DETROIT À BRASILEIRA
É DESAFIO GERAL (1)
DANIEL LIMA - 06/01/2025
Grande ABC, ABC Paulista ou Região do ABC? Qualquer expressão que você utilize para definir os sete municípios próximos entre si à Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo será sempre uma metáfora desqualificada se o objetivo for simbolizar uniformidade econômica e social adaptável às transformações.
Grande ABC e equivalentes não passam pelo filtro de pretendida ocupação social única, sem divisões territoriais e econômicas. Os sete municípios estão longe de caracterizarem espaço com princípios, conceitos, metas, organização e metodologia públicas com alguma porção para valer de regionalidade. Alguns ensaios sucumbiram. O municipalismo atávico é cruel.
A emancipação político-administrativa do ABC Paulistas nos anos 1940/1950 se comprovou desastrosa. Fossem apenas um megamunicípio, ao invés do bicho de sete cabeças que emergiu de forma autofágica, teria situação completamente diferente. Os ganhos de escala para combater os danos de escala que fragilizam áreas com as características do ABC Paulista seriam uma resposta muito mais factível e organizada. Caímos na armadilha de que mais seria mais quando de fato mais municípios se tornaram menos riqueza sistêmica e escassa capacidade de governança. O separatismo se comprovou caótico.
PRIMEIRO DA SÉRIE
Esta é a primeira edição de uma série que não dia para terminar. Vamos construir aos poucos, com determinação e fundamentação, um mosaico econômico e social desse conglomerado de quase três milhões de habitantes entre 22 milhões da Região Metropolitana de São Paulo, o maior contingente humano da América Latina.
A cada grupo de 100 habitantes em pouco mais de oito mil quilômetros quadrados de área metropolitana, 13 representam a região. São 840 quilômetros quadrados de um universo particularmente desafiador.
Em meio à turbulência dessa metrópole está o ABC Paulista, como adotaremos a partir de agora, nesta série, a identificação padrão desse espaço humano contraditório, multifacetado e em contínua processo de decadência.
O ABC Paulista que a mídia em geral do País ainda catapulta como símbolo de mobilidade social, de pertencimento da sociedade, vigoroso, ficou no passado que está na raiz dos estragos do presente. Mais que isso: haverá no futuro uma força incremental que vai acelerar o ritmo de novas perdas. Por conta disso, vai se caminhar ainda mais em direção à média nacional de desempenho medíocre em vários indicadores sociais e econômicos. O Brasil que tanto nos invejava será em duas décadas o Brasil em que estaremos inseridos. O ritmo econômico tem ditado esse destino há mais de duas décadas. Não existe nada no horizonte que detenha essa catástrofe.
DESTINO TRAÇADO
Detroit à Brasileira não é um artifício catastrofista como alguns trombeteadores de felicidade acrítica defendem ao olhar para o próprio umbigo de proselitismo político e banditismo social. Detroit à Brasileira – e esta série mostrará em detalhes – é uma constatação que ultrapassa as linhas demarcatórias do próprio ABC Paulista até ou principalmente porque só é possível distinguir diferenças geoeconômicas quando as diferenças são confrontadas.
O ABC Paulista uniforme, como macromunicípio do tamanho de Fortaleza, maior que Curitiba, maior que Porto Alegre, jamais existiu e é provável que jamais existirá. Sempre haverá mais que nuances. Realidades se antepõem a qualquer perspectiva de uniformidade, mesmo que uma uniformidade aproximada que institutos de pesquisas tratariam de margem de erro.
A perda de viscosidade na qualidade de vida desse território talvez só poupe, nas próximas duas décadas, a pequena e rica São Caetano. Mas mesmo assim uma São Caetano que já foi mais rica e invejada. Mas ainda um paraíso metropolitano.
SÃO CAETANO SÉRIE A
São Caetano é uma cidade de Série A, caso os sete municípios do ABC Paulista fossem distribuídos no ranking nacional como as equipes o são no Campeonato Brasileiro de Futebol. São Caetano é de Série A, São Bernardo e Santo André de Série B, Diadema e Mauá de Série C, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra de Série D.
Transformando tudo isso em distinções cromáticas que remetam a conjecturas que podem ser resumidas em qualidade de vida (essa expressão será repetidamente observada nesta série porque resumiria o estado das coisas, como se fosse um coquetel de indicadores), o ABC Paulista comporta além da Verde de São Caetano, o Amarelo de São Bernardo e de Santo André, o Vermelho de Diadema e Mauá e o Roxo de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Existe nessa definição de cores o sentido objetivo de clássicas interpretações. São Caetano é Verde no sentido de que esperança e realidade andam de mãos juntas, apesar de pesares no campo econômico que de alguma forma sugerem mais chuvas e trovoadas nas próximas décadas. Como o foram nas três últimas.
