Imprensa

CAPAS QUE ANALISAM A
REALIDADE DA REGIÃO (1)

  DANIEL LIMA - 15/05/2025

O que você vai ler nesta série que começa hoje e tem outros nove capítulos é apenas o que chamaria de uma porta entreaberta do Grande ABC nos últimos 35 anos. Nesse período, com a criação da revista de papel LivreMercado e a continuidade em forma digital de CapitalSocial, nada que fosse importante para esse território de três milhões de habitantes ficou para trás. A porta totalmente aberta é essa história de 35 anos de todas as edições.  

Sem qualquer possibilidade de ceder à falsa humildade, o que posso dizer como jornalista que comandou essa dupla publicação é que descortinamos desde sempre o futuro do Grande ABC num passado em que era crime de lesa-região opor resistência ao triunfalismo daqueles de sempre, preguiçosos por natureza e safadeza. Um crime de lesa-pátria que segue adiante no presente, também como marca registrada dos procrastinadores de iniciativas que deveriam ser agenda obrigatória e urgente na tentativa de retirar, como previsto no passado, o Grande ABC da enrascada em que se meteu.

Mas vamos aos finalmentes, porque sobre essa série especial já escrevemos. O que os leitores vão encontrar agora, na sequência, são textos que também são análises correspondentes ao que foi possível preparar para que coubesse tecnicamente no espaço disponível neste endereço digital comprometido com a sociedade regional.

TRAJETÓRIA INVEJÁVEL

Das 44 páginas originais em papel da edição de março de 1997 (portanto há mais de 28 anos) selecionamos uma parte que fideliza o aspecto geral desse trabalho de fôlego.

Sem dúvida, ao longo das edições formato físico de revista de LivreMercado, essa Reportagem de Capa supera todas as demais já definidas (e também as que não conseguiram passar pelo filtro arbitrário deste jornalista) em quantidade de produção. 

O critério de tamanho não constou do arbitramento decisório deste jornalista ao selecionamento das capas que se seguirão em datas aleatórias nos próximos 45 dias. Mas a combinação de tamanho,  encaixe temporal e tudo o que poderia ser chamado de iniciativa rigorosamente revolucionária no trato de informações está no que se segue.

Sem nenhuma dúvida, esse material, produzido na quinta edição pós-conversão de LivreMercado em revista de papel, ao sair da modéstia física de um tabloide, é mesmo o marco inicial do que se converteu numa trajetória de imprensa insuperável e exemplar. Não há região alguma do País que tenha as características de LivreMercado/CapitalSocial, não só pela longevidade, que qualquer publicação pode ter, mas sobretudo como transmissora indelével de realidades em vários pontos que a concorrência, por assim dizer, geralmente despreza ou teme expor, por conveniência ou pressão dos poderosos de plantão. 

Seguem portanto os textos que abrem essa imensidão de jornalismo desbravador. Futuras gerações, quando encontrarem essas páginas no mundo digital, vão poder dizer que compreenderam perfeitamente o quanto um desastre anunciado se estendeu de maneira impune diante dos olhos e da covardia da maioria dos agentes públicos, privados e sociais que viram o Grande ABC ir à bancarrota, mas chegaram ao desplante de não só fecharem os olhos como, também, de iludirem o distinto público com sofisticações  semânticas, quando não grosseiras, para ludibriar a boa-fé geral. As exceções, que já foram muitas, agora praticamente desapareceram.

E àqueles poucos, abutres, pagos com dinheiro público para perseguirem este jornalista porque detestam que o ritual de análises se mantenha distante do oba-oba vergonhoso com que contemplam a sociedade, o que temos hoje e nos próximos capítulos são provas inquestionáveis de que o melhor jornalismo regional do País tem nome, sobrenome e sinônimo. 

 

Futuro do Grande ABC

pertence à sociedade

 DANIEL LIMA e MALU MARCOCCIA - 05/03/1997 

Como temer o futuro uma região geograficamente metropolitana que reúne sete prefeitos igualmente decididos a empreender gestões integracionistas? Como temer o futuro uma região que tem uma entidade chamada Fórum da Cidadania que, em quase três anos de atividades, só coleciona sucessos como agente mobilizador da sociedade? Como temer o futuro uma região que tem em seus respectivos Municípios secretários de Desenvolvimento Econômico decididos a implementar ações conjugadas, tal qual seus chefes, os prefeitos?

Como temer o futuro uma região eleita pelo governo do Estado para sediar o lançamento da Câmara Regional, primeira e inusitada experiência de gestão compartilhada de uma numerosa agenda de intervenções, da qual farão parte, além do próprio Estado, os prefeitos, através do Consórcio Intermunicipal, os vereadores, que também arregaçaram as mangas, a sociedade civil, através do Fórum da Cidadania, lideranças sindicais e empresariais diversas?

Como temer o futuro uma região com 2,3 milhões de habitantes que representam o quarto maior potencial de consumo do País? Como temer o futuro uma região que conta com retumbantes investimentos nas áreas comercial e de serviços, que tem como sede grandes indústrias, que reúne operariado de qualificação superior à média nacional, que tem gama imensa de executivos que disputam novo filão de negócios na área de consultoria?

INQUIETANTE REALIDADE

Como temer o futuro uma região em que uma de suas principais empresas, a Ford, anuncia para o próximo dia 14, com a esperada presença do presidente Fernando Henrique Cardoso, o lançamento da produção de um avançado modelo de veículo, o KA? O KA é um automóvel revolucionário que incorpora estilo ousado e criativo e ganhou o título de Carro do Ano e oito outros importantes prêmios na Europa. É um popular que chega ao Brasil cinco meses depois do lançamento oficial no Primeiro Mundo.

O Grande ABC tem esses e outros motivos para acreditar no futuro. E deve insistir nessa perspectiva, até porque o contrário seria catastrófico. Mas o bom senso não pode escamotear uma dura e inquietante realidade: toda essa movimentação praticamente sem paralelo no País, pelo menos no volume e intensidade com que vem sendo concebida, são fantasmas exorcizados dos armários do comodismo, da dispersão, da insensatez, e do descaso coletivo protagonizados durante quatro longas décadas. Exatamente a partir do momento em que o Grande ABC começou a ganhar a configuração de poderosa região econômica, com a implantação da indústria automotiva.

Para contribuir com o futuro regional necessariamente melhor que o presente de esvaziamento econômico e de percalços sociais, o Fórum da Cidadania está em franca metamorfose. A ordem é apurar a artilharia conceitual para dar intensa assessoria à Câmara Regional. Os grupos temáticos, de desenvolvimento econômico, segurança, saúde, políticas públicas, planejamento urbano, educação e outros, vão saltar para o primeiro plano na hierarquia. Esses microrganismos vão construir informações mais profundas. O Colégio Executivo deixará a ribalta e vai atuar mais como mecanismo de articulação política e técnica. O Fórum terá também novos segmentos sociais a reforçar seus ideais de cidadania, mas as conjecturas ainda não foram levadas à aprovação da plenária, seu poder supremo. Certo mesmo é que se o Fórum fez furor em 30 meses de gestação da Câmara Regional, uma nova criatura institucional no Grande ABC, seu futuro mais imediato não será diferente, a não ser com ganhos de impetuosidade.

DÉCADA DE ATRASO

O Consórcio Intermunicipal, formado pelos prefeitos dos sete Municípios, deverá ganhar a companhia de presidentes das Câmaras Municipais. A reivindicação do petista Vanderlei Siraque é que os vereadores tenham o mesmo poder hierárquico dos prefeitos. Resta saber se os prefeitos vão aceitar dividir o comando. De qualquer forma, já estão pulverizando as ações entre o secretariado. Os titulares e auxiliares das Secretarias econômicas, pastas criadas apenas neste início de ano, isto é, quatro décadas depois de o Grande ABC começar a converter-se num dos principais pólos industriais da América Latina, já realizaram várias reuniões e começam a anunciar propostas. Uma delas é dotar a região de um banco de dados para monitorar o planejamento. Exceto Diadema, nenhum dos Municípios tem sequer banco de dados próprio. O regional é, por isso mesmo, algo que escorraça com o passado de alheamento científico.

Fórum reformulado, Executivos públicos irmanados, Legislativos públicos interessados, só faltaria o governo do Estado entrar com sua contribuição. Disso tratou o secretário de Desenvolvimento Econômico e Tecnologia, Emerson Kapaz, que costurou a constituição da Câmara Regional. O Estado dá tamanha importância a essa espécie de pacto que se desenha que o próprio governador garante presença dia 12 próximo, às 19h30, no salão nobre da Prefeitura de São Bernardo, para o lançamento do programa. Representantes sindicais e empresariais, outros vetores imprescindíveis dessa nova amarração institucional, também vão participar da Câmara Regional, cujas instâncias de decisões se assemelham às do Fórum da Cidadania, inclusive com grupos temáticos. O tema desenvolvimento econômico é peça-chave desse tabuleiro de negociações que tentarão dar à indagação sobre que futuro aguarda pelo Grande ABC um tom menos provocativo e respostas consistentes.

CONJUNTO DE DESAFIOS

Mas não será nada fácil. Sinceramente, é um conjunto de desafios que esperam pela sociedade regional em combinação com o governo do Estado. A começar pelas montadoras automotivas e autopeças, que garantem a estabilidade socioeconômica da região, o quadro que se tem é senão apavorante, pelo menos desconfortável. A máscara suave dos investimentos tecnológicos que a globalização econômica exige esconde as faces do desemprego. Some-se a isso a descentralização da produção de veículos, com as respectivas fugas de autopeças, e se encontra algo parecido com a casa mal-assombrada dos parques de diversão, com a diferença de que não se está no Playcenter, não é um jogo do faz-de-conta. Que alternativa será estabelecida para compensar o baque das montadoras da região que já foram monopolistas na produção e hoje não passam de 41% do mercado nacional?

A infra-estrutura regional, tanto física quanto legal, se assim pode ser chamado o calhamaço de leis municipais que não guardam qualquer relação integracionista, é tão receptiva a empreendimentos quanto a amizade entre Tom e Jerry. Absurdos legislativos de longa data ainda assustam pretendentes a investimentos. O sistema viário interno dos Municípios estraçalharia até os nervos dos escravos de Jó. A Via Anchieta e a avenida dos Estados, portas de entrada e de saída dos Municípios, levam motoristas mais irônicos a meditar sobre a conveniência de trocar os veículos motorizados por tração animal, porque a velocidade seria a mesma e o custo com combustível desapareceria. A avenida dos Estados é um caótico corredor há mais de duas décadas em obras.

MUITOS INCONVENIENTES

Há série de outros inconvenientes que maltratam a vida social e econômica do Grande ABC. Caso da pitoresca, ou trágica, Lei de Proteção dos Mananciais, uma fornada de bobagens que já completou 20 anos, impediu a ocupação de indústrias não-poluentes e incentivou a invasão eleitoral de moradias que lançam esgoto diretamente às águas da Represa Billings, o precioso reservatório de água da região. O acúmulo de detritos de insensatez que marcou a trajetória do Grande ABC nas últimas quatro décadas, sempre na tola expectativa de que a indústria automotiva era a eterna âncora do desenvolvimento sustentado, agora fere as narinas mais sensíveis. Os morros estão apinhados de gente pobre e desempregada. O deslocamento da população rumo a uma periferia cada vez mais violenta, que chega a ter índices de criminalidade só superados pelos desmanches no Embu, é um ritual de claro empobrecimento regional.

É por isso, e por muito mais, que o Fórum da Cidadania, o Consórcio Intermunicipal e o governo do Estado estão-se dando as mãos e juntando os corações. O outrora símbolo desenvolvimentista do País, herança mais respeitável de Juscelino Kubitschek, porque Brasília é uma calamidade, está numa sinuca de bico.

