Economia

UM PRATO INDIGESTO DO
SECRETÁRIO DEMARCHI

  DANIEL LIMA - 23/01/2025

Um frango de despreparo com polenta de desinformação marcou as primeiras declarações públicas de Rafael Demarchi.  É preocupante. O herdeiro da família que fez  história na rota dos restaurantes destruída pela desindustrialização praticamente serviu um prato indigesto como secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo. Mais parecia um explosivo vatapá.

Os 35 minutos de entrevista foram desanimadores, quando não frustrantes, quando não dolorosos, diante de câmeras e microfones do ABC em Off. A Capital econômica da região vai seguir sem perspectivas de recuperação se depender de ações internas profiláticas e criativas.

Recuperar a economia de São Bernardo não é tarefa fácil. Mas também não deveria ser ridicularizada em passes de magias verbais.

A Doença Holandesa Automotiva de São Bernardo continuará a consumir reservas dos tempos de glória, rebaixando ainda mais a já lenta mobilidade social. O secretário Rafael Demarchi é a garantia de que esse roteiro será seguido à risca.

EM OUTRO PLANETA

Só existe uma possibilidade de a impressão deixada na entrevista do secretário escolhido pelo prefeito Marcelo Lima por razões políticas não se consumar tragicamente no futuro próximo e distante. Se for constatado que Rafael Demarchi não estava no melhor do juízo, encantado com as lantejoulas dos entrevistadores e também do público que acompanhava a entrevista. Um alucinógeno servido inadvertidamente poderia explicar tantas escorregadelas.

Rafael Demarchi vive em outro planeta, como a maioria de políticos ou não que são convocados a oferecer contribuição ao Desenvolvimento Econômico da região e se acham na obrigação de fazer aquilo que bares e padarias servem diariamente: uma média requentada que provoca dores nos intestinos da credibilidade.

São mais que comprometedores os escorregões do secretário que vai comandar a ainda portentosa economia de  São Bernardo que segue a acusar os efeitos do governo Dilma Rousseff. Nada mais natural: São Bernardo perdeu 30% do PIB per capita e dezenas de milhares de empregos.

BOM-MOCISMO

Provavelmente, Rafael Demarchi desconhece esse detalhezinho, esse detalhezinho, a julgar pelo conjunto de respostas que agrediram a realidade consumada. O bom-mocismo do secretário, simpático e com razoável fluência verbal, embora estéril, é sempre preferível num Grande ABC de encenação politicamente correta e socialmente destruidora. Os  protagonistas mais incisivos e por que não estridentes são mal vistos pela turma do deixa-pra-lá-para-ver-como-fica. A falsificação da realidade regional faz parte do show de horrores de interesses grupistas.

São vários os pontos excessivamente salgados do prato servido pelo membro da família Demarchi, o primeiro na história genealógica que envereda por caminhos econômicos fora dos limites do próprio empreendimento. Os Demarchi se especializaram em gastronomia.

No começo de fevereiro que está chegando os leitores terão o primeiro balanço parcial do Ranking de Mentiras e Meias-Verdades organizado por CapitalSocial. A disputa envolve todas as administrações municipais da região. O prefeito Marcelo Lima vai sentir o peso da desastrosa entrevista de Rafael Demarchi. Tudo será contabilizado como passivo da Administração.  

MELHOR ESQUINA

Possivelmente a mais lastimável resposta de Rafael Demarchi num encontro jornalístico amistoso refere-se ao então governador do Estado, Geraldo Alckmin, e a uma frase, síntese da incompetência, repetida a exaustão por ignorantes como o novo secretário de São Bernardo.

Ao afirmar que São Bernardo “é a melhor esquina do Brasil”, Rafael Demarchi não só repetiu a barbaridade geoeconômica de Geraldo Alckmin, como também expôs com crueza o nível de alheamento que detém sobre a economia de São Bernardo e do Grande ABC como um todo.

Não é exagero bater para valer no secretário escolhido pelo prefeito Marcelo Lima. O secretário escolhido por Marcelo Lima garantiu uma merreca de votos em outubro passado, gozando como goza da notoriedade da família Demarchi. Ou seja: o que temos é uma moeda de troca, comum na política.

Rafael Demarchi precisa ser pedagogicamente criticado porque só essa história de melhor esquina do Brasil, patética por natureza e esperteza do autor, é um descalabro.

PONTE QUE CAIU

“Melhor esquina do Brasil” é a ponte que caiu, caro secretário. São Bernardo e o Grande ABC como um todo foram duramente impactados pelo trecho sul do Rodoanel (é disso que se trata a declaração de Alckmin e repetida ontem). No acervo desta publicação há inúmeras análises deste jornalista sobre o assunto. São dados consolidados, oficiais, irrebatíveis.

Acompanhamos o andar da carruagem da economia do Grande ABC em diferentes contextos. Seguimos criteriosamente o antes e o depois da construção do Rodoanel Mario Covas. O trecho sul do Rodoanel,  que passa apenas tangencialmente pelo Grande ABC, especialmente por São Bernardo, foi implantado com atraso em relação ao trecho Oeste. O pior é que da forma que foi não deveria ter sido sob o ponto de vista de transporte de matérias-primas e produtos.

Qual é o resultado da introdução dessa serpentina de asfalto rumo ao Porto de Santos ou rumo ao Interior que caracteriza o desalinhamento da economia do Grande ABC e particularmente de São Bernardo em relação ao Grande Oeste, integrado por Osasco, Barueri e outros cinco municípios?

