A incorporação dessa nova tecnologia obrigará profundos cortes de custos nas redes de autopeças. Os efeitos serão devastadores.  Bem diferente do que teremos na Bahia, por exemplo, endereço no qual não existe base automotiva que impeça regalias e privilégios sem causar complicações às empresas já instaladas.

A região paga o preço do pioneirismo de instalação e das guerrilhas entre capital e trabalho, sempre com o Estado guloso a usufruir da divisão com carga de impostos extorsiva no setor. Justamente como senha para vender facilidades como a chamada Nova Política Industrial. Esse filme é antigo, desgastado e só engana mesmo os ruins da cabeça e doentes dos pés.

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