Política

São Bernardo: disputa
com cartas marcadas?

  DANIEL LIMA - 05/04/2024

Vou especular sobre as mais recentes mexidas na mesa de cartas das eleições de outubro em São Bernardo. Temos duas duplas mais ou menos combinadas que sugerem o jogo chamado Truco, que pratiquei no passado de forma recreativa e sobre o qual já não tenho conhecimento suficiente para tentar a sorte sem correr o risco de passar vexame.

Os quatro jogadores de truco formam duas duplas distintas. As individualidades, que não eliminariam o caráter cooperativo,  ficariam para mais tarde, numa espécie de finalíssima, que seria o segundo turno. Ou seja: a regra política não escrita determina que um representante de cada dupla faria a disputa final.

As candidaturas de Flavia Morando e de Marcelo Lima correriam na mesma raia de interesses cooperativos, embora com as respectivas autonomias, como forças complementares para combater a dupla formada pelo petista Luiz Fernando Teixeira e o deputado federal Alex Manente, que também correriam em raias próprias, mas de olho numa composição já ensaiada no segundo turno.

PASSIVO PREOCUPANTE

Portanto, são essas as duas representações de fato que vão concorrer à Prefeitura de São Bernardo. Tudo isso, lembro aos leitores, é especulação de jornalista porque a política, ainda mais em período eleitoral, é profundamente flexível em valores e pudores. A margem de erro dessa análise é de 50%. Não são 50% para cima e para baixo porque isso significaria 100% de acerto ou 100% de erro. Compreenderam?

A insistência do ex-vice-prefeito e ex-deputado federal Marcelo Lima em concorrer à Prefeitura tendo o respaldo não declarado do prefeito Orlando Morando é um direito inalienável, mas o candidato sabe que carrega até determinado ponto um ônus desclassificatório. Os oposicionistas Manente e Luiz Fernando Teixeira, que atuaram para que Marcelo Lima se tornasse inelegível, não vão lhe dar folga na campanha acirrada que virá.

Exatamente por causa desse passivo que não é pouca coisa, embora não seja grave como a cassação do mandato sugeriria, o prefeito Orlando Morando buscou um plano alternativo e complementar. Continuo a alertar que se trata de especulação o que estou escrevendo.

MORANDO NAS URNAS

Esse plano alternativo é mais relevante do que parece. O nome Morando, agora travestido de uma moça bonita, inteligente e ao que parece boa de oratória, estará nas ruas nos dois turnos. Para um prefeito que alcança números recordes de sucesso de público numa cidade metade vermelha, não é pouca coisa.

Tanto é verdade que não teria cabimento arriscar a sorte depositando todas as fichas num candidato marcado por acidente de percurso, no caso Marcelo Lima. Flavia Morando é a segurança de dois turnos com um representante do Paço Municipal. Algo que Marcelo Lima não ofereceria.

Independentemente de chegar entre os dois finalistas, a candidatura de Flavia Morando garantirá, primeiro, dois turnos de disputa e, segundo, um suporte ao candidato Marcelo Lima, caso Marcelo Lima seja qualificado ao segundo turno. A reciproca é verdadeira, ou seja, a candidatura de Marcelo Lima também levaria o jogo para o segundo turno e seria suporte a Flavia Morando.

A outra dupla desse jogo de truco, formada por Luiz Fernando Teixeira e Alex Manente, também vai concorrer para chegar ao segundo turno. Os dois sabem, como sabem também Flávia Morando e Marcelo Lima, que  tudo vai virar jogo individual no segundo turno, com cada grupo numa respectiva posição em busca da vitória.

SIGA O FIO DA MEADA

Então, apenas para não se perder o fio da meada especulativa, teremos no primeiro turno em São Bernardo uma disfarçada disputa de quatro concorrentes que de fato são duas duplas: os mais alinhados à periferia com pretendido viés de centro, no caso Luiz Fernando Teixeira e Alex Manente, e os mais alinhados ao centro, com viés de periferia, no caso Flavia Morando e Marcelo Lima.

Insisto no tratamento especulativo desse texto porque tenho obrigação moral com leitores e eleitores que me acompanham. Não acho justo manipular informações quando se trata de disputa eleitoral. Tudo é relativo, até prova em contrário. Imaginar a disputa à Prefeitura de São Bernardo, cidade mais robusta financeiramente da região, é uma brincadeira de parque infantil, ou seja, que não exige definições táticas e estratégicas, é insensatez. O mercado de votos a conquistar é um mercado muito mais complexo que um mercado convencional.

Por que afinal, perguntaria o leitor, esse jogo de cartas marcadas seria levado a cabo ao invés de uma composição prévia entre os quatro concorrentes, formando-se de imediato duas chapas? Por que política é subjetividade pura. Todo mundo acha que pode ganhar a disputa, quando no caso todo mundo são os candidatos supostamente mais organizados.

VERMELHO E AMARELO

O território de São Bernardo, metade vermelho, metade amarelo (antes era azulado, dos tucanos, agora é amarelo dos conservadores) é a arena em disputa. É preciso conquistar os dois mundos em que se divide o Município: a periferia normalmente mais acessível a assistencialistas e as áreas centrais mais conservadoras.

A possibilidade de o ex-prefeito Willian Dib virar vice na chapa de Luiz Fernando Teixeira existe para uma tentativa de combinar periferia operária e sindicalista e áreas centrais mais suscetíveis a um perfil de moderação.

Do outro lado, a recíproca é verdadeira: Marcelo Lima tem maior inserção na periferia religiosa e menos suscetível ao discurso petista e Flavia Morando seria a estocada de sensibilização do eleitorado das zonas centrais.

Considerando-se tudo isso como minimamente razoável, ou seja, compatível com a realidade dos fatos e dos votos de uma cidade que não é rica como alguns pensam e tampouco miserável como poderia ser por conta de crescimento demográfico acelerado, considerando-se tudo isso, qual seria o destino da candidatura de Alex Manente, que teria justamente nas zonas centrais mais aderência popular?

UM GRANDE DESAFIO

Quem tem de responder a essa mais que pergunta, a esse desafio, são os próprios integrantes do grupo de Alex Manente. O fato é que o desenho que se oferece complica a situação do deputado  porque teria de concorrer nas áreas nobres de São Bernardo com a candidata que carrega o nome do prefeito muito bem avaliado em todo o Município, e um pouco mais nas áreas centrais, e ainda teria de tentar respirar diante do assédio de William Dib.

Restaria a Manente, numa hipótese de fracasso no primeiro turno, o destino de sempre: juntar-se a um dos concorrentes que passariam ao turno final. Já fez isso no passado e faria no futuro. Já apoiou o PT e já foi suporte William Dib e Orlando Morando. A  moeda de troca, de qualquer modo, o manterá aceso como politico sempre pronto a ganhar eleição proporcional.

É justo que se contraponha a essa partitura um acorde desafiador à conjectura de que tudo indicaria que Alex Manente sairia chamuscado dessa combinação concorrencial. Afinal, se Luiz Fernando Teixeira e Alex Manente possivelmente seriam cooperativos sem serem companheiros, por que então o candidato a vice na chapa de Luiz Fernando seria exatamente um ex-prefeito que pode canibalizar os votos da classe conservadora que estaria interessada em Alex Manente? Simples: sem um vice proeminente que penetre nas áreas centrais, a candidatura do PT se exaure em competitividade mais aguda.

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