Grande ABC tem futuro? Há quatro décadas essa pergunta seria ridicularizada. Hoje provoca no mínimo meditação, apesar dos estimados US$ 27, 5 bilhões de Produto Interno Bruto, que representam um quarto do PIB da Região Metropolitana de São Paulo, 14% do PIB estadual e 5% do PIB nacional. A resposta quem vai dar é o conjunto da comunidade.

 

Montadoras já

não são a garantia

 DANIEL LIMA - 05/03/1997

A adaptação de um estribilho de música sertaneja que já fez sucesso no Brasil — aonde a vaca vai, o boi vai atrás — serve de suporte para o que se descortina no horizonte da economia do Grande ABC. Basta leve enxerto para que o bordão deixe o mundo musical e se transforme numa inquietante frase socioeconômica. Ficaria assim: aonde a vaca das montadoras de veículos do Grande ABC vai, o boi da economia regional vai atrás.

Pode ser uma frase de mau-gosto, dessas que poucos teriam coragem de repetir, mas é rigorosamente uma constatação. Se voltasse no tempo, o efeito dessa metáfora seria gratificante no final dos anos 50, quando a indústria automobilística deitava raízes fortes na região. Também no final dos anos 60 seria bem-vinda, porque o parque automotivo e de empresas satélites esbanjava vitalidade.

Já no final dos anos 70, a situação começaria a se alterar, com a abertura da temporada de deserções ainda não detectadas pelos ufanistas. No final dos anos 80, já sob os efeitos da saturação da Região Metropolitana de São Paulo, do explícito incentivo do governo estadual à interiorização e dos constantes entreveros sindicais, não era mais despropósito a paródia musical. Agora, no final dos anos 90, com globalização, abertura econômica e descentralização em massa de investimentos no setor, o que se tem é muita, mas muita preocupação. 

UM NÓ GÓRDIO

Encontrar alternativa complementar para a exagerada dependência da indústria automotiva cada vez mais agregadora de tecnologia e racionalizadora de mão-de-obra é o nó górdio do Grande ABC. Se nestes tempos de produções recordes, de mercado aquecido e de participação relativa direta de quase metade do setor automotivo regional no bolo produtivo nacional a situação é complicada porque ainda há excesso de trabalhadores no chão de fábrica e de executivos nos gabinetes das montadoras e das autopeças, o que esperar dos próximos anos, quando novas plantas industriais estarão despejando nas concessionárias produtos sem procedência do Grande ABC e se terá estabelecido nível de concorrência mais forte, inclusive sem a proteção alfandegária de hoje, porque se acentuam as pressões pelo livre-mercado?

De detentor quase absoluto das linhas de montagens de veículos no País, o Grande ABC encontra-se na situação de conviver com outros pólos. Algo parecido com o garoto dono da bola, das regras do jogo e do campo que de repente, em vez de um simples exercício individual de talento, das embaixadas, tem de dividir a bola com outros meninos, se adaptar às regras cada vez mais universais e ser competitivo se quiser vencer.

COMEÇO DA QUEDA

Dados oficiais reservam participação de 41% da indústria automotiva do Grande ABC no mercado produtivo nacional de automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões. A tendência é de decréscimo de participação relativa. O histórico de perdas da hegemonia produtiva começou com a criação do pólo do Vale do Paraíba, quando na década de 70 a Volkswagen se instalou em Taubaté e a General Motors chegou a São José dos Campos. A Fiat implantou em Betim, na região da Grande Belo Horizonte, um terceiro pólo, nos anos 80.

Mas isso é pouco, porque uma nova geografia da produção automobilística está-se formando no Brasil. Como lembra um especialista no assunto, José Roberto Ferro, quatro novos pólos começam a ganhar corpo no País. Eles estão em Curitiba, Resende, Campinas e Rio Grande do Sul. Sem contar a ameaça de pólos grandemente incentivados nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, como pretendem as bancadas políticas dessas regiões. Tanto que a Fiat decidiu cancelar investimentos de US$ 120 milhões em Córdoba, na Argentina, através da Iveco, uma de suas subsidiárias, e pretende aplicá-los no Nordeste, aproveitando-se dos incentivos fiscais. Pesou também na mudança de rumos as exigências dos trabalhadores daquele pólo industrial argentino. Algo semelhante à imagem do Grande ABC. 

NOVOS CENTROS PRODUTIVOS

Os novos centros produtivos já estão ou vão estar completos até o final dos anos 90. A Grande Curitiba terá três novas montadoras — Renault, Chrysler e Audi-Volks, que se somam à Volvo e à New Holland. A região de Campinas terá a Honda e a Toyota, depois de já ter recebido a fábrica de ônibus da Mercedes-Benz e um parque de autopeças bem mais numeroso que o do Vale do Paraíba. No pólo carioca de Resende, a nova fábrica de ônibus e caminhões da Volks terá a companhia da planta de automóveis em Juiz de Fora da Mercedes. O Rio Grande do Sul receberá a terceira fábrica da General Motors e Belo Horizonte terá uma fábrica da Ásia Motors.

Além de ter o mercado nacional mais dividido ainda, as montadoras do Grande ABC terão de fazer muitos esforços para equilibrar-se tecnologicamente. A ameaça de que os novos centros produtivos serão mais modernos, como prevê José Roberto Ferro, porque incorporarão os princípios e as práticas mais avançadas do mundo, apenas completa o terror provocado às montadoras locais pela abertura do mercado, mesmo resguardada por alíquotas de proteção. “Essas fábricas significarão a entrada mais efetiva do Brasil no novo paradigma da produção automotiva, a produção enxuta” — afirma o especialista, referindo-se às novas plantas. 

SITUAÇÃO COMPROMETEDORA

A situação é comprometedora para o Grande ABC que, ao mesmo tempo em que assiste passivamente os desdobramentos do mapa automobilístico nacional, comete a bobagem tupiniquim de saudar os investimentos financeiros das montadoras locais em suas plantas como sinônimo de progresso regional sistêmico. É verdade que a modernização das plantas oferece o alento de que o parque automotivo da região não será olimpicamente sucateado, como lhe ocorreu durante décadas de autarquia econômica.

Mas considerar os bilhões de investimentos como início do processo de soerguimento da região é no mínimo um disparate, porque substituição de tecnologia e desemprego formam dobradinha inseparável.

Basta recorrer aos números do desemprego no setor metalmecânico, que registrou perda de 110 mil postos de trabalho no Grande ABC nos últimos seis anos. Num período semelhante, entre 93 e 96, a venda de carros novos no varejo brasileiro cresceu 129%. Em 96, os revendedores comercializaram 1,675 milhão de automóveis e comerciais leves. A tradução dessa equação é que o barateamento dos veículos em relação aos tempos de economia fechada foi conseguido entre outras medidas porque se reduziu o volume da mão-de-obra do setor.

AÇÃO METALÚRGICA

Mais da metade da qual com endereço nas fábricas sediadas no Grande ABC. Um duro reverso de expectativas. Antes, nos tempos de inflação e de absolutismo no setor, os metalúrgicos arrancavam com mobilizações e greves acordos salariais e cláusulas econômicas automaticamente repassados aos preços dos veículos. Foi um período em que, como os veículos, se produzia lideranças sindicais em série no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.

Lula quase virou presidente da República, Jair Meneghelli é deputado federal e Vicentinho Paulo da Silva é presidente da Central Única dos Trabalhadores. Os dois últimos, já na fase de estabilidade monetária, Guiba Navarro, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, e Luiz Marinho, presidente do Sindicato, já não têm o mesmo glamour dos antecessores. O refluxo do emprego não recomenda ações espetaculares. Tanto que eles mudaram o discurso, procuram ser mais cooperativos, mas sofrem com o grau de animosidade ao capital que a base metalúrgica ainda destila.

Nem mesmo as projeções de crescimento da participação da indústria automotiva brasileira no mercado internacional deve cultivar exageros quanto à fatia que estaria reservada ao Grande ABC. Com capacidade instalada praticamente esgotada, as montadoras da região não atingirão volumes muito maiores que os atuais. Os ganhos mais acentuados se darão com produtividade maior.

MAIS RECURSOS FINANCEIROS 

Daí tantos recursos estarem sendo investidos em novos conceitos gerenciais e em tecnologia. Até o ano 2000, a América do Sul apresentará o maior crescimento do planeta na produção de veículos. Atingirá 80%, contra 72% da Europa Oriental, 52% da Ásia, 22% da Europa Ocidental, 16% de outras regiões e apenas 11% do Nafta, formado por Estados Unidos, México e Canadá. A participação brasileira será de 62%. No mundo automotivo, de 50,4 milhões de veículos, a porção verde-amarela é de apenas 3%, ou pouco mais de 10% do que os Estados Unidos e Japão produzem individualmente, responsáveis que são, juntos, por 47% da produção mundial. O contraponto para a projeção de crescimento da demanda é a multiplicidade de fábricas e marcas que já não olham para o Grande ABC como a Volkswagen, a Ford, a General Motors, a Mercedes-Benz e a Scania, as maiores montadoras locais em tempos distantes.

Se as montadoras do Grande ABC não asseguram nenhuma perspectiva de sustentar o equilíbrio socioeconômico como em outros tempos de quase monopólio produtivo, o que esperar das autopeças, que vivem processo de desmanche em grande escala. Discriminadas pelo regime automotivo, que as penaliza com alíquotas de importação muito aquém do suportável pelo chamado Custo Brasil adicionado do Custo ABC, tornando-as vulneráveis nas negociações com as montadoras bem protegidas, as autopeças caem pela tabela. Muitas baixas ainda se farão sentir, porque a tendência internacional, e o mundo automobilístico é sempre globalizado, é de que até o ano 2000 cada montadora, isoladamente, terá no máximo meia centena de fornecedores operando e montando conjuntos completos em seu próprio espaço físico.

LINHAS DE PRODUÇÃO  

Para completar o ciclo de produção, esses fornecedores devem contratar uma segunda linha de fornecedores de peças, componentes e materiais, todos sem vínculo direto com a montadora. Esse segundo bloco passará pelo crivo de qualidade e preço que tem o mundo como referência. O resumo dessa ópera é que, como já cansou de alertar a direção do Sindipeças, o Sindicato do setor, muitas fábricas já fecharam e outro tanto vai fechar.

Ainda mais que grande parte das autopeças do Grande ABC está defasada tecnologicamente, depois de atuar anos a fio num regime fechado e inflacionário e no qual, como as montadoras, a grande preocupação era o repasse de custos automaticamente para os preços. A diferença é que as autopeças são pequenas ou médias empresas geralmente de administração familiar, de baixa capitalização e tão defasadas em tecnologia quanto em administração. Sem contar que durante o longo período inflacionário essas unidades sofreram o peso suplementar de se sentirem como salsicha entre duas bandas de pão. A primeira representada por fornecedores monopolistas de matérias-primas. A segunda de indústrias de porte.

TRATAMENTO PERVERSO

A imagem é sempre usada por Cláudio Rubens Pereira, presidente da Anapemei, Associação Nacional das Pequenas e Médias Empresas Industriais, entidade com sede e quase todo o grupo de associados no Grande ABC. Dá para se imaginar o que representava, naqueles tempos, as perdas cumulativas com negociações de preços e também com o maniqueísmo sindical que colocava montadoras, médias e pequenas empresas no mesmo saco de reivindicações trabalhistas. Agora, o duplo efeito da estabilidade econômica e da globalização colocou o setor a nocaute, à espera do milagre de joint-ventures.

Um estudo do Sindipeças afirma que cada vaga nas montadoras cria dois postos na cadeia de fornecedores. Até 1995, a relação era de três por um e a perspectiva para o ano 2000 é de um por um. O estudo desmente a tese de que a terceirização transfere para os fornecedores os postos de trabalho eliminados nas linhas de produção. O setor automotivo produziu em 1996 o dobro do que produzia há cinco anos utilizando 30 mil trabalhadores menos. Já o setor de autopeças sentiu contrações maiores, porque desde 1989 perdeu mais de 100 mil vagas.

