Economia

MARCELO E RAFAEL,
DUPLA DO BARULHO

  DANIEL LIMA - 03/06/2025

O prefeito Marcelo Lima e o secretário Rafael Demarchi formam uma dupla do barulho econômico. E bota barulho nisso. Também formam uma dupla do baralho político. É uma fanfarra de incompatibilidades entre o anunciado e o dia seguinte de resultados que sempre chegam. Marcelo e Rafael são reféns de uma promessa-garantia de 100 mil empregos em quatro anos. Metade já seria um risco enorme.

Marcelo e Rafael estão acorrentados num exagero que colide com qualquer perspectiva de sucesso. O passado condena o espetaculoso horizonte. Por isso, acabam de sair nas redes sociais. Anunciaram a chegada da Shopee como espetáculo histórico. 

A Shopee não é uma empresa qualquer. É uma gigante chinesa do comércio eletrônico mundial que avilta o mercado de trabalho na ditadura asiática e que no Brasil esparrama guerra de preços e concentração de poder em detrimento do comércio e da indústria que enfrentam carga tributária e trabalhista escorchante. Esse é o lado obscuro da Shopee que a mídia geralmente esconde e agentes públicos condescendente, quando não ignorantes, aplaudem.

NO ANO PASSADO

Mas não para por aí a barulheira insensata de Marcelo Lima e de Rafael Demarchi. Eles trombeteiam que tudo se deve a ações da Administração que assumiu em janeiro. De fato, uma coisa não tem nada a ver com a outra. O oportunismo de negócios dos chineses está longe do marco inicial da gestão de Marcelo e Rafael.

A chegada da Shopee foi decidida muito antes disso, ano passado, durante a gestão de Orlando Morando. Isso também não significa que o então prefeito tenha tido influência visceral na decisão dos chineses. Os chineses decidem os espaços que vão ocupar sem que supostos donos dos pedaços a serem ocupados saibam. E quando sabem, festejam acriticamente.

Acontece que a chegada de grandes empresas de comércio eletrônico e divisões de distribuição de produtos passa muito longe do Poder Municipal. É claro que relações institucionais sempre ajudam, mas no caso da Shopee e de outros portentos do ramo, o que interessa mesmo é a logística de distribuição, escrutinada por especialistas sem a menor intimidade com políticos e agremiações políticas. É receita líquida que interessa.  

LOGÍSTICA E LOGÍSTICA

Logística de distribuição não tem nada a ver com logística de produção. São mundos diferentes. Às vezes se entrelaçam, mas muito especificamente. O problema é que tanto o prefeito quanto o secretário, que prometeram 100 mil empregos em quatro anos de mandato, querem mostrar ao distinto público que estão ativos. Por isso exageram.

Tanto exageram que anunciam cinco mil contratações da Shopee até o fim deste ano. É melhor desconfiar. Rafael Demarchi prometeu outros 25 mil num Centro de Distribuição na Via Anchieta, onde a fábrica da Ford que gerava riqueza em forma de salários, impostos e tudo o mais, se escafedeu.

Rafael Demarchi gosta de excessos. E o faz como se fosse um centroavante que bate uma penalidade máxima sem goleiro. Ou seja: fala com a convicção dos imaturos.  

A Shopee (os documentos são fartos e públicos) decidiu desembarcar em São Bernardo em meados do ano passado, E chega da mesma forma que shoppings e supermercados começaram a ocupar o território do Grande ABC no fim dos anos 1980, começo dos anos 1990. O Shopping Mappin foi o primeiro.

MASSA CONSUMIDORA

Ninguém do ramo de negócios de consumo de massa despreza uma população que agora chega a quase três milhões de habitantes. Toda essa gente também é cliente e pagadora de impostos.

Esse é o segredo do babado que o prefeito Marcelo Lima e o secretário Rafael Demarchi procuram mistificar. Segredo é sarcasmo. Quem entende de economia sabe que gente consome e quanto gente consome, sobram arquitetos do consumo para preencher os espaços. A Shopee é desse time.  

Os shoppings preencheram espaços abertos e mesmo ocupados pelo comércio de rua coletivamente desorganizado do Grande ABC nos últimos 30 anos. E produziram estrago imenso nos pequenos negócios do ramo, muito criados por desempregados do setor industrial, outros do passado de uma classe média empreendedora.

