Economia

Minha Casa, Minha Vida;
Meu Negócio, Meu Bolso

  DANIEL LIMA - 26/02/2024

O IBGE divulgou sexta-feira, entre novos indicadores do Censo do ano passado, uma espécie de ranking da verticalização de imóveis residenciais. Não faltam dados que a imprensa em geral explorou. Só escapou o principal, tanto para um quanto para outro: a verticalização residencial que aumenta a cada ano é um exemplo do que existe de pior envolvendo o capitalismo selvagem e o Estado perdulário. Propina é moeda de troca que faz milionários dos dois lados. Rebaixamento da qualidade de vida é o substrato da gulodice desenfreada.

São milionários da pior espécie dos dois lados do balcão de negociatas. Alguns passam por filantropos, quando de fato são pilantropos. Eles, os milionários dos dois lados, são parceiros inseparáveis. O toma-lá-dá-cá é permanente. Por isso, construir apartamentos é uma grande fonte de riqueza de capitalistas selvagens e agentes públicos indomáveis.

O que ocorre na região assemelha-se ao retrato das grandes e médias cidades, principalmente de regiões metropolitanas. A verticalização que ganhou as manchetes de jornais é resultado de duas operações simultâneas: o Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, e o Meu Negócio, Meu Bolso, de empreiteiras urbanas em forma de construtoras e incorporadoras, principalmente de grande porte e associadas a grupos de lobby.

EXCEÇÕES EXISTEM

É claro que nem tudo está perdido, que a verticalização precária não é resultado exclusivo de politicas paternalistas e descuidadas do Estado e também de empresários inescrupulosos.

Há muitos empreendedores que se salvam. Mas mesmo esses só querem mesmo é extrair vantagens que o Estado oferece, tanto em termos de subsídios para a construção de moradias populares, que representam 70% do mercado imobiliário, quanto de prefeitos e vereadores pusilânimes, que adoram entregar-se aos mercadores imobiliários. Não só se entregam como também os referenciam com honrarias.

Por essas e por tantas outras, ou seja, por patifarias entre o público e o privado, entre o Estado em forma de Governo Federal e municípios, não se deve esperar novidades no próximo Censo: além da dinâmica urbana exigir a construção de apartamentos, o interesse político em busca de alternativas de financiamentos irregulares impõe regras próprias a novas construções. É assim que a banda toca no Brasil metropolitano, principalmente. E a região não é nada diferente. 

CADA VEZ MAIS

Os dados do IBGE revelaram que em 2022 a região contava com 141.028 apartamentos adicionais ao balanço de 2010, chegando ao total de 941.201 pessoas que viviam em 274.195 unidades e 1,7 milhão em 707.135 casas. Os demais moravam em outros tipos de domicílios, como casa de vila ou em condomínios, estruturas residenciais permanentes, degradas ou inacabadas, entre outras modalidades.

O que se deixou de informar entre outras razões porque o mercado imobiliário é um dos maiores anunciantes de jornais, quando não um dos últimos a recorrer à mídia impressa, é que tanto no caso da região como do Brasil dois modelos jogam a qualidade de vida na lata do lixo.

No caso dos empreendimentos dirigidos à classe mais abastada ou classe média, de apartamentos bem localizados, sempre próximo dos melhores empregos e atrações da vida cotidiana, há muita pressão do mercado imobiliário por flexibilização do uso e ocupação do solo. A palavra mágica é verticalização.

TRUQUE LUCRATIVO

E cada vez mais se acentua a liberação de apartamentos que ganham às alturas, enxugam a metragem média e comprometem a infraestrutura física pública, principalmente de logística urbana. Os terrenos bem localizados exigem facilidades, Os planos diretores criam cada vez mais áreas flexíveis que industrializam apartamentos por metro de terreno. Só com essa virada de mesa ganha-se muito porque o estoque de terra já contratada a preço sob condições de mercado anteriores salta de valor em forma de adicional substantivo de unidades lançadas.  

Os gabaritos são alterados justamente para multiplicar a construção de unidades. Trata-se de operação duplamente lucrativa. Tanto se ganha relativamente ao custo do terreno quanto na flexibilização de apartamentos. Nem por isso os preços médios de metros quadrados resistem à especulação. Para caber no bolso da classe média, a saída mesmo é reduzir o tamanho de cada apartamento.

ESCANDALOS SUFOCADOS

Quem conhece a ocupação de condomínios verticais na região sabe quantas operações suspeitas já foram consumadas sem qualquer contratempo judicial de monta. O Semasa de Santo André liberou geral no final da primeira década deste século a ponto de um ex-superintendente declarar que havia dezenas de torres residenciais completamente fora da legalidade, invadindo, inclusive, áreas ambientalmente protegidas.

Um escândalo estourou, houve julgamentos e penalidades, mas muito deixou de ser apurado. E tudo foi retomado. Falta interesse e também escasseiam recursos físicos e técnicos para desbaratar quadrilhas. O Ministério Público faz pouco nessa área. Denunciar é perda de tempo. O marco zero da incapacidade de apuração é antigo e resistente.

