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CRIME NO PET SHOP: MÍDIA
NÃO ENXERGA UM ELEFANTE

  DANIEL LIMA - 26/05/2025

Somente depois de mais de quatro anos decidi criar coragem e vasculhar a Internet. Fiquei curioso em saber como a mídia de papel e a mídia digital trataram o Caso do Pet Shop, em São Bernardo. Foi o bastante para chegar a duas constatações igualmente motivadoras a produzir este texto apenas aparentemente defasado no tempo. A mídia não enxergou um elefante de obviedade.

A primeira constatação leva à conclusão de que não é à toa que a pergunta que mais ouço nos últimos anos quer por onde ande é a seguinte: “Como tudo aconteceu?”. A segunda constatação é que preciso de apenas 15 segundos para oferecer resposta imediatamente compreendida. O que isso significa?

Vou revelar de imediato o que tenho respondido a todos, mas a resposta não significa que um outro mistério ou suposto mistério de um assassinato não consumado tenha perdido a força da curiosidade natural de quem gosta de sangue ou prefere a solidariedade. É disso que se trata, afinal, porque quem me pergunta é solidário ou louco por emoções.

SOMENTE 15 SEGUNDOS

E olha que não estou me referindo a vagabundos sociais, felizmente poucos, que fazem ataques em nome de terceiros igualmente vagabundos. Tudo nas redes sociais, campo de batalha mais escancarado que a mídia profissional de bons modos, mas também repleta de incorreções.  

Vamos então à resposta de 15 segundos de leitura?  Como 15 segundos de resposta verbalizada podem explicar tudo o que ocorreu?

Como pode a mídia que repercutiu o caso em centenas de publicações de papel e digital não teve capacidade de discernir o que é uma suposta dúvida industrializadora de outras dúvidas e uma certeza de culpabilidade mais que evidente?

Ora, a mídia profissional tão estranha, ou mais estranha do que antes, é incapaz de raciocinar diante de desafios do aqui-agora. Por mais que as evidências esfreguem verdades e mentiras nas fuças do descuido.

Então vamos lá, literalmente, à resposta que descobri didática, demolidora, a todos que me abordam ainda nos dias de hoje. Prestem atenção ao que escrevo: 

QUEM VOCÊ ACREDITA QUE É CULPADO ÚNICO E EXCLUSIVO NO CASO DO PET SHOP: ALGUÉM LEVADO ÀS PRESSAS A UMA UTI HOSPITALAR APÓS SER BALEADO OU QUEM USOU UM REVÓLVER,  SE DIRIGIU EM SEGUIDA AO PISO SUPERIOR DO ESTABELECIMENTO, APANHOU A GRAVAÇÃO DAS CENAS REGISTRADAS POR  CAMÊRAS DE SEGURANÇA, BOTOU TUDO NUMA SACOLA E FUGIU DO LOCAL? 

Ao destrinchar na Internet como se deu a cobertura da imprensa,  catapultei ao topo da compreensão o quanto de imprecisões e omissões foram cometidas pela mídia impressa e eletrônica. Por conta disso, induziram consumidores de informação a despertar dúvidas e conclusões apressadas, quando não maliciosas, quando não injuriosas e difamatórias, sobre o caso.  

DESCOBERTA RECENTE

Só descobri isso tudo na semana passada ao ganhar coragem para pesquisar toda a mídia. Antes o fizera apenas tendo a mídia regional como base de pesquisa. O Diário do Grande ABC fez uma barbaridade de cobertura. Fui tratado como um beberão de boteco de quinta categoria.  

A informação básica – a autoincriminação do agressor ao roubar as imagens do ambiente em que se deu o tiro à queima-roupa no rosto deste jornalista -- estava disponível duas horas após o ocorrido, no começo daquela tarde. A Polícia Científica documentou tudo e comunicou a mídia. Tanto é verdade que algumas publicações registraram burocraticamente a informação.  Burocraticamente significa que não deu importância alguma ao que era o mais relevante, a chave do crime.