Não custa lembrar que somente nos anos 1990 o Grande ABC perdeu 100 mil carteiras de trabalho no setor industrial. Recorrer aos pequenos negócios varejistas foi a saída. E o cadafalso desembarcou com a chegada dos shoppings e dos supermercados. Não há como impedir que os grandes botem os pés na região. Mas nada foi feito em forma de políticas fiscais compensatórias para amenizar a competição desigual. Escrevi sobre isso muito antes da porta ser arrombada.  

ECOSSISTEMA IGNORADO

Quando se junta o desconhecimento econômico com a fome do populismo político, o resultado não poderia mesmo ser outro senão o que mais uma vez a dupla de São Bernardo proclama ao público.

A maioria bate palmas. Aplaudir é mais fácil que pensar e repensar. O ecossistema econômico da região, sobretudo dos pequenos negócios, vai sentir as dores dos reflexos diretos e indiretos da chegada dos chineses.  Assim como o setor automotivo,  numa briga de cachorros grandes. É impossível competir com os chineses em qualquer área subvencionada pelo capitalismo de Estado. Os chineses não se tornaram a segunda maior potência política e econômica do mundo por acaso. É método. É disciplina. É poder de convencimento.

A Shopee e tantos outros conglomerados de comércio eletrônico vão tomar conta da geografia do Grande ABC porque o Grande ABC é um prato cheio para quem quer matar a fome do conjunto da obra de consumidores ávidos para gastar.

Mas isso é uma coisa que todo conglomerado humano dispõe. Gerar riqueza, adotar projetos estratégicos, criar centros tecnológicos de verdade, não puxadinhos terceirizados, tudo isso e muito mais é que resolve o drama da baixíssima mobilidade social, quando não o recuo da mobilidade social. É essa tem sido a tendência comprovada do Grande ABC.

Para um prefeito que também é prefeito do Clube dos Prefeitos, caso de Marcelo Lima, a Proclamação da República do Desenvolvimento Econômico de São Bernardo por causa de um centro de distribuição é o fim da picada.

LIDERANÇA SEM LUZ

Um líder consciente do estágio de empobrecimento econômico do Grande ABC deveria nesta altura do campeonato, seis meses após assumir o Clube dos Prefeitos, tomar as providências para dar um cavalo de pau no longo processo de negligência, descaso e despreparo de uma instituição de fracassos sobrepostos.  

Mas é muito mais fácil vender ilusão, sair nas manchetes de jornais de papel e de jornais digitais, ocupar as redes  sociais com estardalhaço juntamente com um secretário analfabeto em crescimento econômico sustentável.

Marcelo Lima e Rafael Demarchi parametrizam o que os demais prefeitos e secretários econômicos mimetizam porque ocupam cargos relevantes na Capital Econômica da região.

Um centro de distribuição incrustrado em São  Bernardo abre mil possibilidades ao abastecimento da demanda interna com o uso de veículos de menor porte para driblar o caótico trânsito.

Logística de produção é o nó górdio do Grande ABC. Tanto que desde a chegada do Rodoanel perde de goleada para o Grande Oeste, de Osasco e vizinhança, ou mesmo para Guarulhos e vizinhança, isso antes mesmo da chegada do Rodoanel Norte, é outra coisa.

E é disso que o Grande ABC sofre, entre as várias enfermidades que esvaziaram o território de empresas produtivas. Até quando bê-á-bá de Economia precisará ser resumido aos mandachuvas públicos da região?

Marcelo e Rafael formam uma dupla do barulho e do baralho. Do barulho porque sabem lidar com a parafernália das redes sociais. Marcelo Lima, principalmente, é do ramo de entretenimento. No passado, animava festas musicais nos bairros mais periféricos de São Bernardo. É dono de um magnetismo inegável. Rafael Demarchi é o contraponto de uma segunda voz sem brilho. E são uma dupla do baralho porque parece que sempre terão uma carta na manga para deixar a plateia mais exigente de olhos arregalados, corações partidos e mentes incrédulas. E isso tem tudo a ver com as atividades econômicas.

Os 100 mil empregos prometidos nos quatro anos de mandato colocaram Marcelo Lima e   Rafael Demarchi na marca do pênalti de uma credibilidade que tende a se esvair. Não há Shopee mesmo originalmente ligada ao prefeito anterior que vai salvar a safra. Mais bobagens estão nas próximas esquinas.

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