Política

Jogada de mestre ou
um tiro no escuro?

  DANIEL LIMA - 04/04/2024

O prefeito Orlando Morando escolheu a sobrinha Flavia Morando para disputar a sucessão eleitoral em São Bernardo. A jovem Flavia Morando, advogada e comandante do grupo comercial da Família Morando, tem ativos potenciais e passivos potenciais que precisam ser abertos ao escrutínio crítico antes de os leitores responderem a equação exposta na manchetíssima de hoje. Uma jogada de mestre ou um tiro no escuro?

Vou diretíssimo aos respectivos pontos para definir uma linha de conceitos que tentarei explorar daqui em diante. Não se pode esquecer que campanha eleitoral, em muitos casos, é uma embarcação em mar revolto, com sacolejadas que precisam ser previstas pelos comandantes de modo que o objetivo final não se descaracterize. Do imponderável é impossível cuidar. Só reagir.

Vamos então aos pontos essenciais  ao debate do maior e mais surpreendente acontecimento da política regional desta temporada –  claro, lógico, sem dúvida, após a impagável pixotada de Paulinho Serra em Santo André, onde transformou o certo em duvidosíssimo. Uma botafogada monumental.

 ARTICULAÇÃO ELEITORAL.

 INEXPERIENCIA POLÍTICA.

 AFERIÇÃO DE PARENTESCO.

 JUVENTUDE A FLOR DA PELE.

 AVESSO DOS DE SEMPRE.

 FEMINILIDADE TRANSBORDANTE.

 ESPÓLIO DE ATIVOS.

 ALIADOS EXTERNOS.

Como se observa, são oito quesitos que listei de supetão para tentar esculpir um quadro que não seja nem um Picasso de horrores para qualquer dos lados, tampouco uma obra-prima de beleza divina e irretocável. É sobre esses pontos que a indicação do prefeito Orlando Morando deve ser atentamente observada. Vamos à breve analise de cada item mencionado.

 ARTICULAÇÃO ELEITORAL

Nada do que segue abaixo resistiria às intempéries naturais de uma disputa que promete ser acirrada caso a definição da candidatura de Flavia Morando, embora centralizada no prefeito Orlando Morando, não tenha sido resultado consensual frágil em que interesses individuais virem bombas de efeito retardado. A harmonia tática e estratégica, sem fissuras que comprometam o todo desenhado, está na raiz de uma competitividade eleitoral com ingredientes mais positivos do que negativos.

 INEXPERIÊNCIA POLITICA

Não há dúvida que será preciso muita habilidade e muita atenção a esse quesito. Salta à vista, daí a surpresa da indicação, o que seria o calcanhar de Aquiles da candidatura de Flavia Morando. Restará saber até que ponto o eleitorado mais conservador e mesmo os jovens, potencialmente as duas faixas mais próximas da consolidação da candidatura de Flavia Morando, interpretarão o noviciado como fator positivo. Em princípio é negativo, mas basta dar uma espiada no que já fizeram e andam fazendo os velhos políticos, mesmo que políticos jovens e ideias envelhecidas, para ganhar corpo uma versão de que inexperiência não é necessariamente um peso desclassificatório, porque pode ser redentor. Quantos jovens estão surgindo na política, saídos do nada, e ganham cada vez mais prestígio no País cansado de velharias? É claro que a ideia de que experiência não é necessariamente competência não se derrete num piscar de olhos. Mas derrete sim.

 AFERIÇÃO DE PARENTESCO

O parentesco envolvendo o prefeito e a sobrinha do prefeito pode ser também um elemento de conotação depreciativa, pela tradição de nepotismo objetivo ou metafórico que atribuiriam ao anúncio da candidatura.  Também nesse ponto cabe uma contraface a uma carga inicialmente negativa: quando a imagem do parente principal, no caso do prefeito, é uma imagem de alta aprovação, o conceito de rebaixamento ético no apontamento da sobrinha carregada de virtudes profissionais, passa a perder o tom desabonador.  Flavia não é parente de agente público execrado pela população. Diferentemente nisso.

 JUVENTUDE A FLOR DA PELE

Grande parte da população de São Bernardo é formada de jovens entre 18 e 40 anos. É um contingente que, em larga escala, desconhece o passado de turbulência econômica e social a partir do movimento sindical. Nada, entretanto, que torne os conservadores mais numerosos em relação aos esquerdistas. São Bernardo é uma cidade dividida. É nesse campo, do nicho de jovens e gente próxima da maturidade dos 40 anos, que trafegaria o maior volume de votos de Flavia Morando, reduzindo a carga de vantagem de adversários mais à esquerda. Os mais vividos e escolarizados são eleitores conservadores por natureza, inclusive em São Bernardo.

 AVESSO DOS DE SEMPRE

O fato de Flavia Morando ser principiante em política, em disputa eleitoral, é um ponto supostamente negativo que ganhará possíveis mutações na medida em que os eleitores entenderem que concorrentes velhos de guerra não acenariam a novos horizontes. Seriam arvores que já deram frutos mais que conhecidos. Ou seja: temos o avesso da inexperiência em forma de versão palpável de envelhecimento de profissionais do voto. Esse é um ponto que deverá demarcar uma das baterias de ataque dos situacionistas para contrapor o espectro de experiência contaminada dos adversários.

 FEMINILIDADE TRANSBORDANTE

Flávia Morando exibe  feminilidade transbordante. O que isso significa? Significa que é uma jovem na flor dos 32 anos de idade de currículo breve mas admirável sobretudo para a juventude da cidade metralhada economicamente durante os anos de Dilma Rousseff ao perder 22% do PIB,  entre 2015-2016. A estética, a imagem, o desempenho midiático, tudo isso ajuda a construir uma carreira que depende de aprovação popular. Se juntar a tudo isso um conteúdo prospectivo, enfático, assertivo, Flavia subirá mais alguns degraus de competitividade.

 ESPÓLIO DE ATIVOS

A gestão de Orlando Morando é um sucesso mesmo entre grande parte do eleitorado vermelho de São Bernardo. Os 87 meses de governo colocaram São Bernardo numa rota de desenvolvimento social surpreendente para um endereço que, nos dois anos anteriores à vitória nas urnas, passou pela maior hecatombe econômica da história, durante o governo Dilma Rousseff. Foram mais de 50 mil trabalhadores com carteira assinada levados às filas de desemprego. E um PIB destruído em um quinto quando confrontado com 2014. Orlando Morando só não encaixou um golpe na mandíbula de uma estrutura industrial impactada por transformações nos últimos 40 anos. Mas fez o suficiente para, mesmo com o setor automotivo em constante regressividade, impedir novos tombos. O ambiente urbano de São Bernardo ganhou uma musculatura logística que praticamente botou para correr a ideia de que o Município começava e terminava refém da centralidade evasiva da  Anchieta. 

 ALIADOS EXTERNOS

Parte dos votos que tanto a candidatura da situação quando da oposição obterão nas urnas no primeiro e no provável segundo turno vai vir de fora para dentro. O peso eleitoral do governador Tarcísio de Freitas, do ex-presidente Jair Bolsonaro e do presidente Lula da Silva tem importância que pode significar a diferença entre ganhar e perder. Desprezar a estadualização e a federalização de parte dos votos predominantemente municipalistas é ignorar os novos tempos, mesmo que ainda as redes sociais na região reservem mais debates, acusações e tudo o mais ao ambiente externo. É nesse ponto, também, que a campanha de Flavia Morando poderá ganhar impulso.

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