Imprensa

Folha está encalacrada com
escorregões do governo Lula

  DANIEL LIMA - 09/03/2023

Vai ser difícil e certamente doloroso para a Folha de S. Paulo sair da enrascada em que se meteu ao atuar como cabo eleitoral do candidato Lula da Silva e agora ter de lidar com o presidente Lula da Silva.  

A Folha tão desprestigiada nos últimos anos sabe que se correr da instabilidade tormentosa da gestão do presidente o bicho pega e se ficar mesmo que disfarçadamente como o faz, aliás, o bicho come.   

Uma matéria publicada hoje se junta a mais de três dezenas que separei desde janeiro último para provar que a Folha está ferrada junto ao leitorado mais exigente. Mas faz a festa do leitorado cego, surdo e mudo engajado politicamente e avesso ao contraditório consistente.  

A Folha que se proclamava plural em outros tempos ao menos tem a dignidade de abolir essa extensão de marketing. Nada seria mais constrangedor que insistir numa farsa da qual, convenhamos, a própria Folha já se deu conta.  

REPAROS E MUITO MAIS 

Nada deve tirar o direito de um veículo de comunicação adotar a linha editorial que bem entender. À direita ou à esquerda ou eternamente em cima do muro desde que o muro seja o meio mais fácil de colher frutos.  

Veículo de comunicação só não pode se pretender imune a reparos e tampouco anestesiar-se ao contraponto.  

Decidi partir para o finalmente e mostrar o que chamaria de padrão editorial adotado pela Folha de S. Paulo durante os primeiros tempos do governo Lula da Silva. Nada melhor que o contraste com o período do desbocado presidente Jair Bolsonaro.  

A Folha de S. Paulo e o Consórcio de Imprensa, do qual a Folha de S. Paulo é o exemplar mais raivoso, não deram trégua ao ex-presidente por razões diversas, entre as quais alguma justas, embora exageradamente tratadas, e outras totalmente oportunistas, porque retaliadoras.  

TONS DE CINZA 

Qualquer correlação aos tons de cinza do tratamento ao então presidente que inclua ou privilegie os gastos de publicidade não será estupidez e sequer ofensa.  

Exatamente por conta disso, ou seja, do protecionismo ao presidente atual, em contraste com a perseguição ao presidente anterior, eis que me meto a explicar hoje, com exemplo prático, as razões que colocam a Folha de S. Paulo (e a Velha Imprensa de maneira geral) às cordas num tablado de credibilidade já bastante ferida.  

A Folha de S. Paulo e o Consórcio de Imprensa estão grogues. Lula da Silva saiu pior que a encomenda. Talvez somente uma espécie de Plano Real o salvaria. No caso, a reforma fiscal da qual especialistas diversos divergem.    

Vamos então ao exemplo prático da edição da Folha de S. Paulo de hoje? Vou publicar o material em duas versões.  

A versão original, da edição de hoje, e a versão que supostamente seria também de hoje caso o presidente fosse o desafeto Jair Bolsonaro.  

Reproduzo, para tanto, os principais trechos originais da matéria de hoje e, em seguida, produzo a versão jornalisticamente condizente com a prática de atividade que exige equilíbrio e veracidade dos fatos, por mais que diversionistas de plantão afirmem que a verdade comporta várias faces.  

Manchete de hoje, da página A16, da Folha de S. Paulo: “Lula quer ampliar multa para salário desigual”. Linha final, auxiliar: “Projeto prevê que empresa pague 10 vezes sua maior remuneração se homem ganhar mais que mulher na mesma função”. 

Agora, vamos aos trechos mais importantes: 

 O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou um projeto que pune com multas equivalentes a dez vezes o maior valor pago pelo empregador empresas que pagarem salários maiores para homens do que mulheres exercendo a mesma função. A proposta foi anunciada oficialmente durante cerimônia no Planalto nesta quarta (8) em alusão ao Dia da Mulher, em que foi apresentado um pacote de medidas. O projeto ainda será analisado pelo Congresso. O texto prevê que o pagamento da multa à Justiça ocorrerá na hipótese de comprovada a discriminação “por motivo de gênero, raça ou etnia”, e que o valor será 100% maior no caso de reincidência – escreveu a Folha.  

A reportagem é longa e estruturalmente apoiadora subliminarmente à empreitada do petista. Uma ponderação em contrário, editada de forma minimizatória ao texto principal, como se fosse um puxadinho, e sob o título “Lei pode sair pela culatra, dizem especialistas”, é incorporada à página. Leia os principais trechos: 

