Economia

PIB de Consumo desaba
nas últimas três décadas

  DANIEL LIMA - 21/06/2024

O PIB de Consumo do Grande ABC, também conhecido por Potencial de Consumo, especialidade de pesquisadores da Consultoria IPC, empresa da Capital, é um dos principais indicadores que registram a catástrofe que se abateu no Grande ABC. Nesse caso, trata-se de uma combinação tormentosa de Plano Real e desindustrialização.

Quem mais pagou o pato foi a Classe Rica e também a Classe Média Tradicional. Juntas, representam um terço das moradias do Grande ABC. Perdeu-se o correspondente a uma São Caetano inteira de consumidores desses dois recortes sociais nessas três décadas.

Entre 1995 e 2024, perdemos em valores absolutos, agora levando-se em conta o total de moradores, sem distinção de classe,  quase R$ 80 bilhões de potenciais recursos financeiros para gastar. Uma queda que corresponde à soma do que dispõem moradores de Santo André, São Bernardo e Ribeirão Pires neste 2024. Esse valor não é cumulativo. Portanto, não fosse a renitente queda regional ao longo dos anos, neste ano haveria mais de R$ 80 bilhões a acrescentar ao volume geral.

Não se trata, portanto,  da soma de perdas a cada novo ano, mas de perda ponta a ponta, que confronta 1995 e 2024.

MUITO MAIS PERDA

No intervalo desses extremos,  entre uma marca temporal e outra, as perdas  foram se sobrepondo em valores, com solavancos eventuais de ganhos episódicos e, portanto, dissociados de persistentes quedas.

A projeção para este ano é de ínfima recuperação frente 2023. Nada que alteraria a rota de desencanto que, como se vê, vem do passado e do passado não se desgruda. A região não sabe organizar um futuro diferente do ritmo central.

Vamos explicar a origem e as consequências dessa perda. O PIB de Consumo, oficialmente Índice de Potencial de Consumo, é parente próximo do PIB Tradicional. O que o difere PIB de Consumo de PIB Tradicional é o conjunto de valores disponíveis,  independentemente do local em que cada morador trabalha. Já o PIB Tradicional é o registro dos valores no próprio Município onde se dão as atividades econômicas.

TORCIDA ADVERSÁRIA

Trocando em miúdos para entendimento mais compreensível: o PIB Tradicional é o jogo jogado em casa com a torcida a favor, sem direito à ocupação de arquibancadas por torcedores do adversário. Já o PIB de Consumo é o jogo jogado em casa com espaço reservado aos torcedores de outras cores ou o jogo jogado fora de casa tendo o mandante o controle majoritário mas não absoluto das arquibancadas.

Quem confundir PIB  Tradicional com PIB de Consumo corre risco de perder-se em meios aos dados. Um exemplo: mais de 30% da população economicamente ativa de Santo André, cidade mais desindustrializada do Estado de São Paulo ao longo dos anos, atua profissionalmente em outros endereços, principalmente em São Paulo. Já os trabalhadores de outros municípios que atuam em Santo André não têm o mesmo volume e importância.

Os deserdados economicamente de Santo André contribuem para o PIB Tradicional de onde trabalham, mas do ponto de vista de PIB de Consumo, somam recursos  potencialmente para  Santo André mesmo atuando fora de Santo André.

Essa explicação vale para todos os municípios da região que contam com alto grau de evasão de cérebros e músculos após a sequência de temporadas em que atividades industriais evaporaram e provocaram perdas significativas de riqueza e de oportunidades de empregos.

CHEGANDO AOS VALORES

Em valores detalhados, entre o balanço da Consultoria IPC do estudioso Marcos Pazzini, de 1995 a 2024, o Grande ABC sofreu perda na ponta da comparação de R$ 77.540,07 bilhões. Os valores registrados para esta temporada para consumo totalizam R$ 128.512.713 bilhões. Deveriam ser R$ 211.058.718 bilhões. A diferença está entre o que separa o que deveria ser. Elementar.