ÍBIS ECONÔMICO  

Como os indicadores de modernização industrial, particularmente das montadoras, são comprometedoras ao Brasil, tudo indica que as previsões de mais cortes estão bem fundamentadas. Dados sobre o número de robôs em funcionamento nas principais economias do globo e a realidade brasileira são desanimadores para o mercado de trabalho. Enquanto no Japão há 31 robôs para cada grupo de 1.000 trabalhadores, contra três dos Estados Unidos, cinco da Alemanha, seis da Itália, dois da França, dois da Grã-Bretanha e seis da Suécia, no Brasil não passa de 0,07. Em números absolutos, confrontar os 380 mil robôs do Japão contra os 390 (390 mesmo) do Brasil é como pretender que o Ibis, time-saco-de-pancadas do Campeonato Pernambucano, supere qualquer um dos grandes times brasileiros. Esses dados fazem parte de estudos da Subseção do Grande ABC do Dieese, Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos.

O mesmo documento afirma que os robôs estão invadindo a indústria brasileira e cita Ozires Silva, diretor de tecnologia da Fiesp, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, como mensageiro da perspectiva de que o uso da máquina vai se generalizar. A razão é a capacidade de substituir de 10 a 20 trabalhadores e de carregar até 150 quilos, além de vantagens para as empresas escapar dos custos dos encargos sociais. Resta saber se o Brasil vai adotar medidas de proteção social de países que incorporaram robôs em larga escala, como a redução da jornada semanal de 40 horas para 32 horas, preservando assim boa parte dos empregos.

“A visão de uma fábrica robotizada pode ser um sonho tanto como um pesadelo. Trabalhadores veem o robô como um competidor desleal, imune às oscilações de humor e produtividade, causador de desemprego. Indústrias ressaltam as vantagens competitivas da robotização e o consumidor certamente não reclama quando pode pagar menos por um carro, graças à redução de custos que a montadora conseguiu usando robôs”– afirma o trabalho do Dieese, claramente inquieto com as estatísticas de crescimento de 30% do uso de robôs na indústria brasileira, o que elevaria para mais de mil unidades o universo instalado antes da virada do século.

NÚMEROS COMPROMETEDORES

Esses números podem comprometer ainda mais o enredo de empobrecimento socioeconômico do Grande ABC. O outro ponto negativo é que também o setor químico-petroquímico, segunda força econômica da região, com participação de perto de 14,3% na arrecadação do ICMS e cuja maior concentração de empresas e trabalhadores está em Santo André e em Mauá, vem acumulando baixas de emprego. Entre 91 e 96, nove mil empregados foram demitidos no setor, em contraste com os 30% do crescimento da produção.

Decisivas na inserção do Grande ABC no mundo dos negócios, as montadoras de veículos jamais tiveram participação efetiva no planejamento regional. Provavelmente porque seus líderes respeitaram os limites naturalmente impostos pela ordem institucional, em que há governos em diferentes esferas para cuidar de seus respectivos terreiros, as montadoras veem-se ilhadas de problemas de infra-estrutura e sociais de uma região que não se deu conta, ao longo dos anos, de que virara uma metrópole de mais de 2,3 milhões de habitantes. Uma metrópole que, por sua vez, integrava uma megalópole, a Grande São Paulo, de 18 milhões de habitantes. As deficiências de infra-estrutura e consequente queda do padrão de qualidade de vida são um convite à dispersão das plantas das automobilísticas e das autopeças. Esse movimento provavelmente seria compulsório se não surgissem os incentivos de várias espécies.

UMA GRANDE INTERROGAÇÃO 

A grande interrogação que se coloca é como compatibilizar a descentralização produtiva do setor automotivo nacional, e consequente arrefecimento econômico decorrente da falta de uma alternativa delineada e exequível, com a bomba- relógio do inchaço metropolitano. Se a história da adaptação do verso da música sertaneja enseja inquietação, porque o Grande ABC ainda não vislumbrou o que fazer, além de veículos, com satisfatória repercussão socioeconômica, o quadro serve pelo menos de alerta aos demais pólos automotivos que surgem e também a outros Estados brasileiros que querem registrar progressos industriais vividos pela região sem que no horizonte se vejam diante da mesma dúvida.

Caso, por exemplo, do Secretário da Indústria, Comércio e Desenvolvimento do Paraná, Nelson Justus, que, discursando sobre as perspectivas traçadas para a economia do Estado, disse com todas as letras: “Não permitiremos que haja concentração acentuada de determinado lugar ou de determinada atividade, para que a qualidade de vida seja garantida”.

Os números precisos da dependência da economia do Grande ABC do conglomerado de produção de veículos são de difícil mensuração, mas os percentuais médios de arrecadação do ICMS, Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o tributo de quem são mais dependentes os cofres públicos locais, podem dar ideia aproximada. Diretamente, a indústria automobilística arrecada em média 37% do ICMS.

DIMENSÃO REAL

Contando-se com parte de outras atividades industriais que a abastecem, casos de materiais plásticos (2,5%), borracha (3%) material mecânico-metalúrgico (8,3%), eletroeletrônico (4,3%) e químico (14,3%), têm-se dimensão mais real. A indústria têxtil, com 2,8% de participação no ICMS, é bastante modesta e também pouco relacionada às montadoras. Outros 10,7% são gerados por atividades industriais diversas e não identificadas nos estudos. O desequilíbrio da arrecadação dos diversos espectros industriais num confronto com comércio e serviços, cujo montante registra 16,7%, consolida a sensatez de certo tom alarmista diante da debandada de fábricas.

 

Fórum mexe

com classe política

 DANIEL LIMA E MALU MARCOCCIA - 05/03/1997

Só mais recentemente, nos dois últimos anos, com o surgimento do Fórum da Cidadania, a expressão Grande ABC começou a justificar existência e a deixar o terreno da metáfora. Até então, não passava de abstração. Os sete Municípios que compõem a região — Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra — mereciam mais que a ortodoxa e complicada expressão ABCDMRPRGS com que alguns políticos à moda antiga ainda a identificam, desprezando o eloquente marketing da denominação Grande ABC. Mas levará ainda muito tempo para que esse conglomerado de mais de 2,3 milhões de pessoas tenha mesmo espírito consolidado de regionalismo que valorize a cidadania.

Primeiro, será preciso, ainda, vencer as barreiras de municipalismo individualista e provinciano que se manifesta nos setores públicos, em entidades de classes empresariais, de profissionais liberais, de trabalhadores, de estudantes e de tudo que deva ser catalogado como sociedade. O Grande ABC de fronteiras salientes, de políticas públicas anacrônicas para a realidade da metropolização da Grande São Paulo que o envolve, ainda é uma grande obra a ser construído. A identidade municipal sofreu e sofre os abalos do fluxo de correntes migratórias, da proximidade com a Capital e do limitado número de veículos de comunicação, na quase totalidade representados por jornais que atingem classes sociais mais elevadas. Somem-se a isso os efeitos devastadores da Aldeia Global patrocinada pela televisão e se tem um coquetel de baixa sensibilidade comunitária regional e de interrelacionamentos fraccionados.

ELEMENTO AGLUTINADOR

Por isso, o Fórum da Cidadania é avaliado como instrumento aglutinador, o elo que se necessitava para dar conceitualmente um mínimo de harmonia regional a um debilitado grupo de sete províncias próximas. Lançado em meados de 1994 em forma de campanha (Vote no Grande ABC) que visava a aumentar a representação política na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional, o Fórum da Cidadania conseguiu num primeiro instante alcançar número recorde de oito deputados estaduais e cinco deputados federais. Contando com participação de mais de meia centena de organizações, desde subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), passando por entidades empresariais, sindicais e de classe, e até mesmo de uma associação de criadores de pássaros, o Fórum da Cidadania transformou-se em referencial de pretendida união que a região jamais experimentara.

Passados quase três anos desde a idealização do movimento, e mesmo sem ter estrutura organizacional profissionalizada, já que depende fundamentalmente do voluntarismo de seus integrantes, o Fórum da Cidadania tornou-se agente de mudanças não só pelas iniciativas consensuais tomadas em reuniões plenárias, como por ter lancetado o brio dos administradores públicos. Historicamente avessa a incursões regionais, a classe política do Grande ABC consumiu-se em administrar com os olhos postos exclusivamente no respectivo território físico-eleitoral.

VANTAGENS E DESVANTAGENS

Com isso, descartou o acentuado caráter de conurbação que, ao mesmo tempo em que dificulta a identificação dos limites legais entre os Municípios, extrapola aos respectivos vizinhos vantagens e desvantagens comparativas em relação a outras regiões de características urbanas convencionais. 

É verdade que antes do Fórum da Cidadania a administração pública começou a ensaiar algo que parecia indicar a descoberta do óbvio, isto é, de que muitos problemas e soluções deveriam ser compartilhados por parte ou por todos os Municípios. Foi em 1990, portanto quatro anos antes do lançamento do Fórum da Cidadania, que os então prefeitos dos sete Municípios decidiram criar o Consórcio Intermunicipal. 

Uma ideia defendida principalmente por Celso Daniel, já então prefeito de Santo André. Entretanto, a entidade se limitou, em poucas ações efetivas, à agenda voltada para recursos hídricos e saneamento básico. Nada do que é indispensável ao equilíbrio socioeconômico de uma região fortemente exigida por densas demandas sociais decorrentes do esvaziamento econômico a partir da evasão industrial. 

ERRANDO O ALVO

Enfim, atiraram no pássaro dos acessórios quando o alvo deveria ser o elefante do principal. A explicação é que a pauta econômica, já então prioritária, era equivocadamente desdenhada. 

Se nos primeiros quatro anos de mandato dos prefeitos que criaram o Consórcio Intermunicipal a coordenação e a sistematização de insumos públicos que reduziriam as dificuldades do Grande ABC apresentaram baixo rendimento, sobretudo porque suas respectivas administrações públicas insistiram em não exorcizar o atávico municipalismo, os quatro anos seguintes, entre 1993 e 1996, de gestão de novos prefeitos, foram um desastre completo.

De perfis completamente diferentes, quase todos enraizadamente locais, Newton Brandão (Santo André), Antonio Dall’Anese (São Caetano), Walter Demarchi (São Bernardo), José Carlos Grecco (Mauá), José de Filippi Junior (Diadema), Waldírio Prisco (Ribeirão Pires) e José Teixeira (Rio Grande da Serra) praticamente abandonaram a imperiosidade da metropolização regional. Faltando 18 meses para o fim dos respectivos mandatos, surgiu o Fórum da Cidadania.

MÁQUINAS EMPERRADAS

A reação extemporânea de ciúme político foi prolongada e bem diversa do fugaz empenho em reagir administrativamente. Os prefeitos continuaram imersos nas dificuldades de comandar suas emperradas máquinas. Exceto Waldírio Prisco, de Ribeirão Pires, que, como presidente, decidiu segurar as rédeas da instituição sozinho. Ele foi abandonado pelos demais, cuja maioria nem mesmo quitou as mensalidades para manutenção da instituição. Prisco fez o possível, isto é, quase nada diante do isolamento.

Agora, em janeiro, assumiram os novos prefeitos, quatro dos quais, Celso Daniel (Santo André), Luiz Tortorello (São Caetano), Maurício Soares (São Bernardo) e Cido Franco (Rio Grande da Serra), participantes da criação do Consórcio Intermunicipal, em 1990. Entre os outros três prefeitos, Gilson Menezes (Diadema) também já ocupara o Paço Municipal, mas antes do surgimento do Consórcio. Os outros dois prefeitos, Oswaldo Dias (Mauá) e Maria Inês Soares (Ribeirão Pires), representam sintomaticamente o crescimento do Partido dos Trabalhadores na região.

