QUANTOS DECIDIRIAM
DEIXAR SANTO ANDRÉ?
DANIEL LIMA - 12/12/2024
Outro dia fiz uma excursão movida pela curiosidade. Saí de carro e percorri alguns bairros da periferia de Santo André. Completei o que fizera em áreas centrais. Resultado? Santo André (assim como o Grande ABC) está à venda. Os imóveis denunciam a pretendida debandada. Não faltam placas sobrepostas de imobiliárias diversas. Vende-se é um desfile assustador. Aluga-se também.
A experiência me levou a suposições que estão longe de ser pessimistas ou deformadas conceitualmente: Santo André, praticamente uma cidade dormitório, centro geográfico e ex-capital econômica da região, está longe de contar com autoestima sugerida por políticos nefastos que pretendem seguir vendendo ilusões acriticamente incentivadas.
A diferença que separa Santo André do restante do Grande ABC quando se trata de dar o devido cuidado ao que se propaga, tendo a principal autoridade pública como porta-voz de Pasárgada, é que Santo André do prefeito Paulinho Serra se tornou endereço de esculhambação dos fatos. Joga-se o tempo todo para uma plateia que na última disputa eleitoral conferiu apenas 37% dos votos disponíveis ao candidato vencedor, Gilvan Júnior, apoiado pelo prefeito e a turma de imperialistas.
EMOÇÃO DE IDIOTA
Para o leitor não ser levado à incorreção, quando não ao engano, senão ao revanchismo contra vozes dissonantes, como deste jornalista, um regionalista empertigado, faço breve pausa no presente e retrocedo quatro anos.
Fiquei entre março e abril de 2020 um total de 40 dias numa pequena cidade do Interior para fugir da Covid. Ao retornar me emocionei para valer ao trafegar pela Anchieta, respirando ares da região. Não existe alguém mais idiota que se prenda a determinados sentimentos? Acho que não.
Viver no Grande ABC sempre será muito importante para mim, embora meu horizonte seja açodado frequentemente pelo desejo de ir embora. Até porque a decisão não alteraria minha vida profissional. As facilidades tecnológicas e as fontes de informações podem fazer de Tóquio uma base de meu trabalho. Quanto mais uma cidadezinha do Interior.
É uma pena que uma pesquisa feita por gente séria, não delinquentes que se vendem por tostões para dizer o que o cliente quer, não possa aferir para valer o ambiente de autoestima no Grande ABC. Minha percepção é de que a situação está para lá de incômoda. Nem poderia ser diferente. Salvo se lançaram algum pó mágico sobre a região de modo a tornar todo mundo alheio às realidades postas. É o que pretende fazer crer o prefeito perfeito de Santo André.
EVASÃO DE TRABALHADORES
Particularmente em Santo André, onde grande parte da População Economicamente Ativa se desloca diariamente a outros municípios, a situação é mais grave. Rico que vira classe média precária é pior que Classe média convencional que vira classe média precária.
Pesquisas que já completaram 10 anos aferiram que 30% da População Economicamente Ativa de Santo André se movimentavam em direção a São Paulo e a outros municípios da região. Como Santo André cai pelas tabelas incessantemente, conforme revelam rankings de competitividade tecnicamente sólidos, a proporção deve ter sido alçada à estratosfera.
Por essas e outras os mandachuvas e mandachuvinhas de sempre seguem dando as cartas do imperialismo e jogando de mão de autoritarismo em Santo André.
Talvez à falta de pesquisas verdadeiramente empíricas, uma boa alternativa para dar uma espiadinha no sentimento de autoestima de Santo André seja uma prática que adoto há muito tempo: observa o fluxo de veículos de manhã e de tarde. Veja como o território de Santo André, em diversas ramificações com a vizinhança, se notabiliza pela sincronia de uma maioria massificante de debandada de manhã e de retorno ao cair da tarde.
SANFONA BARULHENTA
Fosse transformada em termos de mobilidade urbana em uma imensa sanfona, Santo André incomodaria todos os vizinhos municipais. As notas musicais metafóricas da evasão de cérebros e de mão de obra estariam sincronizada de modo a se ouvirem os mesmos e enfadonhos acordes em decibéis cada vez mais elevados.
Quando se sabe por conta de informações de corretores que de 10 imóveis à venda não mais que três proprietários concordam em afixar placas anunciando a decisão, dá para imaginar quantas casas e apartamentos estão sendo colocados no mercado por famílias decididas a ir embora.
Não à toa os preços dos imóveis usados (e também dos novos, cada vez menores) desabaram nos últimos anos, enquanto o fluxo imobiliário rumo ao Interior mais próspero reduziu drasticamente a distância que separava os negócios do setor. Vai cair do cavalo de falsas projeções quem vender imóvel na região e se mandar para o Interior do Estado imaginando ocupar padrões semelhantes, e com qualidade de vida muito maior, sobra de dinheiro no bolso.
FATOR CELSO DANIEL
Estava diretor de Redação (e também repórter, editor, colunista, ombudsman) do Diário do Grande ABC em 2005 quando solicitei à Brasmarket uma pesquisa sobre a autoestima nos municípios da região. Salvo engano, nada semelhante se dera antes ou depois de forma consistente. O resultado não foi surpreendente. A região ainda respirava riqueza do passado e que aos poucos se dissipava.