Ageu Rosas Galera, meu agressor, sabia que cometera um crime covarde, sem justificativa alguma -- exceto o que vou revelar mais adiante e que se configurou uma reação machista. Como machista? Espere até os parágrafos finais.

CENA DO CRIME ROUBADA

Ele, meu agressor, agiu friamente, subiu a escada de acesso ao patamar do dispositivo tecnológico de segurança e, após acondicionar o material  numa bolsa de couro, desceu a mesma escada e se evadiu. As cenas do assassinato não consumado foram embora na velocidade de uma motocicleta do agressor. O Instituto de Criminalística de São Bernardo prova isso. As fotos são públicas.

Estava ainda no solo, boca estourada com   o impacto do disparo de uma Taurus de calibre 38, quando o agressor desapareceu. Não vi nada disso. Foram as testemunhas que acompanharam atentamente, além das câmeras agora sem registros mas estrategicamente direcionados à recepção da empresa.

Me vejo nesse texto não como vítima, mas como jornalista escalado para cobrir o caso. E o faria de forma diferente. Sem dar margem a subjetividades, imprecisões, falso equilíbrio de tratamento, ou o distanciamento muito covarde de ser.

ELEFANTE ÓBVIO

O básico estava na cara de todos: a tentativa de assassinato (que chamo de assassinato não consumado) evidenciava-se independentemente de qualquer outra conjectura pela simples razão de que o autor do tiro tratou de roubar a cena do crime documentada pelas câmeras e armazenadas no equipamento eletrônico de uma empresa especializada.  

Para piorar a situação do agressor,  nos meses seguintes, durante o processo criminal, diante da obviedade do laudo pericial da Polícia Científica de São Bernardo, a tentativa de encontrar uma saída defensiva flutuou entre a estupidez e a burrice: as câmeras – arguiu o defensor do criminoso -- estavam desligadas.  Ora, bolas: se as câmeras estavam desligadas, por qual razão então o agressor fugiu com a gravação a tiracolo? Tudo isso e muito mais chamais foram objetos de cobertura inicial ou suplementar da mídia.

A mídia preguiçosa e a mídia sobrecarregada (é preciso distinguir uma coisa da outra, porque o jornalismo profissional virou jornalismo fastfoodiano de escravos) desprezaram o essencial do caso, como se observa.

MANCHETE ÚNICA

Qualquer manchete fora dessa variável (“Homem atira em cliente e foge com gravação do crime”) retiraria, de imediato, o assassinato não consumado da zona do meretrício da equivalência de responsabilidade dos envolvidos da forma com que foi unanimemente utilizada: “Jornalista é atingido com tiro no rosto após discussão em pet shop”, ou algo semelhante.

Entenderam a diferença entre uma coisa mais que comprovada e outra coisa mais que imprecisa?

Vou mais longe ainda, sempre com base na recuperação dos fatos daquele primeiro de fevereiro de 2021. Fatos à disposição da mídia. Minha acompanhante no pet shop foi ouvida formalmente duas horas depois pela Polícia Civil e relatou a ocorrência ainda sob estado de choque. Antes disso, cuidou de questões burocráticas à minha internação hospitalar. 

As demais testemunhas, funcionários do pet shop, não se sabe por que, foram ouvidas apenas no dia seguinte, após combinarem respostas com o advogado contratado pelo agressor. Só esqueceram de combinar com dois funcionários do estabelecimento que, ouvidos pela Policia Científica logo após o incidente, confirmaram a verdade dos fatos.

COBERTURA TÓPICA

A mídia praticamente esgotou a cobertura jornalística no mesmo dia do caso. Algumas esticaram o cronograma com registros da recuperação hospitalar. Mas a questão essencial do sumiço registrado pela Polícia Cientifica das cenas na recepção do pet shop jamais mereceu atenção. Um elefante de obviedade foi solenemente desprezado.

Não devo reclamar da sorte, ou, mais que isso, devo muito à sorte, por não sido de fato assassinado naquele começo de tarde. Ao estar acompanhado, me safei de um assassinato duplo caso o projetil não ficasse a milímetro de milímetro da carótida como destino de uma trajetória que também flertou com outras partes vitais do rosto e do pescoço.