Todos acompanharam durante quatro anos, como expectadores privilegiados, a derrocada do Consórcio e o sucesso eleitoral do Fórum da Cidadania. Resolveram unir-se e antes mesmo de assumirem seus cargos já posavam juntos para fotografias. E continuam juntos, aparentemente fortes como um grupo de executivos decididos a dar novos rumos à região.

VEREADORES REAGEM

Nesse ponto, terão o reforço dos legislativos municipais. Contaminados pelo empenho dos novos prefeitos, lideranças das Câmaras Municipais decidiram despertar os respectivos legislativos para a nova agenda institucional da região. O vereador Vanderlei Siraque, presidente da Câmara de Santo André, já se articulou com as chefias dos demais legislativos e também com o presidente do Consórcio Intermunicipal, prefeito Celso Daniel, de modo a provocar abertura mais forte no estatuto da entidade. Os vereadores vão se fazer representar no Consórcio.

Falta definir a hierarquia que os contemplará. Siraque entende que tem de ser igualitária em relação aos prefeitos. Tanto que pretende tornar a instância de decisão equilibrada, com sete prefeitos e sete vereadores. Vereador em terceira gestão, Vanderlei Siraque diz que esperou assumir a presidência da Câmara Municipal de Santo André para estimular a mobilização dos Legislativos. E essa movimentação não se restringirá ao Consórcio Intermunicipal. Os Legislativos vão patrocinar encontros com especialistas em diversas áreas para debater problemas do Grande ABC. Será uma espécie de Fórum de Debates, segundo Siraque.

CÂMARA REGIONAL

Um projeto iniciado em agosto do ano passado, conduzido pelo Fórum da Cidadania e pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado, dirigida por Emerson Kapaz e que deveria contar com participação efetiva dos então prefeitos do Grande ABC, foi retomado neste início de ano. A Câmara Regional do Grande ABC, parceria entre governo estadual, Prefeituras do Grande ABC e a sociedade civil representada pelo Fórum da Cidadania, parece ganhar músculos institucionais. Isso é indispensável porque a pauta é vasta e tem finalmente o consenso de que o desenvolvimento econômico é força-motriz para obstar a avalanche dos problemas sociais.

A Câmara Regional do Grande ABC é o primeiro modelo de entrosamento institucional patrocinado pelo governo do Estado. Há projetos de esparramá-las por todo Estado. O organismo serve como alternativa para revitalizar uma economia abalada em duas décadas por perdas industriais, principalmente para a montanha de incentivos de Minas Gerais. Emerson Kapaz afirma que a escolha do Grande ABC é emblemática na execução do projeto.

Trata-se de região historicamente vanguardista tanto no desbravamento econômico, a partir da década dos 50 com a implantação da indústria automobilística e empresas satélites, como pelo surgimento, no final dos anos 70, do chamado novo sindicalismo. Amenizar ou eliminar as dificuldades socioeconômicas do momento, que o secretário estadual prefere creditar principalmente à globalização econômica, provocaria fortes repercussões no conjunto da sociedade nacional em busca de paradigma de eficiência entre o poder público estadual, o poder público municipal e a sociedade organizada.

GRANDE VITRINE

Enfim, Kapaz aposta num pacto na grande vitrine da desconfortável realidade nacional de disparidades de distribuição de renda e de precarização da qualidade de vida, alguns dos sintomas mais evidentes do Grande ABC provedor de impostos milionários, mas de investimentos públicos muito aquém das necessidades sociais.

A junção do governo do Estado, dos prefeitos, dos vereadores e da sociedade civil através do Fórum da Cidadania, além de setores empresarial e sindical, dá à Câmara Regional do Grande ABC arcabouço absolutamente revolucionário. Até então, a região não conseguira juntar o Poder Público e a sociedade de forma harmoniosa. Agora, com um terceiro e importante elemento de negociação, a expectativa é de que não faltará motivação e tampouco prevalecerá idiossincrasia.

Como está claro que o governo do Estado não tem recursos generosos de outros tempos e também que as Prefeituras se veem às voltas com rombos orçamentários herdados dos prefeitos que acabaram de deixar seus postos, acredita-se que negociação vai ser a expressão mais utilizada nesse novo organismo, cuja dinâmica de atuação deverá ser análoga à câmara setorial automotiva, conforme lembrou Emerson Kapaz. Até que ponto sociedade, Estado e Municípios vão abrir mão de eventuais conquistas é a grande interrogação. Até que ponto esses atores vão aceitar sacrifícios é a outra questão. 

CUSTO ABC

Será possível, por exemplo, a colaboração do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e de Diadema diante, por exemplo, da necessidade da redução do chamado Custo ABC, que agrava o já consagrado Custo Brasil? As montadoras de veículos, que serão chamadas a colaborar, abandonarão a política intramuros de competitividade global para se inserirem num dispositivo de integração comunitária?

De qualquer modo, está claro que o Grande ABC já não é o quarto de despejo institucional de antigamente e nem a roupa suja, usada e sem serventia. Tanto é verdade que os novos prefeitos finalmente se deram conta do inexplicável absurdo de a região mais badalada do País não ter no organograma público espaço para Secretaria de Desenvolvimento Econômico, algo rotineiro nas pequenas cidades do Interior paulista e mineiro. Sensibilizados com as críticas ao renitente desleixo dos chefes de Executivos, os novos prefeitos anunciaram a composição de Secretarias voltadas para o tema, tornando-as também prioridade administrativa. A única exceção é Diadema, cujo prefeito Gilson Menezes debate-se politicamente para escolher o titular da pasta.

Desta forma, não é exagero afirmar que o Grande ABC já não vive espécie de vazio integracionista, enfermidade gravíssima que o atingiu anos sem fim, enquanto avolumava-se o caudal das dores da metropolização compulsória e implacável. Mas o caminho a ser percorrido ainda é longo. O Fórum da Cidadania surgiu explosivo, motivador, embora comece a sofrer os efeitos internos da improvisação decorrente do voluntarismo e da dispersão em apurar o foco de ações.

TEMÁTICAS DEMAIS

Uma quantidade excessiva de temas alçados à condição de prioridade acabou desperdiçando a munição. Defende-se uma pauta de assuntos-chave, principalmente a partir da importância da área econômica. Nisso poderiam colaborar decisivamente as delegacias locais do Ciesp, Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, braço civil do empresariado do conglomerado da Fiesp e que tem perto de 1,2 mil representações na região.

Mas os Ciesps, em grande parte, ainda não se sensibilizaram para a importância do Fórum da Cidadania. Exceto Fausto Cestari, diretor-titular do Ciesp de Santo André e coordenador-geral do Fórum, os demais diretores na região praticamente não participam de reuniões. Pior que isso: essas entidades, embora sob o mesmo guarda-chuva da avenida Paulista, praticamente atuam isoladamente na região.

Não há sinergia a imantá-las. Seus representantes levaram tão equivocadamente a sério a divisão territorial como os administradores públicos. E se dedicam muito mais à prestação de serviços, que garantem receitas orçamentárias, do que à inserção político-administrativa local e regional e suas consequentes influências no setor produtivo.

UNIÃO COMERCIAL

Também era assim a realidade das representações comerciais, através das Associações Comerciais e Industriais. Só no ano passado, sob a liderança de Wilson Ambrósio, então presidente da Acisa, Associação Comercial e Industrial de Santo André e vice-presidente da Facesp, Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, deram-se os primeiros passos de união. 

O entrosamento, em fase final de deliberações deverá significar a racionalização de tarefas administrativas e de prestação de serviços, sobretudo na área de proteção ao crédito, mercado sacudido pela agilidade e competitividade de empresas privadas. 

O fim da sobreposição de procedimentos operacionais e a concentração de dados cadastrais dos consumidores numa única central aumentarão a competitividade junto à concorrência. A conscientização de que escala de atendimento é tão importante quanto qualidade prevaleceu nos encontros dos dirigentes das Associações Comerciais. Essa nova realidade não tem incluído posicionamento mais firme sobre questões político-administrativas da região. O corporativismo, no sentido estrutural do termo, continua a prevalecer, só que agora foi deslocado para a prática do relacionamento extramunicipal.

SINDICALISTAS ATIVOS

Já os sindicalistas, também corporativos, retrocederam nos ideais de unificação. O setor mais importante de mão-de-obra no Grande ABC, os metalúrgicos, está fragmentado em três Sindicatos. O de São Bernardo e Diadema, de onde surgiram Lula e seus rapazes e naturalmente filiado à CUT, Central Única dos Trabalhadores, perdeu a anexação de Santo André.

Dissidências internas levaram à separação decidida nos tribunais. Foi um verdadeiro tombo nas pretensões de unificar a categoria num período de grandes baixas de postos de trabalho e de explosão da terceirização. Esses fenômenos minam o Sindicato em sua resistência orçamentária e exigem, ironicamente, iniciativas igualmente destinadas a cortes de despesas, adotando-se práticas capitalistas como demissões e terceirização.

São Caetano tem Sindicato de Metalúrgicos fortemente dependente dos trabalhadores da General Motors e, vinculado à Força Sindical, resiste aos tentáculos da CUT, que domina a maioria das demais categorias profissionais na região.

Embora a diferença de atuação já tenha sido massacrante, com resultados que contribuíram para afastamento mútuo durante anos a fio, continua forte o grau que separa capital e trabalho no Grande ABC.

CARDÁPIO SEPARATISTA

O capital, fortemente dependente da indústria, continua a empanturrar-se do indigesto cardápio separatista em que as grandes montadoras têm entidade própria, de alcance nacional, com sede na Capital e com consequente política setorial, enquanto os pequenos e médios estão agregados a Sindicatos distintos e igualmente sem raízes regionais, além de muito menos poderosos.

Melhor explicando: enquanto os Sindicatos dos trabalhadores sempre atuaram localmente, sob a coordenação de líderes domésticos que acabaram rompendo fronteiras, os empresários ficaram subordinados a Sindicatos sediados na Capital. Próximas fisicamente, mas distantes politicamente entre si, as indústrias do Grande ABC raramente se notabilizaram por atividades voltadas para questões político-institucionais. Esmeraram-se, em realidade, em ignorar o Poder Público. A recíproca é verdadeira.

As unidades estão na região, mas não são da região. As exceções são os pequenos empresários, da indústria, do comércio e de serviços, que vivem o dia-a-dia econômico e social, mas cujo poder de fogo é consumido pela própria necessidade de sobrevivência, antes ameaçada pela espiral inflacionária e por políticas erráticas do poder central e agora pelo custo do ajuste à globalização, da abertura econômica e do plano de estabilização.

ACADÊMICOS DISTANTES

Também na área universitária prevalece o distanciamento entre integrantes dos diferentes campis. O complexo educacional de Terceiro Grau do Grande ABC é relativamente diversificado, com escolas bem-conceituadas do ponto de vista pedagógico, mas absolutamente desconectadas entre si e divorciadas do quadro socioeconômico regional. Praticamente inexistem estudos voltados para a realidade dos sete Municípios e mesmo para parte deles.

O Instituto Municipal de Ensino Superior (IMES), uma autarquia da Prefeitura de São Caetano, é exceção que confirma a regra. Com um braço de pesquisas, o IMES tem aberto com regularidade uma fresta de um quarto escuro de interrogações de uma região que praticamente não sabe o que produz, quem produz, como produz, quem consome, entre tantos diagnósticos elementares para planejamento estratégico em várias áreas.

A recuperação do Grande ABC, e isso já é consenso na nova Câmara Regional, passa necessariamente pela revisão de desequilíbrios entre capital e trabalho, pelo fim do alheamento das médias e grandes empresas, pelo cooperativismo das pequenas, pela efetiva vontade política dos detentores de cargos políticos, e aí se incluem também vereadores, deputados estaduais e federais, pelo despertar intercampus e extracampus da classe educacional e pelo poder de pressão da múltipla representatividade do Fórum da Cidadania no patrocínio da montagem de um quebra-cabeças institucional jamais antes tentado e por isso mesmo desafiador.