Santo André recém-órfã de Celso Daniel contou com o melhor resultado. A bem da verdade, aquela pesquisa teve componente emocional que a retirou da bitola do equilíbrio técnico desejado. Veja o que escrevi em 10 de fevereiro de 2005 sob o título “Um homenagem para Celso Daniel”:
M Foi espécie de tapa de luva de pelica. E que tapa! Em resposta à omissão generalizada de manifestações pelo terceiro ano de sua morte, em 22 de janeiro de 2002, a memória de Celso Daniel foi resgatada em forma de avalanche de paixão por Santo André. Sim, os 92,2% de índice de autoestima municipal demonstrados por 400 moradores do Município, entrevistados pelo Instituto Brasmarket, os quais representam estatisticamente 670 mil habitantes locais, foram recorde no Grande ABC. Nenhum morador ama tanto sua cidade, garantem os dados da Brasmarket. A mais amada da região não é obra individual de Celso Daniel, mas os 10 anos à frente do Paço Municipal com políticas públicas revolucionárias e, principalmente, dadas as circunstâncias, o impacto de seu assassinato que o colocou como maior mártir da história regional, deslocaram o eixo da paixão municipal para ângulo surpreendente: Santo André aprendeu a se amar mais e mais com saudades de Celso Daniel – escrevi há 20 anos.
VIUVEZ INDUSTRIAL
Como se sabe, Santo André mudou completamente durante essas duas décadas, com decadência econômica ainda mais pronunciada a ponto de se sugerir que o hino oficial deveria ser alterado, retirando-se “Viveiro Industrial” e introduzindo “Viveiro Assistencial”.
Aliás, a esse propósito, o então prefeito de Santo André, Celso Daniel, providenciou em 1998 a contratação de uma instituto especializado e apresentou os resultados que procuraram avaliar o sentimento da população sobre morar em Santo André.
O resultado foi um sentimento ambíguo de viuvez industrial e de constrangida lua-de-mel comercial, recheado pela expectativa de melhora da qualidade de vida por meio de equipamentos públicos. A pesquisa foi realizada pela Pólis Assessoria, Formação e Estudos de Políticas Sociais, contratada para participar do processo de Planejamento Estratégico de Santo André.
Ainda sobre aquele trabalho, o relatório apresentado pela pesquisadora Ana Luiza Salles Souto, chefe da equipe que reuniu seis grupos de moradores de Santo André, constatou que a desindustrialização provocou o que chamou de certa sensação de perda, dado o papel relevante no desenvolvimento econômico do Município.
CIDADE E REGIÃO
O estudo também concluiu que o comércio era valorizado como atividade que imprimia grande dinamismo econômico, conferindo características de modernidade e opções de consumo típicos dos grandes centros urbanos, mas se apresentava com menor potencial de gerar impactos positivos nas condições de vida da população.
Mais ainda sobre aqueles resultados? Os estudos concluíram também que o desenvolvimento econômico de Santo André era visto como indissociável do Grande ABC. Como cidade líder, caberia ao governo municipal papel fundamental nesse processo. Caberia ao governo garantir condições para as empresas desenvolverem-se na cidade e na região, o que supunha medidas voltadas para atrair novos empreendimentos e a manter os atuais, casos de subsídios e isenções fiscais.
Também se concluiu que, tendo em vista a importância no desenvolvimento da região, entendia-se que as tais ações deveriam focar preferencialmente as indústrias. Em contrapartida, esperava-se das empresas uma devolução, um retorno social que implicaria em melhoras na qualidade de vida da cidade.
SEGURANÇA PÚBLICA
A Santo André de elevada autoestima de 20 anos atrás, embalada nos resultados pelo martírio de Celso Daniel, há muito deixou de existir. A viuvez industrial não teve como contrarresposta o desenvolvimento econômico em outras áreas. Os setores de comercio e de serviços sem valor agregado pagam salários médios mais baixos da região, exceto Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
É evidente que a Segurança Pública também pesa e pesa muito na autoestima de Santo André e da região como um todo. Em Santo André, exatamente por ser o centro geográfico da região, de fronteiras muitas vezes sem leis, os danos são maiores.
Em maio de 2011 analisei um texto que se referia ao assunto, publicado pelo jornal ABC Reporter. Tratava-se de pesquisa que apontou que 68,2% dos moradores do Grande ABC não se sentiam seguros. Os pesquisadores do Inpes/USCS (Instituto de Pesquisas da Universidade de São Caetano do Sul) foram a campo e entrevistaram 1.067 pessoas nas sete cidades. Seguiu-se todo o ritual recomendado pelo cientificismo da operação.
O resultado poderia ser traduzido como enorme ponto de interrogação. Afinal, por que se temia tanto pela segurança pessoal e patrimonial numa região que, nos 15 anos anteriores, baixou o índice de homicídios de perto de 1,4 mil casos por ano para menos de 400?
SEM REPERCUSSÃO
Escreveu George Garcia, do ABC Repórter, que o estudo revelou ainda que entre os entrevistados, 14% disseram ter sido vítimas de roubo ou furto no período de um ano que antecedeu a pesquisa.
Registrei naquele texto que não faltaram tentativas de explicações para a insegurança da população. Tanto que Leandro Prearo, coordenador da pesquisa, disse: “De uma forma geral o sentimento é de insegurança. A opinião pode ser influenciada pelas notícias sobre a violência, mas também por fatos reais que aconteceram com vizinhos ou parentes”.
Também escrevi naquela maio de 2011 que os estudos apresentados pela Universidade de São Caetano deveriam ser mais destrinchados por instâncias regionais, principalmente pelo Clube dos Prefeitos. A medida iria ao encontro de possíveis soluções que tenderiam a esquadrinhar a psicologia coletiva em novos patamares. A queda do índice de homicídios ao longo dos anos não encobria outros problemas criminais. Caso do tamanho da encrenca de roubos e furtos de veículos no Grande ABC.
A autoestima dilapidada de Santo André e da região como um todo ajuda a explicar a sociedade servil desorganizada prevalecente entre ricos, pobres, remediados e miseráveis. Viramos uma terra de oportunistas. E falsários.
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