Política

Gilvan viu desperdícios;
é preciso mais que isso

  DANIEL LIMA - 07/05/2024

Os melhores momentos da entrevista insossa de ontem do Diário do Grande ABC com o candidato da casa, Gilvan Júnior, não está em nenhum dos parágrafos das perguntas e das respostas, mas num corte específico que de tão interessante foi puxado graficamente como destaque.

E por ter virado destaque, chamou a atenção. E se chamou a atenção, deveria ter sido esmiuçado na entrevista. Mas não foi. Afinal, o que disse o anunciado candidato do prefeito Paulinho Serra às eleições de outubro?

Gilvan Júnior disse algo que jamais ouvi e li. E se não ouvi nem li é sinal de que disse algo inédito mesmo, porque sou um leitor voraz de todas as bandas que toca no jornalismo nacional e mesmo internacional de mais valor. Vamos reproduzir o que disse Gilvan Júnior? Vou utilizar negrito, porque merecem destaque mesmo. 

 Outro dado importante: oitenta por cento dos usuários das UPAs não precisariam estar ali. São coisas simples, como uma dor de cabeça que poderia ser revolvida nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde). É cultural. Muitos nem conhecem a UBS mais perto de casa ou nem sabem quais serviços elas oferecem. É preciso fortalecer campanhas de conscientização neste sentido.

UM GRANDE ACHADO?

Supondo como devemos acreditar que a declaração de Gilvan Júnior tem fundamento empírico, ou seja, está conectada a dados consistentes, e levando-se em conta que isso seria novidade no atendimento à saúde pública do País, o que temos, então, é um achado extraordinário.

E se o achado extraordinário foi observado pelo até outro dia secretário de Saúde de Santo André, o que deveríamos esperar é que deixasse algo como um plano de ação que o credenciasse junto aos usuários e por que não aos eleitores de outubro? Desafogar o sistema público de saúde no processo de afunilamento e qualificação de atendimento é o grande nó que precisa ser desatado.

Se Gilvan Júnior não estiver enganado e se passou um tempo razoável à frente da pasta, deveria trabalhar 24 horas por dia para levar essa inovação e esse estancamento de energia e dinheiro adiante, mesmo que de forma experimental, numa determinada área geográfica. Dúvidas poderiam ser retiradas durante a entrevista, mas o entrevistador passou batido. Tanto passou batido que sou forçado a especular tendo como base as declarações rasas do agora candidato a prefeito.

OPORTUNIDADE PERDIDA

Talvez Gilvan Júnior tenha perdido uma grande oportunidade de obter mais visibilidade com ativos produtivos  caso efetivasse mesmo que fosse um início de revolução no sistema de saúde. Afinal, em analogia com o que ocorre no futebol, se Santo André e os municípios de maneira geral desperdiçam tanto tempo com atendimento inadequado na hierarquia de problemas, seria muito mais interessante uma ação vigorosa.

Um time que faz da posse de bola 80% de inutilidades, obrigatoriamente precisa passar por um plano de racionalidade e produtividade. Ao lamentar que Santo André jogue no lixo 80% do fluxo de atendimento no primeiro degrau da escala de atenção à demanda, o que temos é o pior dos mundos quando se sabe o custo orçamentário do setor e, mais que isso, a insatisfação dos usuários.

SELETIVIDADE

Diferente de outras entrevistas, nas quais pego carona e procuro contribuir com o entendimento dos leitores, desta vez farei diferente. Vou fazer intervenções apenas em determinados trechos de perguntas e respostas. Levo em conta, a esse decisão, que a entrevista de Gilvan Júnior não é assim aquela Brastemp. Se fosse omitido o nome do entrevistado, e se me fosse apresentado o texto sem qualquer indicativo da identidade funcional, apostaria que estava acompanhando respostas do prefeito Paulinho Serra.