Diagnosticar e, mais que isso, analisar, o comportamento de qualquer PIB, seja o PIB Tradicional ou o PIB de Consumo, utilizando-se de recortes breves é o caminho da perdição. Por isso, nada melhor que recorrer à linha do tempo, mesmo com informações e dados ponta a ponta.

Essa costura temporal permite a segurança de um cabo de aço numa travessia delicada. O curtoprazismo é um salto no escuro. Ou seja: comparar o PIB de Consumo da região deste 2024 com o PIB de Consumo do ano passado e, daí, preparar um almoço de interpretações, é a distância mais curta entre a cozinha e o desarranjo rumo à toilette.

CONSUMO NACIONAL

Como foi possível chegar à aferição da monumental perda ponta a ponta do Grande ABC, chegando-se a quase R$ 80 bilhões?

A âncora da operação é o comportamento do PIB de Consumo do Brasil no mesmo período. Ou seja: os sete municípios da região perderam para a média de crescimento nacional porque se movimentaram na construção do PIB de Consumo a uma velocidade 64,23% inferior à registrada no País.

Traduzindo: se a região mantivesse o ritmo de crescimento nacional, mais de R$ 210 bilhões estariam disponíveis ao consumo nesta temporada, não os R$ 128 bilhões anunciados pela Consultoria IPC.

Por isso a participação relativa do PIB de Consumo nos valores relativos entre 1995 e 2024 sofreu monumental perda: eram 3,041% e passou para a R$ 1,757%. Ou seja: para cada R$ 100,00 disponíveis no País em 1995 prontos para serem transformados em gasto, R$ R$ 3,041 estavam localizados na região. Três décadas depois, sobraram R$ 1,757.

Como foi possível chegar a esses números? No período de transformações, o crescimento nominal do PIB de Consumo no País alcançou em termos nominais, sem considerar a inflação, o total de 1.843,53%. Já a região de sete municípios e muitas complicações o crescimento nominal não passou de R$ 1.028,60%. Uma diferença de 80,20%.

DEMOGRAFIA INFLUI

Na contabilidade do PIB de Consumo de valores absolutos o desempenho e os diferenciais numéricos dependem também de vetores demográficos. Quanto mais população um determinado Município detém, mais possibilidade de registrar crescimento geral dos valores monetários.

No caso da comparação entre os sete municípios da região e a média do Brasil durante os 30 anos apurados,  houve certa proximidade de crescimento demográfico: o Grande ABC registrou 25,00% (eram 2.177.526b moradores e passaram a ser 2.721.909) enquanto o Brasil viu a população crescer 31,88% (eram 155.822.440 milhões de moradores e passou a ser 205.504.618 nesta temporada).

É muito importante não se confundirem números absolutos envolvendo o conjunto da população do Grande ABC e do Brasil com números per capita, que consolidam o ritmo do PIB de Consumo com base na divisão dos valores registrado pelo total das respectivas populações.

PER CAPITA É MELHOR

Essa é, para valer, a melhor aferição. O PIB de Consumo per capita, assim como outros indicadores que levam em conta o resultado por habitante, é o melhor dispositivo técnico-conceitual para conhecer a movimentação das peças do jogo econômico e de tantas outras modalidades, inclusive sociais. Afinal, coloca-se a escanteio a diferença populacional. Todos os municípios se submeterem ao mesmo enquadramento dimensional.

O PIB de Consumo per capita do Grande ABC frente à média nacional também e logicamente sofreu impactos nos 30 anos desde a implantação do Real.

Em 1995 o PIB de Consumo per capita dos sete municípios da região apontava o valor nominal de R$ 5.246,67 ante R$ 3.081,89 da média nacional. Ou seja: o PIB de Consumo do Grande ABC superava em 70,24% o valor documentado no Brasil. Já neste 2024, o PIB per Capita de Consumo do Grande ABC registra R$ 47.301,24 enquanto o Brasil contabiliza R$ 35.590,00. Uma diferença que recuou para 32,89%. Um ritmo de perda de um ponto percentual por temporada.

