Ultrapassagem da Grande Osasco
é lição à baixa governança regional
DANIEL LIMA - 25/08/2010
Uma associação metafórica que utilize o ataque às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 e o recente terremoto no Haiti ajuda a explicar os efeitos combinados de prejuízos causados ao Grande ABC pelo trecho oeste do Rodoanel e também pela descentralização automotiva durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Talvez a comparação seja uma arma letal à chamada de consciência regional porque parecerá alarmista o suficiente para atingir esse objetivo. Não há exagero algum no uso desse armamento conceitual quando se prioriza despertar a cidadania regional da letargia em que se meteu depois das falsidades integracionistas.
A ultrapassagem do Grande ABC pela Grande Osasco na produção de riqueza por habitante nos últimos 15 anos, contados a partir de janeiro de 1995, é muito mais grave do que se pretende imaginar. Está equivocado quem atribuir à situação desastre econômico e social isolado, circunstancial e, portanto, naturalmente superável. A crise não tem causas terroristas nem naturais. É descaso, negligência, desinteresse, incompetência e tudo que a literatura da vagabundagem institucional permitir.
A derrocada é uma tendência orgânica que se manterá viva por muito tempo. O trecho sul do Rodoanel, recentemente inaugurado e que tangencia a maior parte do território do Grande ABC, não tem os efeitos terapêuticos imaginados. A charlatanice de oportunistas de plantão tende a sugerir o contrário, porque essa é a maneira tradicionalmente mais eficaz de fingir que se faz alguma coisa para obstar os passos da fragilidade estrutural do Grande ABC.
A saída é improvável, porque depende fortemente de uma institucionalidade em frangalhos que se vende há muito tempo como pretensamente avançada. Gostamos de nos enganar e de cair no conto de sereias eleitoreiras que por aqui aportam em períodos eleitorais com a sacola de elogios sempre fartas para lustrar o ego gataborralheiresco que nos aflige.
É claro que essa é a face pública da ordem unida de lambeção interesseira, porque quando o tempo eleitoral fecha e as urnas revelam os resultados práticos, não sobra praticamente nenhum representante do cordão de puxa-sacos para contar a história.
Ou não foi durante o período supostamente mais fértil de integração regional, com a criação da Câmara Regional, da Agência de Desenvolvimento Econômico e a retomada do Clube dos Prefeitos, além da criação do Fórum da Cidadania, que o Grande ABC mais se esvaiu economicamente e mais sentiu as dores do parto do encavalamento de rupturas sociais, com quebra da mobilidade de classe forjada durante o período de industrialização crescente? Tudo isso ocorreu na última década do século passado, que, ao contrário do que parece, não está tão longe assim.
Quando repassei ontem nesta revista digital os primeiros números e conceitos de mais uma confirmação da perda da vitalidade econômica do Grande ABC, sabia os efeitos que as informações provocariam. Há o divisionismo natural de quem não foge da realidade dos fatos e as polianas de sempre, que tentam minimizar os efeitos das mudanças na Grande São Paulo porque têm interesses particulares em jogo.
Dou de ombros aos otimistas de araque. Por isso continuo explorando aqueles e também novos números.
Em 1994, quando o Plano Real foi criado, o Grande ABC registrou em valores atualizados a dezembro de 2009, nada menos que R$ 61,9 bilhões de Valor Adicionado, ou seja, de produção de riqueza. Dividindo-se aqueles valores pela população de então, de 2.042.631 habitantes, chega-se a R$ 30.304,50 per capita. Do outro lado do jogo, a Grande Osasco (Pirapora do Bom Jesus, Itapevi, Jandira, Barueri, Carapicuíba, Osasco, Cotia e Santana de Parnaíba) apontava números bem mais modestos, igualmente atualizados: R$ 18,7 bilhões. Per capita, contando que a Grande Osasco registrava população de 1.303.181 habitantes, chegava-se a R$ 14.349,50.
Peguem os números de Valor Adicionado per capita do Grande ABC e da Grande Osasco em 1994, confronte-os e vejam o resultado. Se na sua conta a diferença favorável ao Grande ABC é de 52,65%, não há erro. Traduzindo: quando da implantação do Plano Real e quando apenas se anunciava a construção do Rodoanel na Grande São Paulo, sem se especificar por onde a obra começaria, o Grande ABC dava um baile econômico na Grande Osasco.
Agora, vamos saltar no tempo e vamos chegar a dezembro de 2009. Isso mesmo, 15 anos depois do Plano Real, da descentralização automotiva, da construção do trecho oeste do Rodoanel que beneficiou fortemente a Grande Osasco principalmente em detrimento do Grande ABC, fragilizado pelo deslocamento de muitos empreendimentos locais em direção àquela região da metrópole.
Em 2009, o Grande ABC registrou Valor Adicionado de R$ 53,9 bilhões para um total de 2.354.722 habitantes. Isso significa Valor Adicionado per capita de R$ 22.890,17. Nada menos que 24,47% abaixo do Valor Adicionado per capita de 1994.
Em 2009, a Grande Osasco registrou Valor Adicionado de R$ 39,8 bilhões para uma população de 1.695.920 habitantes. Isso significa Valor Adicionado per capita de R$ 23.468,08. Nada menos que 63,54% acima do Valor Adicionado per capita de 1994.
A situação só não se agravou mais para o Grande ABC no período porque a demografia da Grande Osasco deu um salto bem maior: a população do G-8, como poderia ser definida a Grande Osasco, cresceu 30% no período, enquanto no Grande ABC não passou de 15%. Mesmo assim, o que era vantagem na geração de riqueza de elevadíssimos 52% na disputa por habitante, tornou-se desvantagem de 2,52%.
Quem disser que não há algo de errado na estrutura econômica de um Grande ABC que jamais se planejou para dar sustentação à dádiva de ter recebido a indústria automotiva e o Pólo Petroquímico a partir de meados do século passado precisa ganhar um lugar urgente numa dessas casas de repouso forçado.
Não encerramos, ainda, esse confronto mais que interessante.
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