Como a entrevista foi produzida na redação do Diário do Grande ABC e não parece que contou com a presença auxiliar do prefeito Paulinho Serra, credito as respostas integralmente ao entrevistado de fato. Mas isso não retira a impressão, quase certeza, de que Gilvan Júnior estava possuído pela personalidade do prefeito que o indicou à sucessão pretendida. A psicanálise provavelmente explique o quadro gerado pela convivência contínua entre prefeito e candidato do prefeito. Vamos comentar  perguntas e respostas que constam da entrevista do Diário do Grande ABC:

DIÁRIO -- Caso o sr. seja eleito prefeito de Santo André, ao se sentar na cadeira em 1º de janeiro, quais serão os seus desafios a encarar no comando da cidade?

GILVAN -- Acho que o primeiro é o de continuar transformando Santo André e fazer com que as pessoas continuem com esse senso de pertencimento e com vontade de viver aqui. Esse sem dúvida é o grande desafio. Será preciso dialogar com a sociedade e os políticos para manter a chama acesa nas pessoas para que elas continuem amando Santo André e continuem morando aqui. 

CAPITALSOCIAL – Procure nas entrevistas sempre açucaradas com Paulinho Serra, ou mesmo em declarações do dia a dia, e você encontrará o verbete “pertencimento” às pencas. Gilvan Júnior decorou bem essa lição que chamaria de dispositivo de chamamento à autoestima. O que Paulinho Serra provavelmente não sabe, ou se sabe  possivelmente sonega o crédito, e tampouco Gilvan Júnior teria conhecimento, é que quem utilizava “pertencimento” de forma constante era o então prefeito Celso Daniel e sua assessoria.

DIÁRIO – O eixo da Avenida Industrial, entre o Viaduto Castelo Branco e a Rua Sumaré, ainda é um local com problemas que persistem há décadas. No entanto, é possível observar a construção de empreendimentos. Qual caminho a ser seguido para revitalizar aquela área entre os bairros Jardim e Campestre?

GILVAN JÚNIOR -- Essa é uma questão de desenvolvimento que já acontecendo. Ela (Avenida Industrial) já está evoluindo com a chegada de novos empreendimentos. Há um diálogo com a iniciativa privada para revitalizar aquela área. Há estudo impacto de vizinhança para a implementação de outros empreendimentos imobiliários e comerciais. 

CAPITALSOCIAL – O Eixo da Avenida Industrial combinado com o Eixo Tamanduateí poderia ter há muito tempo um arcabouço de Desenvolvimento Econômico compatível com as potencialidades geoeconômicas. Desde Celso Daniel, que retirou uma parte da Avenida Industrial de ares soturnos de indústrias que se escafederam, com a chegada de hotéis, shopping e outros empreendimentos, Santo André parou no tempo. A busca pelo setor de serviços e de comércio precisa ser ativada dentro de novos diagnósticos e ações. Santo André deveria tornar mais transparente a relação com eventuais investidores, sem levá-los a acreditar em planejamentos frustrantes, como o seriam todos aqueles que acreditaram nas inúmeras declarações do prefeito Paulinho Serra sobre investimentos e modernidade do Eixo de Santa Terezinha, que, como mostramos ontem, se limitaram ao Viaduto Castelo Branco. O ideal mesmo é que todo o entorno do trecho de Santo André da Avenida dos Estados fosse objeto de um novo, amplo e abrangente planejamento, em substituição ao Eixo Tamanduateí de Celso Daniel, impossível a readequações. 

Ou seja: falta um Eixo de Desenvolvimento Econômico naquela imensidão de área, inclusive ou principalmente com a adoção de incentivos fiscais não autofágicos. A função da municipalidade é induzir de forma racional e compartilhada grandes mudanças com reflexos diretos no ambiente econômico.  Deixar tudo isso ao deus-dará das forças do mercado, ou com puxadinhos públicos seletivos, é o mesmo que acreditar na possibilidade de que se chegará a algum lugar de bicicleta de rodas quadradas.

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