A hora da verdade do Grande ABC tradicionalmente corporativista, de guetos, finalmente chegou. A unidade é questão estratégica que definirá o resultado de um jogo até então feito de muita improvisação individual e absoluto desprezo ao comunitário.

 

Infraestrutura

sofre com descaso

 DANIEL LIMA E MALU MARCOCCIA - 05/03/1997

A proximidade com São Paulo, notável centro de negócios e consumo, e também com o Porto de Santos, caminho mais curto para o comércio internacional, favoreceu a inserção do Grande ABC no mapa dos principais pólos econômicos da América Latina. Mas isso já faz parte do passado, embora ainda tenha grau de importância. Ao longo de quatro décadas, da implantação à recente modernização da indústria automotiva, a região viu sua infra-estrutura física deteriorar-se e também foi impiedosamente abatida pela complexidade legislativa que, além de desestimular a manutenção de investimentos, motivou deserções.

A partir do momento em que várias regiões do Estado de São Paulo e de outras unidades da Federação, principalmente a vizinha Minas Gerais, decidiram disputar investimentos industriais com a volúpia de Casanova, o Grande ABC passou a sofrer sangrias. Embora tenha razoável disponibilidade de áreas físicas para novas fábricas, sobretudo de pequeno porte, a região não consegue reunir atratividade para investimentos.

A imagem externa não favorece quem cansou de abusar de uma certa arrogância no tratamento aos empreendedores, pois de maneira geral foi esse o comportamento dos sucessivos prefeitos dos sete Municípios. Sem contar, é claro, a hostilidade sindical que, se por um lado retirou das trevas do conservadorismo o relacionamento das empresas aos trabalhadores, por outro exagerou na dose da ideologia anticapital.

UNIDADES ENXUTAS

Pequenos e médios terrenos para indústrias há com certa profusão. Santo André, São Bernardo, Mauá e Ribeirão Pires, apesar de amarradas por suposta salvaguarda da Lei de Proteção dos Mananciais, registram locais para empreendimentos. Como os tempos modernos favorecem unidades enxutas, de alta tecnologia e baixa ocupação espacial, não tem sustentação qualquer afirmativa que desestimule investimentos por escassez de áreas.

Além disso, há oito milhões de metros quadrados disponíveis em Mauá, no Pólo Industrial de Sertãozinho, apenas parcialmente ocupado e esperando por investimentos em infra-estrutura básica que possibilite a atração de empreendedores. Um outro pólo industrial, no Bairro Batistini, em São Bernardo, não passou de balão de ensaio. A área está disponível, embora com antigas restrições ambientais, mas o projeto não evoluiu. Perdeu-se nos escaninhos da burocracia pública e de interesses políticos de ocasião.

Esses pólos industriais não se convertem, juntamente com os terrenos esparsos, nas únicas fontes de estímulo à reocupação produtiva no Grande ABC. Galpões já prontos e vazios, denunciados por Milton Bigucci, presidente da Associação dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, comprovam a dupla enfermidade de fuga de indústrias já instaladas e ausência de políticas de chamamento à atividade produtiva. Consultores imobiliários ratificam a existência de grande número de galpões vazios, cujo dimensionamento somente uma pesquisa poderia aferir. A uma universidade com sede fora do Grande ABC mas com interesse em expandir-se nas proximidades da Anchieta, território de São Bernardo, foram oferecidas oito alternativas de antigos endereços industriais. 

CIPOAL LEGISLATIVO

Se áreas físicas não se constituem empecilhos para a recuperação econômica da região, a realidade é outra quanto ao cipoal legislativo. Está em fase de negociação a Lei de Proteção dos Mananciais, aprovada há 20 anos pela Assembleia Legislativa sob rigidez que afastou qualquer possibilidade de atração do capital, mesmo que tecnologicamente disciplinado. Deverá sofrer mudanças, mas nada indica que contemplará empreendimentos que gerem substanciais resultados econômicos e contemplem a redução do quadro de desemprego.

Rigorosamente aplicada para obstar a invasão de empreendimentos, predatórios ou não, a legislação jamais foi cumprida para interceptar a cada vez mais crescente ocupação por populações marginais. A Represa Billings, que garante grande parte do abastecimento de água na região, teve imediações tomadas por milhares de barracos que desafiam a lei da gravidade ao subir os morros como vegetações. Não é difícil entender o que isso significa de prejuízo para o meio ambiente, com ligações clandestinas de esgotos. E tampouco de recursos financeiros para instalação de novas redes de serviços públicos, como água e energia elétrica.

Boa parte dos 871 quilômetros quadrados de território do Grande ABC — exatamente 56% — está inserido na Lei de Proteção dos Mananciais. Dois dos Municípios (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) têm 100% do território sob a legislação. São Bernardo (56%) e Santo André (54%) também estão limitados pelas amarras da Lei. Diadema (7%) e Mauá (19%) não sofrem tanto.

SÃO CAETANO DIFERENTE

São Caetano é a única cidade que está inteiramente imune. Sem força política, o Grande ABC não recolhe nenhum benefício tributário por sofrer tantos impedimentos. De qualquer modo, o que hoje representa complicações, pode transformar-se em receitas. Ganha corpo a possibilidade de explorar-se o potencial turístico da região, através de políticas públicas voltadas para a construção de equipamentos de recreação e lazer.

Hoje, mesmo sem qualquer planejamento regional e com ações municipais pobres, a Represa Billings recebe milhares de turistas nos finais de semana. Uma grande âncora de atração, tipo Beto Carrero, poderia dar à Billings a condição de pólo turístico com que muitos sonham. A indústria sem chaminés ainda não descobriu o Grande ABC, mas isso até pode ser compreensível porque a indústria de chaminés prevaleceu tanto ao longo dos tempos que até mesmo os mandarins do comércio e de serviços só há uma década começaram a aportar para valer na região.

A Lei de Proteção dos Mananciais é apenas parte do ritual preventivo aprovado num período político-administrativo de forte conotação ideológica. O planejamento de uso e ocupação do solo restringiu sobremaneira os investimentos industriais, quer na forma de novas unidades, quer na forma de expansão das plantas já instaladas.

CORREDORES CONGELADOS

Em Santo André, por exemplo, corredores viários foram congelados durante longo período. O descongelamento coincidiu com o refluxo do interesse dos empreendedores, seduzidos pelas vantagens de incentivos interioranos e de Minas Gerais, em forma de terrenos gratuitos, infra-estrutura garantida, isenção de impostos e receptividade só dedicada aos heróis de guerra. Quando Abraham Kasinski, comandante da Cofap, inaugurou em 1987 a unidade de Lavras, no Sul de Minas, foi recepcionado com banda de música e recebeu o título de Cidadão Honorário. No Grande ABC de rotineira guerra sindical, precisava de segurança para deixar seu escritório.

De maneira geral, as Prefeituras e as Câmaras Municipais jamais deram importância à lógica de permanente equalização da estrutura legislativa dos espaços físicos às novas tendências macroeconômicas. O pressuposto de que o Grande ABC reunia uma fortaleza econômica indestrutível não só contribuiu para o desinteresse dos Executivos e dos Legislativos em programar adaptações periódicas na legislação de uso e ocupação do solo, como até favoreceu postura de fundamentar impedimentos.

SEM HOTELARIA

Exemplo sintomático da política restritiva de uso e ocupação do solo é que Santo André, um dos municípios mais importantes do País, não tem sequer um hotel de classe, equipamento que oferece complementação importante às atividades econômicas. No Grande ABC inteiro, apenas São Bernardo preocupou-se em favorecer a constituição de rede hoteleira, mesmo assim muito modesta se comparada à vizinha São Paulo ou mesmo a Municípios do mesmo porte no País.

A estrutura viária da região também é um complicador a mais no projeto de recuperação econômica. As duas principais portas de entradas e saídas que servem o Grande ABC, a avenida dos Estados e a Rodovia Anchieta, desafiam a paciência dos motoristas e acrescentam novos valores ao Custo ABC.

O trecho de 25 dos 55 quilômetros da Anchieta que passa pela região e atinge lateralmente São Caetano e intestinamente São Bernardo transformou-se numa grande e perigosa avenida. As incompletas e escassas alças de acesso provocam irritantes congestionamentos.

A avenida dos Estados, que atende diretamente a São Caetano, Santo André e Mauá, é uma sucessão de buracos e se estreita à medida que se alarga o leito do rio Tamanduateí, que lhe faz companhia. Avenida dos Estados e enchentes são sinônimos de verão, com rotineiras perdas econômicas. Nas outras estações, o sinônimo que mais se adapta à Avenida dos Estados é desperdício, porque está permanentemente em obras e recheada de filas de veículos. A conclusão das obras de canalização do Tamanduateí é velha reivindicação.

OBRA INDISPENSÁVEL

Uma situação parecida com a reclamada pelas autoridades públicas e empresariais de Santo André e Mauá, há muito tempo na expectativa de ligação do Pólo Industrial de Sertãozinho, através da avenida Papa João XXIII, com a Anchieta. Essa obra permitiria que grande parte dos veículos de Mauá e de Santo André, além da Zona Leste da Capital com destino a São Bernardo, à Capital e à Baixada Santista, deixasse de trafegar pelas áreas urbanas de Santo André e também de São Bernardo, além de aliviar a própria avenida dos Estados. Não há recursos orçamentários no governo estadual.

O governador Mário Covas chegou a sugerir que os próprios Municípios envolvidos deveriam providenciar a obra. Disse também, desconhecendo a geografia regional, que a interligação com a via Anchieta já existe. Ele se referia à distante e perigosa Rodovia Índio Tibiriçá, que atravessa lateralmente Ribeirão Pires em direção à Via Anchieta.

O trecho, precário e de pista de mão dupla, apresenta elevado índice de acidentes rodoviários e está muito longe do fluxo de veículos das áreas geográficas que seriam beneficiadas com a interligação defendida. A intervenção de Emerson Kapaz, secretário estadual da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, através da Câmara do Grande ABC, deverá tornar viável uma parceria entre governo do Estado, Prefeitura de Santo André, Prefeitura de Mauá e talvez até da iniciativa privada. 

VIÁRIO INTERNO

Se o cinturão viário que efetivamente atende ao Grande ABC, formado pela Anchieta e pela avenida dos Estados, não consegue dar fluidez esperada pelos empreendedores, o que acaba por eliminar ou reduzir a vantagem comparativa da localização privilegiada da região, entre a Capital e o Porto de Santos, o sistema viário interno, intramunicipal e intrarregional, também se converte em dores de cabeça.

Exceto Santo André, dotado de conjunto satisfatório de largas avenidas, os demais Municípios praticamente mantiveram inalterado o padrão viário pré-instalação das montadoras de veículos. Os Municípios não se planejaram para a consagração do automóvel como meio de transporte e tampouco para as demandas de ônibus e caminhões.

Diadema é um caso ilustrativo. Cortado pela Rodovia dos Imigrantes em sentido longitudinal, esse Município de apenas 32 quilômetros quadrados de área está praticamente saturado. Formado principalmente por pequenas e médias empresas, direta e indiretamente em sua maioria relacionadas com a indústria automotiva, Diadema sofre com a topografia acidentada e por vias de acesso acanhadas, aspectos agravados com o malabarismo de tráfego para alcançar a Rodovia dos Imigrantes. A ocupação demográfica desordenada e impactante em apenas duas décadas, quando deixou de ser um vilarejo para se transformar num Município de 313 mil habitantes, comprometeu definitivamente sua estrutura viária e acrescenta pontos negativos ao Custo ABC.

