Economia

Quem vai combater capitalismo
selvagem do setor imobiliário?

  DANIEL LIMA - 19/11/2021

Quem preparar um ranking de atividades econômicas identificadoras de capitalismo selvagem emblematicamente persistente, quando não impune, não pode jamais deixar de instalar o mercado imobiliário entre os primeiros dos primeiros. O Índice FipeZap, que a grande mídia divulga persistentemente, é a expressão-símbolo do quanto se manipulam os dados e se subvertem princípios básicos das relações econômicas.  

A moeda que corre no mercado imobiliário é diferente da moeda nacional e mesmo do dólar. A especulação é muito maior e sanguinária. Deixa milhares de famílias à deriva, como ocorreu na mais recente recessão produzida no governo Dilma Rousseff.  

A inadimplência provocada por um falso crescimento econômico foi letal. Bancos comerciais passaram a deter imensos estoques de imóveis devolvidos. Até que mudaram as regras do jogo para favorecer empreiteiras urbanas. Quem se danou e vai se danar ainda mais são os compradores de imóveis, esses incautos bois de piranha.  

Desgaste esquecido  

O jornal Valor Econômico de hoje e O Globo de outro dia, entre várias mídias, dão ênfase aos resultados do mercado imobiliário nas principais praças nacionais em outubro. Dá-se o drible da vaca nos consumidores de informação, como em tantas outras ocasiões.  

A inflação recorrente destes tempos pós-pandêmicos é simplesmente esquecida ou dissimulada no noticiário. Trata-se, o Brasil, na exposição da FipeZap, de uma expressão territorial especial no mundo dos negócios. Ou deveria se pensar diferente quanto um fator decisivo à avaliação de qualquer coisa, mesmo que seja uma coisa qualquer, no caso o desgaste da moeda-pátria, é jogada no lixo? Ou guardada num cantinho do noticiário como se não tivesse a menor importância.  

Autenticidade mantida  

Recorrendo a uma fórmula repetitiva mas indispensável para provar que não se trata de imprecisão, tampouco de enganação, muito menos de enrolação, vamos aos fatos. Vou reproduzir os principais trechos da matéria publicada hoje no Valor Econômico, sob o título “Valor dos imóveis residenciais teve alta de 0,4% em outubro”. Vamos lá, então: 

 O preço médio dos imóveis residenciais à venda em 50 cidades brasileiras apresentou elevação de 0,43% em outubro na comparação com o mês anterior. É o que aponta o Índice FipeZap para o período, em relatório divulgado no início de novembro. Do total de cidades monitoradas, 44 registraram aumento de preço nos imóveis. Dentre as capitais com maior variação positiva estão Maceió (1,58%), Vitória (1,46%), Curitiba (1,31%) e Goiânia (1,15%). Já nos principais mercados do país – Rio de Janeiro e São Paulo --, a mudança foi mais tímida: 0,12% e 0,19%, respectivamente. Porto Alegre foi a única capital que registrou queda de 0,07%.  

Finalmente apareceu  

Agora, leitores, prestem atenção, porque finalmente aparece, com toda discrição possível, um adendo omitido no título, na manchete, e que, portanto, transforma uma notícia em fake news, porque engana consumidores de informação. Leiam os próximos parágrafos do Valor Econômico: 

 Entretanto, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acelerou para 1,25% em outubro, o maior índice para o mês desde 2002 (1,31%), segundo dados divulgados pelo IBGE em 10 de novembro. Esse resultado reflete uma queda real de 0,82% no Índice FipeZap. Com o percentual de outubro, o IPCA acumula alta de 8,24% no ano e de 10,67% nos últimos 12 meses. No horizonte de outubro a outubro, o Índice FipeZap apresenta avanço nominal de 5,18%.  

Perdendo valor  

Tradução da farsa informativa, ou da informação imprecisa: nos últimos 12 meses o indicador imobiliário mais conhecido do País apresentou queda real, quando se considera a inflação do período, superior a 3%. Um péssimo investimento, convenhamos que, como se sabe, não se restringe a apenas 12 meses no mercado imobiliário residencial.  