Simples: o time do outro lado da Grande São Paulo perdia de goleada para o Grande ABC no PIB Geral em meados dos anos 1990, começo dos anos 2000, mas houve completa inversão com a chegada do trecho Oeste e também do trecho Sul do Rodoanel. A economia do Grande Oeste é maior que a economia do Grande ABC. Mais ainda: também sob influência do Rodoanel, a suposta e já desmascarada melhor esquina do Brasil está próxima da derrota para a  região do Grande Norte, de Guarulhos e outros municípios. Falta pouco.  

SABATINA LETAL

Um secretário municipal, mesmo que seja de Rio Grande da Serra, que representa menos de meio por cento do PIB regional, tem obrigação de conhecer esses dados. Um secretário de uma cidade que representa quase 40% do PIB regional jamais poderia sequer repetir a frase de Geraldo Alckmin.

O pior mesmo é que Rafael Demarchi o fez e a maioria provavelmente o aplaudiu. É assim que funciona a economia desse bregueço chamado Grande ABC. E não duvidem disso. O contragolpe sofrido pelo Grande ABC diante do Grande Oeste metropolitano é propriedade informativa de CapitalSocial sem compartilhamento das demais mídias. Há inconveniências embutidas em verdades que não recomendam reprodução.  

Como se observa, bastaria esse exemplo catastrófico do secretário Rafael Demarchi para impedi-lo de continuar no cargo caso fosse adotado o princípio de sabatina diante de uma banca de examinadores que teria a função de evitar que barbaridades políticas em forma de indicação a cargos públicos se transformassem em agressão à cidadania em forma reciprocidades eleitorais.

MELHOR LOGÍSTICA?

Também declarou o secretário Rafael Demarchi outra repetidíssima bobagem cujos direitos autorais é de difícil rastreamento no ambiente politico da região, tantas vezes já foi exposta com triunfalismo. Trata-se de suposto privilegio de suporte estratégico logístico de São Bernardo e da região como um todo por estar no quintal do Aeroporto de Guarulhos e do Porto de Santos.

Já explicamos inúmeras vezes que a situação é diversa do passado em que a mapa logístico urbano da região não reunia tantos embaralhamentos internos e, mais que isso, os concorrentes não contavam com as alternativas da rodovia dos Imigrantes e mais tarde do Rodoanel. Além claro, dos avanços tecnológicos.

Porto de Santos e Aeroporto de Guarulhos, estão muito mais próximos dos municípios concorrentes que se dedicaram a investir em competitividade econômica.  Há estudos fartos sobre isso. As principais consultorias nacionais e internacionais só colocam o Grande ABC como eventual concorrente a investimentos em setores específicos, e mesmo assim com restrições drásticas. As cadeias produtivas da região foram dizimadas nos anos 1990. Sobraram o setor automotivo e o setor petroquímico. Baleadíssimos.

Até na área de entregas de varejo há especificidades que não interessam às maiores corporações de operações logísticas. Sem contar que o setor gera baixa remuneração salarial e valor agregado produtivo muito aquém da indústria que se foi.

PREFEITO, PREFEITO

Somente se me dedicasse a uma observação paralela e de importância tecnicamente desinteressante seria possível chegar ao final dos 35 minutos de entrevista apontando o número exato das vezes em que o entrevistado Rafael Demarchi pronunciou o nome ou o cargo de Marcelo Lima.

Praticamente não houve frase em que Rafael Demarchi não tenha colocado o prefeito como protagonista. No fundo, um problema para Marcelo Lima dado o conjunto arrasador de respostas inadequadas.

O detalhamento básico dos equívocos de Rafael Demarchi constará do balanço do Ranking de Mentiras e Meias-Verdades. Não serão contabilizados alguns vetores que não couberam nas declarações do entrevistado. Um exemplo? Em nenhuma situação ele fez uma menção qualquer às origens das dificuldades industriais que São Bernardo passou.

Tanto que passou por cima inclusive do período devastador do governo Dilma Rousseff. Preferiu, nas entrelinhas, criticar a gestão de Orlando Morando, que, supostamente, não teria dado respostas econômicas a São Bernardo. A pasta de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo foi entregue a um politico que passou oito anos sem conseguir encaixar um golpe doméstico na geração de politicas criativas na área. Mas São Bernardo reagiu economicamente por conta do ambiente macroeconômico. Recuperou parte dos empregos eliminados pela petista naqueles dois anos tenebrosos. Mesmo que não tenham sido empregos com a mesma qualidade remunerativa (os dados oficiais ainda não foram divulgados pelo IBGE).

REPETIÇÃO PIORADA

O que se lança como perspectiva aos próximos anos é que Marcelo Lima será uma repetição piorada da gestão de Orlando Morando na pasta de Desenvolvimento Econômico, a julgar pelas digitais do novo secretário da área.

A diferença que pode colocar tudo a perder quando o prefeito que saiu servir de espelho para o prefeito que entrou é que nas demais  áreas houve melhora acentuada de São Bernardo nos últimos anos. Especialmente na infraestrutura de logística urbana.

Orlando Morando rasgou o território de São Bernardo. Marcelo Lima pegou a casa arrumada na quase totalidade das pastas municipais. Com Rafael Demarchi o que se vislumbra é muito mais do mesmo do antecessor: o desempenho seria muito pior, com o agravante de que o secretário antecessor pouco discursava e não vendia ilusões. Rafael Demarchi fala demais e com déficit cognitivo imensurável.

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