LIXO COMPLICADO

Tão contraproducente quanto o sistema viário é a destinação final do lixo no Grande ABC. Uma solução precária tem-se tornado permanente: todo o lixo, menos o de Santo André, que conta com usina de compostagem, é levado para Mauá, acomodado em aterros sanitários. Espera-se que a médio e longo prazo a questão deverá ser encaminhada para a construção de usinas de compostagem e de incineração. Uma saída quase utópica é privatizar o sistema, do recolhimento ao reaproveitamento do material, metodologia que tira do lixo receitas financeiras.

Menos mal que uma obra do governo do Estado, o Corredor de Trólebus, que corta Santo André, São Bernardo e Diadema, ligando o Grande ABC a bairros geograficamente extremos da Capital, casos de São Matheus e Jabaquara, favoreceu o transporte público. Perde-se muito menos tempo do que antigamente, com consequentes vantagens em produtividade funcional.

Mas isso é pouco na avaliação de custo-benefício dos empreendedores. A atividade econômica exige muito mais. O Rodoanel, obra que deverá ser produzida em conjunto pela Prefeitura da Capital, pelo governo do Estado e pelo governo federal, deverá aliviar parte do peso do esgotamento viário na Grande São Paulo. A obra custará perto de R$ 2 bilhões, além de desapropriações, e o traçado dividido em três trechos modulares alcançará 180 quilômetros de extensão. O entorno contemplará de forma direta 21 Municípios, quatro dos quais do Grande ABC.

SISTEMA FERROVIÁRIO

Outra possibilidade de desafogo está na utilização de vias férreas para o transporte. As locomotivas de carga que trafegam no eixo ferroviário Santos-Jundiaí estão desde dezembro sob responsabilidade da iniciativa privada. O Consórcio MRS Logística arrematou a Malha Sudeste e tem o direito de arrendamento por 30 anos. São 1.674 quilômetros de ferrovias que interligam os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A Malha Sudeste é a maior ferrovia privatizada da América Latina, com volume de 46 milhões de toneladas por ano. A possibilidade de aumentar em 50% o volume de carga transportada traça perspectiva de competitividade com o transporte por rodovias.

A questão é dimensionar até que ponto essa evolução significará de fato alívio do tráfego rodoviário no Grande ABC, bem como redução de custos para as empresas aqui instaladas que pretenderem trocar o transporte de produtos em caminhões por vagões, ou se constituirá somente em trecho compulsório de passagem rumo ao Porto de Santos, num sentido, ou ao Mercosul, no outro.

Embora não se tenha estabelecido de forma declarada o que se convencionou chamar de guerra fiscal, os Municípios do Grande ABC não apresentam igualdade tributária do Imposto Sobre Serviços (ISS), que podem variar da isenção até a alíquota máxima de 5%. É verdade que as diferenças não são alarmantes a ponto de provocar forte migração intrarregional. Tentativa nesse sentido foi feita no final do ano passado.

ISSO REBAIXADO

Provavelmente deslumbrados com os resultados eleitorais, os prefeitos Luiz Tortorello (São Caetano) e Gilson Menezes (Diadema) anunciaram decisão de, assim que assumissem os cargos, rebaixar drasticamente as alíquotas de ISS de várias atividades. Pressões do Fórum da Cidadania e dos demais prefeitos eleitos, preocupados com a erosão de receitas e de investimentos, determinaram o recuo. 

O incidente, entretanto, não está suficientemente superado. O peso do ISS também é componente de desestímulo a investimentos no Grande ABC, quando se sabe que Municípios vizinhos, na Região Metropolitana de São Paulo, aplicam carga tributária muito mais suave numa gama intensa de atividades. O rebaixamento de alíquotas não é visto por vários executivos de primeiro escalão da administração pública como componente implicitamente negativo para as finanças públicas.

A dificuldade maior é promover articulações que contemplem essa medida sem resvalar no retaliamento da guerra fiscal e também proporcione complementaridades, de acordo com as características de cada Município. São Caetano agiu primeiro, há quase dois anos, quando reduziu alíquotas de ISS em algumas áreas, casos de locação de bens imóveis e arrendamento mercantil, e com isso atraiu grande leva de pequenas e médias empresas.

DEBATE COLEGIADO

Como não fez muito alarde e os administradores dos demais Municípios, por absoluto alheamento, pouco se incomodaram com a diferenciação, não houve alvoroço. Agora, como a possibilidade de firme atuação do Consórcio Intermunicipal, formado pelos sete prefeitos, as decisões eventualmente provocadoras de ruídos em toda a região tendem a ser debatidas em colegiado.

Um estudo da Assercon Consultores Associados, empresa de Santo André, concluiu no final do ano passado que São Bernardo, detentora do maior orçamento da região e o segundo do Estado, só atrás da Capital, cobra a menor alíquota da região em 84 das 99 atividades descritas pela Receita Federal. Em apenas cinco atividades São Bernardo explora o limite máximo de 5%. No extremo oposto estão Mauá (87 atividades que pagam a alíquota-limite), Ribeirão Pires (83) e Diadema (81). Santo André é um pouco mais parcimoniosa, com 16 atividades que têm as menores alíquotas e 80 no grau máximo. São Caetano tem 25 atividades com alíquotas máximas e 66 rebaixadas.

O consultor tributário Ary Silveira Bueno, da Assercon, diagnosticou que, com exceção do incentivo que São Caetano oferece a empresas de tecnologia, não há no horizonte de políticas tributárias municipais qualquer entrosamento entre as cidades ou com a definição de perfil de atividades. Esse é um dos resultados do isolamento administrativo que ainda impera entre os Municípios do Grande ABC.

EMPRESA REGIONAL

A área econômica sofre com essa falta de harmonia intermunicipal e atividades sociais também sentem na pele a insensibilidade pública, já que segmentos de transporte, educação e saúde são maltratados por alíquotas máximas, que os colocam no mesmo patamar de hotéis e motéis, por exemplo.

No setor de telecomunicações, insumo básico do desenvolvimento econômico, prevalece uma empresa regional. O Grande ABC é atendido pela CTBC, Companhia Telefônica da Borda do Campo, cuja atuação também se estende até a vizinha Grande Mogi das Cruzes. Os Municípios locais registram média de densidade de telefones por 100 habitantes semelhante à do Uruguai. São 17,91 terminais instalados para cada 100 habitantes, já que para os 2,218 milhões de habitantes há 397.278 acessos telefônicos convencionais, isto é, excluídos os celulares.

A média está bem acima da brasileira, de 10,55, e também da venezuelana, de 11,82, e próxima da do Uruguai, com 18,36, mas bem abaixo da liderança sueca, que chega a 68,67 por 100 habitantes. Isoladamente, São Caetano lidera a média regional com 31,35 terminais por 100 habitantes, um pouco acima dos 28,82 da Eslovênia.

O desempenho da CTBC vai ter forte impulso. A previsão é de que até o final do ano que vem a planta de 1994 seja duplicada, saltando de 380 mil terminais de até então para 750 mil, considerando-se nestes números tanto o Grande ABC quanto a Grande Mogi das Cruzes. Se for atendida a demanda reprimida do Grande ABC, de 174.700 terminais, detectada através de cadastramento encerrado no mês passado, a média por 100 habitantes saltará para 25 acessos.

O presidente da empresa, o advogado Ademir Spadafora, está comandando a reorganização dessa estatal cuja maioria das ações ordinárias está sob controle da Telesp, a maior concessionária estadual do Sistema Telebrás. 

BONS TEMPOS

O futuro da CTBC, empresa criada pela livre-iniciativa do Grande ABC praticamente em paralelo com o boom do crescimento industrial, na metade dos anos 50, também pode ser peso considerável nos estudos sobre o futuro da região. A tendência de ser privatizada juntamente com a Telesp e todas as concessionárias estaduais do Sistema Telebrás é avaliada como provável. Mas não deixa de existir a possibilidade de permanecer estatal num universo de concessionárias privatizadas. Nesse caso, sua função seria estratégica para o governo na coordenação do sistema.

Privatizada ou não, a CTBC está em franca evolução. É um ramal da infra-estrutura do Grande ABC que favorece investimentos, até porque tem divisão de negócios exclusiva para atender aos empreendedores. A preocupação da diretoria da estatal com o crescimento econômico da região se manifesta na intensificação da instalação de redes de fibra óptica com formatações específicas para grandes empreendimentos. Uma divisão funcional foi criada exatamente para dar completa assessoria à demanda de negócios. 

 

Tradição empreendedora prevalece

 DANIEL LIMA E MALU MARCOCCIA - 05/03/1997

A tradição empreendedora do Grande ABC, que remonta à chegada de caudais de imigrantes europeus, notadamente italianos, armênios e espanhóis, entre outros, é a pedra de toque que tem abrandado a pressão social resultante da contínua quebra de postos de trabalho industrial e da já quase exaurida absorção de mão-de-obra nas áreas comercial e de serviços.

Com o mercado de trabalho estrangulado no setor privado e com perspectivas de cortes profundos na área pública, quase toda representada por Prefeituras às voltas com déficits orçamentários e excesso de pessoal, desempregados da região estão virando pequenos empreendedores. Ex-executivos e ex-técnicos especializados tornam-se franqueados de marcas famosas ou mesmo abrem negócios para atender diretamente e muitas vezes com exclusividade sua antiga empregadora, no que se convencionou chamar de terceirização.

Eles investem recursos indenizatórios geralmente substanciosos. Ex-operários abrem, de acordo com o montante do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, mercearias, bares, videolocadoras, lava-rápidos, coisas assim. Com isso, inflam o número de estabelecimentos comerciais e de serviços que estatísticos e desastrados relacionam com desenvolvimento econômico. Trata-se, como se observa, de redistribuição da massa de recursos destinados ao consumo de bens e serviços cada vez menos volumosa, porque a indústria em declínio é o carro-chefe da economia regional.

MUDANÇAS FLAGRANTES

Nos últimos anos, a transformação econômica do Grande ABC é flagrante. Nem seria preciso recorrer a números estatísticos sobre a ocupação da mão-de-obra para verificar que explodiram os setores comercial e de serviços. Essa mudança tem o lado positivo, de provocar aumento da oferta de bens e serviços, mas também o negativo, de desencadear sistema concorrencial em que se mescla o despreparo técnico-administrativo e uma visão pouco acurada das necessidades de demanda.

O escritório regional do Sebrae em Santo André, uma das mais novas agências do órgão, com apenas três anos de atuação, tem registrado evolução contínua de novos candidatos a empreendedor e de empreendedores à caça de informações, treinamentos e reciclagem. Cursos e consultorias têm alcançado volumes recordes de participantes. Mas muitos desempregados transformados em patrão continuam a virar estatísticas de falências e concordatas ou simplesmente se escondem na informalidade.

Quem está no mercado e sabe que a mais dramática alternativa do sucesso é o fracasso trata de se virar. Tanto que o Sebrae, espécie de porta-da-esperança de quem está assustado com a quase inutilidade da carteira de trabalho, registrou no balanço de 1996 que se fortalece a tendência de pequenos empreendedores tratarem seus negócios de forma distinta dos tempos de inflação alta e de mercado fechado.

MUITAS TRANSFORMAÇÕES

Agora, em vez de darem ênfase ao mercado financeiro, que em muitos casos contrabalançava os percalços operacionais, os pequenos negócios primam pela melhoria da administração dos recursos em caixa e do marketing. Num patamar levemente inferior, preocupam-se os pequenos patrões com a modernização com o uso da informática.

Não é exagero algum colocar o Grande ABC na condição de uma das regiões mais privatistas do País. A cultura de empreender, se já era sólida até recentemente, passou a ser doutrina depois que as indústrias começaram a fechar postos de trabalho e o boom comercial e de serviços, com a chegada de vários shoppings centers, supermercados e franquias, já não tem a mesma impetuosidade.