Não seria estupidez, considerando-se o andar da carruagem desse período, a possibilidade de o Grande ABC virar a mesma massa de consumo médio da população brasileira.

MÉDIAS PER CAPITA

O crescimento nominal do PIB de Consumo per capita do Grande ABC entre 1995 e 2024 registrou 801,55%, enquanto a média nominal per capita do País chegou a R$ 1.054,81%. Uma distância de 31,60%.

A tradução do PIB de Consumo do Grande ABC no  período, seja na comparação que considera os valores monetários do conjunto da população ou segregada à porção per capita, é de decadência continuada.   

Portanto, é um esforço exagerado, quando não patético, se não for desclassificatório,  qualquer tentativa de amenizar os resultados do Grande ABC no período. Talvez se possa argumentar que seria natural que o Grande ABC perdesse velocidade de crescimento do PIB de Consumo em valores absolutos,  e também per capita relativamente ao Brasil,  porque a vantagem era larga demais.

A argumentação não é só válida como elemento ao  contraditório, mas não se sustentaria. Mantivesse a região o ritmo de construção de riquezas da primeira etapa dos anos 1990, o estreitamento não seria tão pronunciado. Ocorre que o Grande ABC, por conta do esvaziamento econômico anterior e também durante e após o período da reforma monetária e fiscal, com o Plano Real, sofreu mais que a maioria das regiões do País.    

PERÍODO TENEBROSO  

Dessa forma, não há interpretação que se sustente diante do fato histórico de que o Grande ABC conheceu principalmente nas ultimas três décadas o período de maior deterioração econômica e social da história. Num prazo mais breve, de dois anos, entre 2015 e 2016, com os estertores do governo de Dilma Rousseff, não custa lembrar, a região perdeu algo semelhante.

Vou mostrar tudo isso em detalhes no livro “Detroit à Brasileira”, que já comecei a escrever e que será objeto de exposição do projeto nos próximos dias, após ser anunciado diretamente nas redes sociais, especialmente a leitores  do aplicativo WhatsApp.          

Há mais dados que demonstram que a queda de participação relativa e também em números absolutos do Grande ABC frente à soma dos municípios brasileiros tem características especificas locais.

PERDAS NO TOPO

A participação de famílias de Classe Rica e de Classe Média Tradicional é inquietante. A mobilidade social da região foi para o ralo. Mobilidade social ascendente é o resultado de desenvolvimento econômico que leva o pobre a tornar-se Classe Média Precária, o Classe Média Precária a virar Classe Média Tradicional e o Classe Média Tradicional a virar Classe Rica.

Não devem ser observadas mudanças que impactaram os Ricos e a Classe Média Tradicional da região com o confronto da totalidade de seus representantes entre 1995 e 2024 levando-se em conta os números absolutos. A equação é outra. Em números absolutos, em 1995, famílias de Ricos e de Classe Média Tradicional eram 215.848 famílias. Já neste 2024, são 324.459.

O que deve ser confrontado é a participação relativa, porque a população da região avançou mais de 500 mil habitantes no período (uma São Bernardo inteira deste 2024).

Em 1995, os 215.848 integrantes de famílias ricas e de Classe Média Tradicional da região participavam com 37,60% das famílias nos sete municípios. Já em 2024, as 324.359 retratam 32,21% das moradias. Resultado: uma perda de líquida de 53.946 residências das duas classes, ou 16,63%.

Explica-se a operação: a participação relativa de Ricos e de Classe Média Tradicional em 2024, se seguisse a marca de 1995, teria de contar com 378.405, mas só chegou a 324.459. A diferença percentual das duas classes parece ínfima, de 37,60% para 32,21% nas duas pontas, mas é contundente quando se converte em números absolutos. Não custa repetir para que se tenha ideia do estrago nas três décadas, o Grande ABC  perdeu de Classe Rica e de Classe Média Tradicional o equivalente à população geral de São Caetano, um pouco acima de 60 mil moradias.