OUTRAS CORES E DISSABORES
São Bernardo e Santo André evocam o Amarelo de preocupação, de atenção máxima, porque também foram duramente impactadas nas últimas décadas. Entretanto, como acumularam muita riqueza no passado de industrialização vigorosa, nada que tenha se consumado em seguida feriu de morte as perspectivas de certa estabilidade num padrão de resistência que as manteriam na Série B Nacional.
Essa situação não se reproduz no Vermelho de Diadema e de Mauá, na Série C do Brasileiro. Os macroindicadores e os indicadores em geral, em várias áreas, são inquietantes. Os dois municípios, desmembrados na segunda metade do século passado de São Bernardo e de Santo André, são praticamente irmãos siameses em numerosos quesitos sociais e econômicos.
Com o arrefecimento industrial e complexas reconfigurações de competitividade não colocam os dois municípios como protagonistas, o melhor mesmo é redobrarem cuidados. O futuro não parece sequer um retrato transposto mesmo com cautela do presente aquém do necessário.
O roxo de Ribeirão Pires e de Rio Grande da Serra será observado suplementarmente nesta série especial. Os dois municípios não constam de qualquer lista dos 100 mais bem colocados em qualquer ranking de competição nacional. Nem poderia ser diferente. Juntos não são mais que 2% (isso mesmo) do PIB Regional. Não chegam, somados, a 200 mil habitantes de um total de quase três milhões.
É esse ABC Paulista fragmentado pelo movimento emancipacionista dos anos 1940, quando iniciou processo de repartir em sete partes desiguais o que era território exclusivo, que está à prova da mais robusta investigação do cromossomos econômico, social e sociológico.
AZUL DESBOTADO
O mapa pintado de azul desbotado do ABC Paulista que todo o Brasil conhece (mesmo o desbotado, observado por poucos sempre atentos) camufla o verdadeiro ABC Paulista de quatro divisões territoriais desiguais. A porção mais rica, a Verde São Caetano, não chega a 7% da população total. O Amarelo de Santo André e São Bernardo registra 56% do total, num predomínio natural de dois endereços que disputaram no passado a unicidade administrativa do território regional, dividindo-se em seguida em outras cinco partes. Diadema e Mauá ficam com 28% de toda a população. O restante é de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
A Detroit à Brasileira está encalacrada, presa entre um passado de glórias que não voltam mais e ainda pouco atenta às armadilhas que há muito estão num horizonte em negação.
O que esta série vai procurar desvendar são aspectos muitas vezes indecifráveis a reunir e a separar os sete municípios. Vamos nos prender mais inclinadamente a três macroindicadores que se completam como aferidores conjugados do estágio de Desenvolvimento Econômico e Social do ABC Paulista.
MACROINDICADORES
O primeiro, Receita Total dos municípios, abrirá as primeiras análises, mas nada impediria o uso de fragmentos dos outros dois, no caso o PIB de Consumo, da Consultoria IPC, a mais respeitada organização de dados dos municípios brasileiros, e o PIB Convencional, de responsabilidade do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).
Apenas para que se construa uma perspectiva de curta duração no sentido do tempo que separam uma enxurrada de dados oficiais e suas consequências, esta série especial vai mostrar na próxima edição o quanto a Receita Total de São Caetano, a Cidade Verde do ABC Paulista, é maior ante os demais endereços da região. Se o ABC Paulista fosse a transposição da realidade de São Caetano, teríamos o megaendereço mais rico e festejado do País. O problema é que embora São Caetano exista de fato, não passa de um pedaço muito pequeno no universo regional, dominado por São Bernardo e Santo André, maiores concentrações de moradores, de PIB Convencional, de PIB de Consumo e de Receita Total. Menos mal que esse predomínio não seja de Mauá e Diadema, na terceira divisão de qualidade de vida na região.
Colocar a Detroit à Brasileira como tarefa de responsabilidade geral não é força de expressão. Embora os prefeitos que tomaram posse agora em janeiro tenham maior parcela de responsabilidade, porque são lideranças sociais, não se deve atribuir a eles e tampouco confiar somente a eles essa tarefa descomunal. Primeiro porque seus antecessores, rigorosamente todos, não deram conta do recado jamais. Segundo porque a sociedade precisa ser organizar no ambiente social propriamente dito e nas instituições corporativas para imprimirem uma atmosfera reformista para valer. Os prefeitos não seriam produtivos nos compromissos tanto municipais como principalmente regionais sem o aperto inconformado e civilizatório de forças sociais. O que, todos sabem, é um bilhete de loteria. Uma megasena em que o acerto é uma em cada 55 milhões de possibilidades. Pode acontecer, mas é melhor não apostar.
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