Região sofre com queda
de famílias da classe rica
DANIEL LIMA - 14/03/2024
Não é um fenômeno exclusivamente regional, mas é profundamente regional, por conta da derrocada industrial que perdura: perdemos ao longo dos últimos 21 anos, a partir de 2003, o equivalente a 12.425 famílias de classe rica. Isso representa 591 famílias por ano. Há na literatura econômica uma expressão que os acadêmicos adotam para situações assim: perdemos mobilidade social, ou nossa mobilidade social é descendente.
Escrevo a propósito de uma rodada extra do Índice de Potencial de Consumo, especialidade da Consultoria IPC, dirigida pelo especialista Marcos Pazzini. A rodada extra se prende à atualização dos dados do ano passado, 2023, com base no Censo Federal que foi às ruas após atraso.
Chamo o Índice de Potencial de Consumo de PIB de Consumo. É claro que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O PIB (Produto Interno Bruto) é resultado da geração de riqueza em produtos e serviços de uma determinada localidade, independentemente de quem participa do jogo. Já o PIB de Consumo é resultado do que os moradores de determinado município acumulam de riqueza, independentemente de atuarem ou não na própria cidade.
FUGA DE MÃO DE OBRA
Vou dar um exemplo: Santo André é provavelmente a cidade da região que mais tem massa de trabalhadores fora de seus domínios territoriais. A desindustrialização aguda ao longo de mais de três décadas, os limites geográficos com cinco dos municípios da região e com a absorvedora Capital são marcos de transfusão de mão de obra cerebral e muscular.
A população que deixa diariamente de Santo André em busca do ganha-pão foi calculada há mais de uma década em algo próximo de 30%. Hoje, provavelmente, chegaria a quase metade.
As demais cidades da região também sofrem com processo de empobrecimento interno. Quando a indústria vai embora ou quando a indústria perece, e ambas as tragédias estão na ficha corrida regional, não se perdem apenas com tributos e salários industriais. Se esvai muito além, porque o entranhamento na economia local e regional se expande. O consumo vai-se embora.
Essa distinção entre PIB de Produto Interno Bruto e PIB de Consumo, portanto, é essencial à compreensão dos dados do passado e do presente, agora atualizados.
MEIAS-VERDADES
Mas voltemos ao contingente de ricos na região. Deixasse por conta de determinados jornalistas que não entendem bulhufas de economia, ou fazem questão de não conhecer e de aceitar o jogo travesso de patrões ignorantes, a manchetíssima de jornais provavelmente seria a seguinte ou assemelhadamente a seguinte quando se compara o universo de ricos que a região contava em dezembro de 2022, quando Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência da República, com o do ano passado, quando Lula da Silva acabava de completar o primeiro ano do quinto mandato do PT Federal, três dos quais dele próprio. Vamos então à manchetíssima que jornais, se bobearem, acabarão imprimindo:
GRANDE ABC GANHA 4.224 NOVAS FAMÍLIAS DE CLASSE RICA DESDE A CHEGADA DE LULA DA SILVA EM BRASILIA NO ANO DE 2003. SOMOS UMA REGIÃO DE PROSPERIDADE.
Quem duvida do que estou escrevendo não sabe da missa um terço. Cada oportunidade que se oferece ao triunfalismo ou à perseguição a determinado administrador público, eis que salta uma manchetíssima (manchete das manchetes da primeira página) para glorificar ou estigmatizar.
Tem sido assim, por exemplo, com o balanço do mercado de trabalho com carteira assinada. Joga-se com números absolutos sem considerar os números relativos resultantes do estoque, primeira equação para aferir a temperatura do ambiente de trabalho. São Paulo sempre vai gerar mais empregos em números absolutos que qualquer cidade do País. Em números relativos são outros quinhentos.
FAZENDO AS CONTAS
Dito isso, vamos à explicação sobre a queda de famílias de classe rica na região desde a posse de Lula da Silva, passando por Dilma, entrando nos dois anos de Michel Temer, passando pelos quatro anos de Jair Bolsonaro e completando o trajeto com o primeiro ano de Lula da Silva.
De fato, tivemos um aumento de 4.224 residências de família de classe rica na região. Isso é verdade, mas uma meia-verdade. O aumento é em números absolutos. Vou traduzir os números à queda mencionada de 12.425 residências do topo da pirâmide social.