 O projeto de lei sobre igualdade salarial entre homens e mulheres não resolverá o problema da disparidade de remuneração e ainda corre o risco de prejudicar as mulheres no mercado de trabalho. A avaliação é de economistas ouvidos pela Folha que dizem que o país já tem legislação proibindo a discriminação salarial com base em gênero – que não é suficiente para impedir que empresas remunerem melhor homens que mulheres numa mesma função.  (...) Para Cecilia Machado, professora da EPGF (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV e colunista da Folha, o projeto é redundante, dado que o arcabouço legal brasileiro, incluindo Constituição e CLT, já proíbe a discriminação. No entanto, a principal crítica que ela faz é sobre a eficácia. Segundo Machado, esse tipo de legislação já vem sendo discutido há mais de 70 anos, com a experiência internacional mostrando que não funciona. “Um dos motivos é que é muito difícil medir discriminação. Não é porque duas pessoas numa mesma ocupação recebem salários diferentes que isso significa que é discriminação” – afirma. Ela argumenta que as remunerações podem variar por diferenças na formação do trabalhador, na experiência profissional, e na própria função executada – tendo atribuições distintas, por exemplo. (...) Fernando de Holanda Barros Barbosa, pesquisador da área de Economia Aplicada do EGV Ibre, pondera que a possiblidade de o tiro sair pela culatra não envolve só empresas que “querem discriminar”. A depender de como a lei será interpretada e aplicada, o risco percebido pelas companhias pode ser um fator desmotivador ainda que a empresa faça tudo certo. “Pessoas com a mesma função devem ganhar a mesma coisa. Isso está bem esclarecido, não precisava nem de uma lei nova. A lei nova está criando multas claras, mas isso pode, dependendo da forma como se aplica, mais atrapalhar do que ajudar, diz”. Na avaliação dele, o projeto de lei deixa algumas dúvidas que precisarão ser esclarecidas, principalmente sobre como mensurar o que é uma mesma função. “Gerente de uma mesma loja ou de um mesmo banco, mas que trabalham em agências com faturamentos diferentes, devem ganhar o mesmo valor?, questiona. “No fundo, o trabalho não é o mesmo, e a lei precisa especificar esses detalhes.”. Machado destaca que a disparidade salarial está ligada a questões específicas de gênero, como a maternidade. Por isso, políticas que busquem equidade deveriam olhar para as causas, não só para as consequências. 

Também poderia reproduzir outros trechos do contraponto minimizado na edição da Folha de S. Paulo. Seria desnecessário porque certamente o leitor já entendeu o que se passa. E o que se passa agora será didaticamente explicado.  

Com base no passado recente das relações entre o então presidente Jair Bolsonaro e a Velha Imprensa (quando se confundiram rusgas de tratamento com conteúdo de governo), eis como seria a edição da Folha de S. Paulo de hoje.  

A manchete seria mais ou menos a seguinte: “Bolsonaro pode criar mais problemas no mercado de trabalho”. A linha fina, auxiliar, seguiria a seguinte trajetória: “Projeto prevê intervenção ainda maior nas relações entre empresas e Estado em redundante tentativa de conquistar o eleitorado feminino”. 

Agora, para completar de vez o exemplo emblemático do que seria a matéria, reproduzo o texto coerente com aquela situação: 

 O presidente Jair Bolsonaro quer furar o bloqueio do mercado de votos femininos, sobre o qual tem menos prestígio do que nos homens. Por isso mesmo não mede esforços. Para tanto, anunciou nesta quarta-feira um projeto redundante e oportunista que interfere no mercado de trabalho e coloca em risco a maioria de pequenas e médias empresas do País. A suposta proteção aos direitos das mulheres no que diz respeito ao assalariamento igual ao dos homens em funções também iguais não passa de uma armadilha, garantem especialistas. O tiro poderá sair pela culatra. Para Cecilia Machado, professora da EPGF (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV e colunista da Folha, o projeto é redundante, dado que o arcabouço legal brasileiro, incluindo Constituição e CLT, já proíbe a discriminação. No entanto, a principal crítica que ela faz é sobre a eficácia. Segundo Machado, esse tipo de legislação já vem sendo discutido há mais de 70 anos, com a experiência internacional mostrando que não funciona. “Um dos motivos é que é muito difícil medir discriminação. Não é porque duas pessoas numa mesma ocupação recebem salários diferentes que isso significa que é discriminação” – afirma. Ela argumenta que as remunerações podem variar por diferenças na formação do trabalhador, na experiência profissional, e na própria função executada – tendo atribuições distintas, por exemplo. Fernando de Holanda Barros Barbosa, pesquisador da área de Economia Aplicada do EGV Ibre, pondera que a possiblidade de o tiro sair pela culatra não envolve só empresas que “querem discriminar”. A depender de como a lei será interpretada e aplicada, o risco percebido pelas companhias pode ser um fator desmotivador ainda que a empresa faça tudo certo. “Pessoas com a mesma função devem ganhar a mesma coisa. Isso está bem esclarecido, não precisava nem de uma lei nova. A lei nova está criando multas claras, mas isso pode, dependendo da forma como se aplica, mais atrapalhar do que ajudar, diz”. Na avaliação dele, o projeto de lei deixa algumas dúvidas que precisarão ser esclarecidas, principalmente sobre como mensurar o que é uma mesma função. “Gerente de uma mesma loja ou de um mesmo banco, mas que trabalham em agências com faturamentos diferentes, devem ganhar o mesmo valor?, questiona. “No fundo, o trabalho não é o mesmo, e a lei precisa especificar esses detalhes.”. Machado destaca que a disparidade salarial está ligada a questões específicas de gênero, como a maternidade. Por isso, políticas que busquem equidade deveriam olhar para as causas, não só para as consequências.

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