Por essas e outras não é exagero a comparação que coloca nos mesmos patamares as empreiteiras de obras de governos em geral e construtoras e incorporadoras de imóveis residenciais verticais. As grandes companhias punidas, mas nem tanto, pela Operação Lava Jato, ganhariam parceiras de crimes se fossem igualmente inspecionadas. 

FARRA GENERALIZADA

A verticalização imobiliária é uma farra quase generalizada. Uma mexida qualquer na legislação urbana pode transformar um médio construtor em grande construtor. Esse é um nicho frequentado por poucos empresários. É preciso ter laços fortes com agentes públicos. Meu negócio, Meu Bolso, é o melhor resumo dessa manobra mais que consagrada e impune, quando não levada a homenagens nos legislativos servis.

Já o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, também jamais passou por investigação abrangente, continuada e rigorosa para apurar o quanto de dinheiro subsidiado é desviado.

Até agora nada menos que 15 milhões de brasileiros se beneficiaram de uma iniciativa que tem a cartilagem de ação social lançada pelo presidente Lula da Silva durante o segundo mandato, mas que não passa de osso duro de roer quando vista de perto.

A maioria dos imóveis de Minha Casa, Minha Vida, é de baixa qualidade, entopem a periferia de demandas por infraestrutura de serviços públicos e colocam os moradores longe dos postos de trabalho, de escolas, de estabelecimentos de consumo. Exigem, portanto, redobrada atenção também no setor de transporte público.

MUITOS ESCÂNDALOS

Dois dias antes da divulgação da pesquisa do IBGE, por exemplo, o site da revista Veja publicou o um título sintomático: “Fraudes no Minha Casa, Minha Vida lideram o ranking de investigações no MP”. Alguns trechos da matéria:

 A fraude na lista de beneficiados é o problema mais comum encontrado pelo Ministério Publico Federal (MPF) no programa habitacional Minha Casa Minha Vida – bandeira eleitoral da presidente Dilma Rousseff.  Este é o resultado de um levantamento feito com as investigações abertas pelo MPF. Desde o lançamento do programa, em 2009, durante o governo Lula da Silva, os procuradores abriram 224 procedimentos, dos quais 82 são sobre as fraudes de cadastro. O segundo problema mais comum é a corrupção com o pagamento indevido de vantagens a servidores públicos. Há 26 procedimentos abertos sobre o tema.  A lista ainda inclui financiamentos irregulares, imóveis entregues em mau estado, questões ambientais, entre outros. Parte dos procedimentos virou ação civil pública. Ainda não há conclusão dos casos na Justiça – escreveu a Veja.

MAIS ESCÃNDALOS

Quem acha que a roubalheira incrustrada no Minha Casa, Minha Vida (e no Meu Negócio, Meu Bolso) é recente provavelmente não se deu conta de dezenas de casos já registrados. Em abril de 2016, por exemplo, a Polícia Federal deflagrou a Operação Cabala, para combater fraudes em financiamentos imobiliários da Caixa Econômica Federal. A corporação investigou um grupo que teria causado prejuízo de cerca de R$ 220 milhões ao banco estatal, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. Foram investigadas construtoras, empregados do banco, contadores, servidores públicos e compradores de casas. (...) Segundo a PF, as investigações apontavam que empresas construíram quase duas mil casas no município de Teotônio Vilela (AL) e as venderam, utilizando-se do subsídio oferecido pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Os donos das empresas envolvidas teriam oferecido dinheiro para que as casas incluíssem essa vantagem indevida no valor venal dos imóveis. “Conforme constatado, os mutuários, compradores das casas, não teriam renda suficiente para conseguir financiamentos imobiliários. Eles só aceitaram comprar as casas porque lhes foi prometida uma vantagem financeira (valores de R$ 1 mil e R$ 3 mil) para a compra das casas construídas. Um conjunto residencial inteiro, no município de Teotônio Vilela, foi depredado pelos compradores, em razão de os vendedores (construtores) não terem entregado o dinheiro prometido para compra desses imóveis”, informa nota da PF.

OUTRO ESCÂNDALO

Também é de 2016 a notícia de que o TCU (Tribunal de Contas da União) via fragilidade na fiscalização do programa. A noticia também foi publicada pelo Estadão, depois de o TCU anunciar que viu uma série de fragilidades no processo de gestão e fiscalização do programa. 

 O diagnóstico é resultado de uma auditoria aplicada sobre os contratos do programa firmados entre 2009 e 2014, os quais somam R$ 8,212 bilhões de recursos do FGTS, geridos pela Caixa. (...). Os auditores apontaram falhas graves, como precariedade nos controles internos usados na terceirização das avaliações e limitações técnicas para fazer o acompanhamento das obras. (...). No processo, o ministro relator Wider de Oliveira menciona a existência de empresas responsáveis por um número excessivo de avaliações de imóveis, o que pode comprometer a qualidade dos serviços prestados. “Cita-se como exemplo a avaliação de 286 imóveis eis, no período de 30 dias, por uma única empresa, a qual dispõe de só um profissional habilitado no Sistema de Gestão de Desenvolvimento Urbano (Sigdu) para executar os serviços”, declarou Oliveira em seu voto. “Além de a qualidade das avaliações estar comprometida, o sistema não permite identificar as operações incluídas no programa”.

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