SITUAÇÃO ESPECÍFICA

A situação é específica do Grande ABC. Ou seja: não se repete na média nacional. O Brasil ganhou o equivalente a 2.646.296 milhões  de famílias de Classe Rica e de Classe Média Tradicional nas mesmas três décadas, o equivalente a um crescimento relativo de 20,73% no período. Em 1995 eram 20,20% de participação relativa de Ricos e de classe média tradicional no conjunto de residências do País, num total de 6.217.622 milhões de moradias. Já em 2024 os Ricos e a Classe Média Tradicional totalizava  15.413.545 milhões, que equivalem a 24,39% do total de moradias do País.

Entre as duas pontas temporais, os números nacionais deveriam registrar 12.767.249 milhões de moradias dessas duas classes sociais. Foram além disso, com mais de 15 milhões. Desse modo, a participação do Grande ABC na Classe Rica e na Classe Média Tradicional do País caiu de 3,47% em 1995 para 2,10% neste 2024. Uma baixa relativa de 65,24%.

DEMAIS CLASSES

E o que ocorreu com as outras duas classes sociais, de Classe Média Precária e de Pobres e Miseráveis no mesmo período de três décadas. A participação relativa de moradias desses segmentos no Grande ABC caiu levemente, de 68,24% para 67,79%. Já no Brasil a queda foi um pouco mais acentuada, de 79,80% para 75,61%. O Grande ABC registrava 358.140 pobres e miseráveis em 1995 e subiu para 682.209 neste 2024. No Brasil, eram 24.565.117 milhões e passou para 47.790.658 milhões. A leve superioridade de quebra de famílias de Classe Pobre e de Classe Miserável no Brasil, em confronto com o Grande ABC, não é nenhum disparate. O Brasil do Bolsa Família, implantado no primeiro mandato de Lula da Silva, já não tem tantos excluídos sociais relativamente como antes.

Não custa lembrar que a denominação Classe Média Precária é deste jornalista. Num passado ainda não distante se chamavam triunfalmente de Nova Classe Média os contingentes de brasileiros que ascenderam socialmente durante o segundo mandato de Lula da Silva, quando o PIB nacional cresceu em média mais de 4% ao ano, graças as exportações de comodities. A festa acabou com os excessos de gastos do governo federal, que dinamitaram o governo de Dilma Rousseff. A Nova Classe Média não passou pelo teste da resiliência. Está mais próxima da Classe dos Pobres do que da Classe Média Tradicional. 

RESULTADOS MUNICIPAIS 

Na região, numa prova de que programas sociais do governo federal inflam os resultados dos pequenos municípios, Rio Grande da Serra lidera o PIB  de Consumo per capita com resultado acima da média local, no valor de R$ 1.292,36%, ao passar de R$ 2.665,05 em 1995 para R$ 37.107,17 em 2024. Mauá cresceu 1.068,07%, passando no período, ponta a ponta, de R$ 3.897,94 para R$ 43.187,53.

Quem teve melhor desempenho per capita nas três décadas, depois de Rio Grande da Serra e Mauá, foi Santo André, com crescimento do PIB per capita de 895,68, passando de R$ 5.447,68 para R$ 54.241,33. São Bernardo de constantes perdas automotivas avançou nominalmente apenas R$ 630,32% ao passar de R$ 6.393,31 para R$ 46.692,00.  São Caetano teve resultado um pouco menos ruim, com crescimento nominal de 712,61%, passando de R$ 6.817,08 para R$ 55.396,50. Diadema completa a lista com crescimento um pouco abaixo de Santo André: 886,04%, passando de R$ 3.869,33 para R$ 38.153,26.

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