Em 2002, com Fernando Henrique Cardoso, contávamos com 36.245 famílias de classe rica. Em 2023, chegamos a 40.469. A diferença de 4.224 está aí. Calma lá que tem mais história nesta página.
Ocorre porém, todavia e contudo que em 2002 as 36.245 residências de classe rica correspondiam ao total de 5,26% das moradias da região. Eram 688.327 residências.
Agora, em 2023, os 40.469 residências de classe rica na região correspondem a 4,02% do total geral, que acumula 1.005.600 moradias. Em números absolutos, a classe rica da região aumentou 11,65%. Aparentemente, uma negação completa do que batemos na tecla desde sempre, ou seja, que estamos na descendente em mobilidade social.
PERDENDO FORÇA
Entretanto, como a população da região avançou 46,09% em termos de moradias, ou seja, envolvendo todas as classe sociais, está claro que a incidência de residências de ricos sofreu abalo. Daí é que chegamos ao total de 12.425 moradias. Quase uma Rio Grande da Serra, que conta com redondos 15 mil famílias no total.
Para ser ainda didático sobre esses últimos 21 anos de comportamento de classe econômica na região. Tivemos o acréscimo de 317.273 famílias na geografia regional. E desse total suplementar ao que registramos em 2002, apenas 4.224 famílias correspondem à participação da classe rica. Ou, em termos relativos, 1,33%. Não fosse o passado de glórias mil de mobilidade social acumulada durante o período de industrialização e riqueza, a situação da região seria ainda muito pior.
Entretanto, como não há sopros de regeneração o tecido socioeconômico, tudo indica que seguiremos a toada de debilidade da classe rica.
RELAÇÃO HISTÓRICA
Preparei esta breve análise ontem à noite por conta de ter de me submeter a um exame clínico hoje de manhã com um ortopedista. Ando com algumas coisas que me incomodam e não creio que sejam coisas ditadas pela origem cronológica de que carrego os ossos em formato humano, mas vai que é alguma coisa nesse sentido. Não custa nada dar uma espiadinha. Aquele tiro sempre tem rescaldos a incomodar.
Estou dizendo isso porque ainda preciso mergulhar nos dados da Consultoria IPC. Fazemos isso rigorosamente a cada novo ano. Marcos Pazzini é daqueles parceiros inesquecíveis. Está sempre à disposição com uma bateria interminável de dados. Dei uma espiadinha nas tabelas e decidi focalizar numa primeira investida um dos sintomas da esclerose da dinâmica social da região.
Perdemos vitalidade econômica a cada novo ano e isso não tem data para terminar. Os ricos estão indo embora, estão virando classe média ou estão morrendo, sem contar também que são vítimas preferenciais do Estado guloso.
RICOS E RICOS
É claro que me refiro aos ricos da região que são ricos por meritocracia. Não considero os ricos pervertidos economicamente. Esses não têm compromisso nenhum com a sociedade. São extrativistas. Amam seus familiares, presenteiam seus familiares, afagam os amigos de ocasião, mas só ficam aqui enquanto meterem a mão principalmente nos cofres públicos.
Classe rica de verdade, fruto do que existe de mais puro em mobilidade social, essa classe rica há muito descobriu e sentiu, quando não chorou e esbravejou, uma região quase estéril em alternativas de avanço social no próprio território. Não encontramos uma matriz à altura da orfandade industrial ou mesmo de mitigação do valor da atividade industrial, cujos salários, por força de concorrência, já não acompanharam os padrões do passado.
Não acreditem em malabarismos numéricos de malfeitores estatísticos travestidos de jornalistas que não passam de propagandistas de mandachuvas irresponsáveis. Os dados sobre os ricos da região são dados que remetem à realidade.
Perdemos mais de 12 mil famílias de ricos em 21 anos porque, pela proporção dessa classe em 2002, frente ao total de moradias, as atuais 40.469 ocupações residenciais deveriam ser 52.894. É dinheiro para caramba que deixou de circular na região.
Os efeitos dessa catástrofe se manifestam em diferentes atividades econômicas. Inclusive no mercado imobiliário cada vez mais dirigido a freguês do suspeitíssimo programa Minha Cada, Minha Vida. Ou seja: perdemos tanto em mobilidade social como alimentamos novos grupinhos de milionários bem íntimos de esquemas fraudulentos.
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