Qual seria o segundo assassinato, além do primeiro? Ora, bolas: o Tribunal do Júri, palco de uma liberdade impune à mentira, à difamação, ao esculacho da realidade, certamente absolveria o réu. Afinal, a vítima se transformaria em vilão. Passaria pelos territórios de racismo, violência verbal, assédio à mulher do assassino, entre outras barbaridades.

E o agressor seria exaltado como exemplo de cuidador de animais, atencioso com o horário de alimentação das cachorras, gentil no tratamento aos clientes. Até mesmo o caso de denúncia em que se envolveu como GCM em Indaiatuba, acusado de tortura, possivelmente seria exposto como farsa dos denunciantes que injustamente o levaram a afastamento disciplinar.

QUAL O MOTIVO?

Fossem respeitados,  os 15 segundos elucidativos que traduzem a operação rouba-gravação no pet shop não só confirmariam tudo o que foi apresentado como peça de acusação a meu agressor como também retirariam em definitivo uma interrogação enorme e especulativa. Afinal, por que o agressor desferiu o tiro pretensamente fatal? Qual foi a motivação, já que as câmeras de gravação comprovariam que não houve sequer discussão?

O leitor é capaz de projetar a resposta? Insisto na exposição: o que teria levado Ageu Rosas Galera, o então CGM afastado das funções, a desferir um tiro à queima-roupa em alguém que ocupava as mãos ao segurar duas cachorras pelas guias, mantendo o corpo levemente inclinado? Corpo ligeiramente inclinado que evitou que o tiro atingisse frontalmente o rosto da vítima, o que aumentaria o potencial de letalidade.

Vamos, responda: como pode alguém atirar em alguém sem motivo direto algum, conforme comprovaria a gravação roubada? Simples, muito simples, e cheguei a essa conclusão apenas quatro meses após o ocorrido, quando finalmente descobri a razão de tudo ao insistir na busca da peça central  daquela ocorrência.

MACHISMO PURO

Trata-se do seguinte: a dona do estabelecimento, mulher do agressor, interveio após observar que o marido atirou as guias das duas cachorras ao chão após ouvir do cliente que não era possível mais esperar pela tosa em atraso. Afinal, já se passavam mais de três horas de uma operação prometida de 60 minutos.  O agressor respondeu ao cliente de forma ríspida: “Estão aqui suas cachorras, não quero ver mais sua cara e não precisa pagar”. Quando o cliente respondeu diplomaticamente que fazia questão do pagamento, a dona do estabelecimento exigiu em tom grave de voz que o marido agressor subisse a escada (rumo aos equipamentos eletrônicos) enquanto ela resolvia a situação. Um crime de machismo puro.  

Gostaria muito, já que cumpriu parte da pena de 9,4 anos (foram menos de 36 meses) que meu agressor apresentasse a prova do crime. Não pagará mais nada por isso. O julgamento de 17 horas, repito, foi um show de horrores, sem consequência alguma às mentiras e tampouco a um falso perito que produziu uma peça de ficção na tentativa de dar robustez ao engodo. O mesmo falso perito famoso que ainda outro dia apareceu nas redes sociais em cenas domésticas de arrepiar os cabelos.

QUEM PAGA A CONTA?

Restaria apenas em toda essa história a derrubada de uma ação ardilosa que não constaria da gravação do ambiente, porque os personagens apareceram depois do tiro e agiram nos bastidores de lodaçal ético.

Quem: os financiadores da defesa de um criminoso, reforçada por um escritório de Advocacia da família de um chefão da Polícia Civil de São Bernardo. Em tempo: a indenização da vítima não passa de valor mixuruca que possivelmente não será depositado nos próximos 20 anos.

Para completar, entre muitos detalhes que preferi não reproduzir agora:  Lolita e Luly foram atendidas pela primeira e última vez no pet shop próximo a minha residência, a pedido de minha filha. Antes, frequentaram anos a fio um mesmo endereço. Aliás, para onde voltaram minhas cachorras. Foi uma troca infeliz e quase letal que me persegue em forma de pergunta no dia-a-dia de solidariedade e curiosidade.

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