É provável que ainda haja nichos de mercados a explorar, mas a indigência estatística da região não oferece nenhum estudo científico. Procurar descobrir o número exato de estabelecimentos por segmento é sonhar alto demais, quando se sabe que nem o universo regional está sistematizado.

NEGÓCIOS MODESTOS

Certo mesmo é que o Grande ABC ainda vive uma febre intensa de novos empreendedores modestos. A dificuldade desses franco-atiradores é saber onde está o alvo. Aqueles que vão atrás de programas de televisão que falam do sucesso de determinados segmentos, e se esquecem que improvisar é o pior dos remédios e que um bom ferramenteiro pode quebrar a cara como dono de butique, acabam engrossando a lista de desventurados.

O Sebrae existe para evitar essas trombadas, mas não tem o controle das vontades depois que presta as informações básicas em seu balcão de atendimento. Desemprego e dinheiro no banco formam dupla mais infernal que Pelé-Coutinho dos tempos de Santos bicampeão do mundo. Muitas vezes o desespero da ociosidade e a coceira da capitalização levam a investimentos sem a menor atenção para critérios elementares de retorno do capital, instrumentalização operacional, conhecimentos burocráticos.

Já os que não têm muitos recursos de indenizações nordestinizam as periferias. Também bairros de classe média assistem a esse processo que consiste na improvisação e na adaptação de áreas residenciais em estabelecimentos comerciais e de serviços. Garagens de veículos ganham formas e conteúdo de uma diversidade de ramos. O termo nordestinação é surrupiado de uma realidade comum no Nordeste brasileiro onde, nas grandes Capitais, a avalanche de comércios e serviços de subsistência é característica forte.

DEMANDA POR NEGÓCIOS

O Sebrae é parceiro importante no preparo de antigos trabalhadores que decidem virar microempresários, mas parcela pouco expressiva procura seus profissionais, comparativamente ao potencial de demanda. Mesmo assim, os números do balanço do ano passado são instigantes. O balcão de atendimentos registrou 23.919 interessados em obter algum tipo de informação. A área de treinamentos atingiu 2.138 inscrições, contra pouco mais da metade, 1.253, do ano anterior. Os cursos saltaram de 86 para 107 entre 1995 e 1996.

Apesar da relevância desses programas, grande parcela dos patrões da periferia, aqueles que têm o foco centrado na subsistência, prefere conduzir seus negócios à base da intuição. Praticamente não colocam questões cooperativas na agenda. Sindicatos e associações de classes pouco lhes interessam e se a filiação não for obrigatória, desprezam a relação.

Só os moveleiros de São Bernardo, classe tradicional que, antes da chegada dos automóveis, representavam a maior parcela da arrecadação e de empregos do Município, e também donos de pequenas farmácias, agregados num sistema associativo, efetivamente utilizam-se das armas do cooperativismo. Os micropatrões que em outros tempos se organizaram e se fizeram respeitar como operários, por força da atuação sindical, dizem que não têm tempo para ações conjuntas, como compras através de uma central. Comprar bem é fundamental para ter competitividade. Escala é ponto decisivo no barateamento unitário. Quando não se tem isso, é fácil imaginar os transtornos diante de concorrentes de maior poder de fogo.

TORRENTE INEBRIADORA

E não faltam grandes empreendedores no Grande ABC. Desde que há 11 anos o Shopping Mappin, agora Shopping ABC, chegou em Santo André, uma torrente de investimentos inebriou formadores de opinião e os tornaram até insensíveis à realidade da outra ponta da economia, em forma de emagrecimento industrial.

Há tantos shoppings na região e tantas novas lojas em construção nos que já estão instalados e nos que estão se instalando que uma grande dúvida passou a povoar o pensamento e as estratégias de boa parte dos lojistas e administradores: será que vai haver tantos consumidores assim? Desconfia-se que não.

Por mais que quase 2,3 milhões de habitantes sejam número expressivo, e que ganham mais robustez se adicionados os consumidores do conjunto de bairros paulistanos que faz vizinhança com a região, cujo acesso foi facilitado pelo corredor de trólebus, os tempos estão bicudos por causa do contínuo dispensar de mão-de-obra da indústria e da flexibilidade informal das relações trabalhistas.

MENOS EVASÃO CONSUMISTA

Menos mal que há uma compensação que vem sendo bem explorada e, por isso, tem permitido certa acomodação do mercado. Trata-se da evasão de consumidores rumo à Capital. Nos tempos em que o Grande ABC era literalmente uma província comercial e de serviços, em que grandes supermercados, shoppings e franquias ainda não haviam descoberto o potencial de consumo da região, o tráfego em direção a São Paulo era intenso.

De uns tempos para cá desacelerou-se a sangria, porque a oferta local ganhou tanto quantidade quanto qualidade. Desta forma, as perdas relativas de uma economia que se fragiliza a partir do setor industrial foram contrabalançadas, em proporções não identificadas, pela redução da debandada de consumidores.

Os últimos números divulgados pelo IMES (Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano), única instituição regional que reúne determinados indicadores da temperatura econômica do Grande ABC, detectou que a taxa de desemprego de novembro de 1996 entre moradores de Santo André, São Bernardo e São Caetano, os três municípios mais importantes da região, foi equivalente a 10,8% da População Economicamente Ativa (PEA).

MAIS QUE BRASIL

O bom senso indica que esses números já não refletem a realidade, porque o segundo semestre é naturalmente mais pródigo na economia, ainda mais em período eleitoral. Tanto que a taxa de crescimento do PIB nacional alcançou 6,5% de crescimento no período. Além desse anabolizante circunstancial, se a pesquisa envolvesse os demais municípios, comprovadamente de indicadores socioeconômicos mais modestos, o percentual seria substancialmente elevado.

A mesma pesquisa registrou outra face de quem perde emprego industrial na região e não consegue montar o próprio negócio, ou monta e fracassa: nada menos que 33% dos entrevistados que estavam desempregados são formados por mão-de-obra considerada especializada. As agências de emprego da região nunca estiveram tão abarrotadas de pretendentes a cargos cada vez mais restritivos quanto à competência da mão-de-obra. A proporção de candidatos cadastrados e de vagas disponíveis é alarmante.

Uma dessas agências tem 21 mil nomes de desempregados na fila de espera e mal consegue colocar 250 profissionais por mês no mercado de trabalho. Se a globalização é intrinsecamente inexorável, é também célere na região, porque jamais em sua história a indústria local vivenciou tantas transformações, justamente por estar na linha de frente da economia nacional. 

AUTONOMIA AVANÇA

Há também quem prefira não se aventurar em empreendimento, e isso os sensores do Sebrae registram permanentemente, e passam a atuar como autônomos. A pesquisa do IMES constatou que 27% da mão-de-obra empregada está nesta situação. Outros 13% estão empregados, mas não têm carteira assinada e provavelmente não contam com grande parte dos benefícios sociais previstos na legislação. Tanto os autônomos como os sem-carteira devem ser catalogados como personagens do que se convencionou chamar de processo de precarização da qualidade de vida.

Essa situação acaba refletindo-se em vários pontos, entre os quais no rebaixamento do perfil de consumo de produtos e serviços. E também na necessidade, igualmente registrada pelo IMES, de mais membros de uma família lançarem-se no mercado de trabalho.

O vazamento do emprego industrial para as áreas de serviços e de comércio também está no estudo do IMES. Na primeira pesquisa, realizada em 1984, essa escola de Terceiro Grau de São Caetano contabilizou 52,2% dos trabalhadores ocupados em indústrias, contra 11,6% do comércio e 36% dos serviços. Doze anos depois, o contraste é tão flagrante quanto preocupante para os especialistas que correlacionam salários e benefícios do emprego industrial com qualidade de vida. Agora a indústria da região registra apenas 30,6% dos trabalhadores, numa queda relativa de 71%, enquanto o comércio passou para 17,2% e os serviços para 69,4%. 

 

Números e fatos

sustentam perdas

 DANIEL LIMA E MALU MARCOCCIA - 05/03/1997

A densidade empresarial do Grande ABC, se assim pode ser chamada a realidade físico-geográfica de milhares de organizações industriais, comerciais e de serviços, é um convite à máquina arrecadatória. Afinal, a proximidade entre as empresas favorece a produtividade dos fiscais municipais, estaduais e federais. Bem diferente da quase totalidade do Interior do Estado, por exemplo, onde a distância entre as empresas, sobretudo as industriais, encarece a equação de custo-benefício de operações fiscalizatórias.

O consultor tributário Edson Lopes dos Santos, especialista em pequenas e médias empresas, denunciou recentemente o ataque do Fisco em suas várias ramificações, principalmente para a elevação do ICMS. Por isso, o crescimento registrado em 1995 em todo o Estado, de 16%, e no Grande ABC, 16,6%, não foi mera coincidência. Já no ano passado, o nível não foi tão elevado, pois atingiu 7,5% no Estado e 5% no Grande ABC, mesmo assim acima do PIB, como no ano anterior.

Entretanto, mesmo sob intensa artilharia fiscal que reduz o nível de evasão de tributos, o Grande ABC sofre perdas comparativas com os principais pólos econômicos do Estado. Como isso ocorre persistentemente, inclusive nos últimos três anos em que a indústria automotiva deu pinotes de vendas, e a se considerar, por exemplo, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), como razoável instrumento de aferição, o esvaziamento econômico da região deixa de ser tese contestável que alguns agentes políticos tentaram esboçar em outros tempos.

FRAGILIDADE DOCUMENTADA

Estudos comparativos desta publicação, divulgados em maio do ano passado, oferecem subsídios sólidos sobre o enfraquecimento relativo do Grande ABC no Estado de São Paulo, tendo como base números da Secretaria Estadual da Fazenda. O crescimento da arrecadação de ICMS do Grande ABC de 1994 para 1995 foi de 102%. Uma taxa portentosa, mas que perdeu feio para São José dos Campos (192%), Cubatão (187%), Ribeirão Preto (244%), Barueri (237%) e Osasco (240%), Municípios listados entre os maiores arrecadadores do Estado.

Na ânsia de provar o incontestável, isto é, que o Grande ABC sofre perdas econômicas, um executivo público de Santo André chegou a anunciar, com base no salto do ICMS, que a economia do Grande ABC dobrara de tamanho em 12 meses, algo surrealista que os Tigres Asiáticos conseguiram num período bem mais longo, ou seja, quase 10 anos. Evidentemente, o executivo público descartou a divulgação dos índices registrados por Ribeirão Preto e outros Municípios, de números mais reluzentes mas igualmente insustentáveis.

A introdução do Plano Real, precedido pela URV no segundo trimestre de 1994, é a melhor explicação para o doping arrecadatório do ICMS no Estado naquele período. Colocar em avaliação, sem as devidas restrições, os números do ICMS de 1994 e os de 1995, para daí concluir por crescimento econômico, é algo tão absurdo quanto botar para correr na mesma raia uma lebre e uma vaca prenhe.

PLANO REAL NA PRAÇA

A explicação é que em 1994 o brasileiro conviveu com duas moedas diferentes. O Cruzeiro inflacionado que perdia valor a cada meia-noite, e o Real. Com o Cruzeiro, os tributos perdiam a corrida para a inflação cumulativa e esvaziava a arrecadação. Melhor para a engenharia financeira programada das médias e grandes organizações ou mesmo informal das micros e pequenas empresas, que postergavam recolhimentos porque valia a pena correr o risco de aplicar o dinheiro no mercado financeiro e eventualmente pagar na Justiça, depois de demoradas contendas. Isso significava evidentes perdas de recursos para União, Estados e Municípios.

Com o Real, a situação alterou-se radicalmente. A arrecadação não sofreu desgaste de valor e postergar recolhimentos de impostos tornou-se muito mais que risco: é suicídio em doses homeopáticas, dadas as alíquotas punitivas em confronto com as baixas taxas inflacionárias, como explica o consultor Edson Lopes dos Santos.