No Grande ABC a situação é muito pior. O Clube dos Construtores sonega informações, quando as tem, ou as edulcora, quando tem folga para especular.  

Mas, continuemos com o noticiário do Valor Econômico de hoje: 

 Vale ressaltar que, assim como no balanço parcial até o mês passado, todas as capitais monitoradas pelo índice registraram elevação nominal no preço médio de venda nos últimos 12 meses.  (...) De acordo com os anúncios dos imóveis residenciais à venda nessas cidades que se destacaram no mês passado, o preço médio do metro quadrado ficou em R$ 7.799. São Paulo foi a capital onde o custo das residências ficou mais elevado: R$ 9.640 o metro quadrado, seguido do Rio de Janeiro.  

Virtual e real  

Esse complemento de informação do Valor Econômico também merece restrição. O preço do metro quadrado divulgado nos anúncios não corresponde ao preço de venda efetiva. Há estudos oficiais que colocam uma diferença de pelo menos 15% entre o ofertado e o consumado. Ou seja: o valor do metro quadrado referenciado pelo índice é igualmente uma armadilha, porque se configura como especulação de um mercado geneticamente especulativo.  

Não custa ressaltar que o capitalismo selvagem do mercado imobiliário é um filho bastardo do capitalismo selvagem nacional que por sua vez conta com a força motriz dos meios de comunicação subservientes à propagação de negócios enganosos e ruinosos que impactam diretamente os adquirentes.  

A lógica é perversa porque amadores (os contribuintes), que em média adquirem imóvel uma única vez na vida (e na morte) são gloriosamente sabotados pelo ecossistema imobiliário.  

São conhecidíssimas as batalhas que travei e ainda travo no Grande ABC com os mentirosos de plantão que se utilizam não só de preços especulativos para dar um nó nos crédulos comparadores.  

Não falta no mercado imobiliário regional uma combinação perversa que envolve empresas do setor, autoridades públicas e autoridades de outros calibres. O jogo é pesado. Há uma infinidade de iniciativas fraudulentas para enriquecimentos ilícitos.  

Concreto flexível 

Quem tiver o cuidado de conferir a metragem anunciada de apartamentos negociados e a metragem real de apartamentos ocupados provavelmente terá a surpresa de constatar que foram ludibriados por mágicos de flexibilidade de concretos armados, de argamassas e tudo o mais. O que era mais virou menos na contagem final de metragem efetiva. Algo como comprar um quilo de carne e levar 900 gramas. A diferença é que a diferença é eterna. Dura por toda a vida de financiamento imobiliário.  

Os mesmos jornais que se dedicam a colocar lupas no noticiário político e em tantas outras informações (o que é um salto de qualidade, embora por motivação nem sempre nobre) deveriam fazer o mesmo com os agentes econômicos perversos nas relações com a sociedade. O caso do índice imobiliário em questão é paradigmático.  Não falta Inteligência Artificial para detectar os criminosos.  

A sugestão é uma medida salutar entre outras razões porque estabeleceria um divisor de águas entre os empreendedores éticos e os empresários delitivos. Quem tem coragem de botar o guizo no pescoço do gato?  

Nova configuração 

Para completar -- e de forma tangencial -- não custa sugerir representação do mercado imobiliário com lastro ético no projeto em articulação cuja finalidade é construir um novo modelo de relações institucionais num Grande ABC, espaço territorial que precisa encontrar o caminho da roça do Desenvolvimento Econômico livre de amarras já cansadas de guerra.  

O movimento que está na fase de aquecimento não deverá se perder nas brumas de inutilidades setoriais que jamais saíram da mesmice porque vivem da mesmice.  

A região precisa de reformismo para valer. Recorrer a insígnias não contribuirá necessariamente a resoluções que já tardam. Há gente qualificadíssima fora das quatro linhas do quadradismo oficial de entidades que, em muitos casos, não passam de peças decorativas entre outras razões porque o pensamento uníssono de grupos estabelecidos é uma perdição a mudanças.

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