Só essa diferença significou considerável enxerto de receitas aos cofres públicos, algo que nada tem a ver com desenvolvimento econômico. Os dois movimentos distintos de 1994, do Cruzeiro substituído pelo Real, foram confrontados com a arrecadação do ICMS de 1995, integralmente sob a doutrina do Real, isto é, sem perdas inflacionárias e serviram de base de comparação e de manipulação para o equivocado crescimento econômico. 

ESTADO AVANÇA

Já a comparação dos números de 1995 com os do ano passado, períodos sem deformações inflacionárias gritantes, recolocou a questão num nível mais ajuizado. A ostensiva ação fiscal do governo estadual elevou a arrecadação de ICMS em 7,5% na média do Estado e 5% no Grande ABC. A região perdeu o jogo para a média, que geralmente é uma conceituação que dá margem a equívocos, e também para outros pólos paulistas, algo mais consistente.

Anteriormente, no período de 1988 a 1994, antes do Plano Real, estudos deste jornalista estimaram em 26% a perda de arrecadação per capita de ICMS do Grande ABC em confronto com a média estadual. A projeção de enfraquecimento arrecadatório alcançava cumulativamente perto de US$ 2 bilhões, dinheiro suficiente para construir quatro pistas descendentes da Rodovia dos Imigrantes.

Os números de ICMS seriam dispensáveis para quem conhece a realidade econômica da região. Dezenas de empresas de renome deixaram de vez o Grande ABC ou refluíram investimentos em unidades locais. Também muitas fecharam as portas. Os grandes empreendimentos comerciais são a prova mais eloquente da perda relativa do poder industrial do Grande ABC em relação ao restante do Estado, porque estão estabelecidos em grandes áreas onde antes milhares de trabalhadores tinham ocupação e renda. O Carrefour de São Bernardo, por exemplo, exibe suas gôndolas onde antes Lula era dedicado torneiro mecânico na Villares. 

DESLOCAMENTO INDUSTRIAL

Não é difícil rastrear o deslocamento industrial do Grande ABC e também da Grande São Paulo. Um estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria), divulgado recentemente, mostra que o caminho preferencial das indústrias que deixaram a Região Metropolitana de São Paulo nas últimas duas décadas é o Estado de Minas Gerais. No período de 1985 a 1990, Minas atropelou os demais Estados com incremento intra-estadual de 10% no Produto Interno Bruto Industrial. Os paulistas deram marcha-a-ré e perderam 23%, enquanto o Rio de Janeiro caiu 22,7%. A bem instrumentalizada ação mineira, que contempla incentivos fiscais, creditícios e infra-estrutura, sensibilizou dezenas de empresários com fábricas no Grande ABC.

O consultor Edson Lopes dos Santos, dois anos antes da divulgação do trabalho da CNI, alertou as autoridades do Grande ABC sobre a rota de investimentos no Sul de Minas Gerais. Lopes já então era muito requisitado por empreendedores locais para assessorá-los nos processos de transferência de unidades para o vizinho Estado.

O consultor continua a solicitar pronta reação das autoridades públicas da região, ao afirmar que a tendência de debandada não arrefeceu e deverá ser impulsionada com a prometida duplicação da Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Minas, e também com os novos pólos automotivos que se anunciam no Sul do País. O gargalo da infra-estrutura do Grande ABC e o custo da mão-de-obra são mais que suficientes para a retirada, garante o consultor.

CORRIDA AO INTERIOR

A incentivada industrialização do Interior paulista evitou que São Paulo perdesse pontos no PIB nacional, ainda segundo o trabalho da CNI, pois aumentou em 9% sua participação relativa, passando de 34,07% em 1985 para 37,45% em 1990. Mesma evolução registrada pelo Rio de Janeiro, que saiu de 12,78% para 13,17%. Mas a subida mineira foi impressionante, de 35,6% de evolução no período, o que revela a importância do setor industrial na composição do desenvolvimento. Minas passou a ter, em 1990, 13,12% de participação no PIB global.

Os resultados, sete anos depois, devem ser atualizados e provavelmente mostrarão novos avanços dos mineiros que continuam a somar empreendedores. Considerando-se que o ICMS é um dos itens da planilha do PIB nacional, e levando-se em conta que os mineiros são pródigos em incentivos estaduais com o tributo, ao contrário dos paulistas, não é exercício de contorcionismo analítico supor que o crescimento real da economia mineira é bem maior que a consumada em 1990. Até porque, na tabela nacional de arrecadação do ICMS de 1996, a diferença de São Paulo para Minas é maior que a registrada no PIB real, que se constitui na soma de vários tributos e indicadores econômicos. Já no consumo de energia industrial, São Paulo tem apresentado evolução muito inferior a Minas. 

 

Empobrecimento

invade periferia

 DANIEL LIMA E MALU MARCOCCIA - 05/03/1997

O processo de esvaziamento econômico agrava sobremaneira o quadro social de uma região limítrofe à Capital e inserida na Região Metropolitana de São Paulo, igualmente golpeadas pela desindustrialização. Tentar jogar para debaixo do tapete as evidências do empobrecimento de grande parte das comunidades tem o mesmo significado que procurar ensinar um elefante a pilotar jet-ski. No ano passado, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo concluiu pesquisas sobre os níveis de violência na Grande São Paulo, a região mais complexa do Estado, e constatou que três Municípios do Grande ABC estavam entre os 10 piores do ranking. O estudo, que se baseou em número de homicídios, concluiu que dobrou na Grande São Paulo o volume de assassinatos nos últimos cinco anos, ou cinco vezes mais que o aumento da população.

Isto quer dizer que o Grande ABC não tem o monopólio da violência metropolitana, mas vem avançando celeremente em direção aos primeiros postos. Tanto que só perde para Embu, miserável Município que se confunde com desmanche humano. Diadema, com 8,63 homicídios por 10 mil habitantes, e São Bernardo, com 6,25, aparecem em segundo e terceiro lugares na classificação. Mauá está em sexto com 4,85.

Diadema saltou da condição de vilarejo pegado à Capital para um amontoado urbano de 313 mil habitantes em menos de 20 anos. São Bernardo viveu processo semelhante, duas décadas antes com a chegada das montadoras, e depois assistiu passivamente o incentivo eleitoral de autoridades públicas à favelização de parte de seu território pressupostamente resguardada pela Lei de Proteção dos Mananciais. Mauá, antigo bairro de Santo André, emancipou-se político-administrativamente há décadas e, como Diadema, recebeu grandes contingentes de migrantes.

PERIFERIZAÇÃO CONFIRMADA

A periferização do Grande ABC foi confirmada recentemente pelo censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), relativo ao período de 1992 a 1996. A taxa acumulada de crescimento demográfico da região no período, de 8,09%, foi levemente superior à média nacional de 7%. Mas São Bernardo (16,25%), Mauá (16,23%), Ribeirão Pires (17,16%) e Rio Grande da Serra (16,29%) ultrapassaram em muito a média nacional e regional.

O declínio demográfico de São Caetano, que perdeu oito mil habitantes e acumulou taxa negativa de 6,36%, a falta de espaços de Diadema, inteiramente exaurida e com crescimento discreto de 2,58% no período, e a estabilidade de Santo André, com 1,27% de crescimento populacional nos cinco anos dos estudos, mascaram a realidade de inchaço dos Municípios. O IBGE constatou que a explosão de favelas em áreas de mananciais foi um ritual comum aos municípios, exceto a São Caetano, cujo território de apenas 15 quilômetros quadrados inteiramente ocupados e que faz divisa com a Capital é uma espécie de Primeiro Mundo em vários indicadores de qualidade de vida.

A mais emblemática caracterização do avanço da população do Grande ABC rumo à periferia é a transformação do Bairro Montanhão, em São Bernardo, em líder do ranking populacional. Até 1991, no Censo do IBGE, o Montanhão estava em sexto lugar na classificação populacional. O Censo de 1996 alçou-o ao primeiro posto, com 60.868 habitantes. Um crescimento de 60% no período. O Montanhão, nome sem charme, sem marketing, é uma espécie de pequeno Nordeste incrustado no município vice-campeão de arrecadação de impostos no Estado de São Paulo.

CRIMINALIDADE SOBE

Novas ocupações físico-territoriais demandam mais serviços públicos de água, saneamento, transporte, educação, energia elétrica e segurança. Dar equilíbrio a esse jogo, considerando-se que os cofres públicos municipais são tratados de forma perdulária pela maioria dos administradores, vira uma brincadeira do faz-de-conta. Aí a criminalidade vira rotina.

Os números não assustam quando vistos de forma estanque. Um exemplo é o balanço de 1996 do Comando Geral da Polícia Militar no Grande ABC. Os homicídios evoluíram de 764 para 870 ocorrências. Um crescimento de 12,18% no período. Entretanto, basta estabelecer parâmetro com a complexa Nova York, que tem metade da população formada por imigrantes e grande parte representante de negros, para que se observe a gravidade do quadro. Com população 3,5 vezes maior que o Grande ABC, Nova York registrou 985 homicídios no ano passado. Bem menos que os 2.245 registrados em 1990, antes que se iniciasse uma operação comandada por William Bratton, então chefe da polícia e hoje disputadíssimo consultor na área de segurança pública.

TRÁFICO PREFERENCIAL

O relatório da Polícia Militar do Grande ABC que identifica o crescimento do número de homicídios abranda a incidência de roubos. O documento trata de esclarecer o que poderia ser contraditório. Os criminosos estariam se dedicando mais ao tráfico de entorpecentes e menos a ameaçar o patrimônio alheio. Resultado: as mortes de integrantes de quadrilhas são mais constantes, na luta pelos pontos de drogas, especialmente da periferia. Chacinas, antes episódicas, já ganham certa constância. E não escolhem data. O ano começou com um morto e 10 feridos em Diadema, durante um pagode que reunia 300 pessoas. Para o delegado Marcos Dario, o assassinato foi um simples acerto de contas entre bandidos.

Não é difícil entender porque se mata tanto no Grande ABC. O presidente da subseção da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, de Santo André, Antonio Carlos Cedenho, coordenador do movimento Reage Grande ABC, lista de bate-pronto as deficiências de quadros das polícias Civil e Militar, as sofríveis condições do sistema penitenciário, a morosidade do Judiciário e a inadequação do Código Penal à realidade criminal do País como pontos-base. Só faltou referir-se ao quadro econômico.

O movimento Reage Grande ABC é sintomático da preocupação da sociedade com o esmigalhamento dos níveis de segurança. É formado por entidades civis e autoridades da área de segurança pública. O alarme da banalização de crimes foi a senha que deflagrou o movimento em setembro do ano passado, sob o lema Desarme-se. Sua vida vale mais que um revólver.

REAGE GRANDE ABC

O lançamento do Reage Grande ABC reuniu 96 entidades no auditório da Faculdade de Filosofia da Fundação Santo André e é uma espécie de irmão de sangue de um outro movimento, o Fórum da Cidadania do Grande ABC, lançado dois anos antes e voltado para questões político-administrativas dos Municípios locais. Tanto um quanto outro revela nova face do Grande ABC, voltada para a participação comunitária. Tudo indica que os resultados na área de segurança ocorrerão mais vagarosamente, porque o Grande ABC tem efetivo muito aquém do mínimo recomendado pela Organização das Nações Unidas, de um policial para cada grupo de 250 habitantes, não de um para cada 950.

Mas a comunidade parece não se acomodar mais. Está na rua, em forma de faixas, cartazes e outdoor, a campanha Desarme-se, cujo tom é quase um apelo ao desarmamento. O slogan Sua Vida Vale mais que um Revólver é uma mensagem forte. Tanto quanto o agravamento dos indicadores de criminalidade.

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