Patriani desmascara outra vez
MBigucci em arremate de área
DANIEL LIMA - 17/03/2023
Se você acredita que a Construtora Patriani (a maior da região) não teve concorrente ontem no arremate de imensa área pública em São Bernardo, provavelmente não conhece a história recente do mercado imobiliário e do poder político inerente à atividade. A MBigucci (segunda maior da região) perdeu feio a disputa virtual. Um resultado tão constrangedor quanto revelador.
A diferença entre o que a Patriani vai pagar em 20 parcelas corrigidas pela inflação e o que a MBigucci supostamente pagaria também em longas parcelas corrigidas monetariamente chegaria a no mínimo R$ 37.583,24 milhões.
Esse valor corresponde a nada menos que 107 apartamentos de 50 metros quadrados em bairro de classe média de São Bernardo.
Ou seja: se a MBigucci arrematasse a área nos moldes com que arrematou outra área pública, denunciada por CapitalSocial, teria a vantagem mercadológica de mais de uma centena de apartamentos como folga de caixa.
VITÓRIA DA PREFEITURA
Quem entender que isso é capitalismo, possivelmente diria que há democracia na China. E, do jeito que a banda está tocando, também no Brasil.
Traduzindo tudo isso: a Prefeitura de São Bernardo ganhou relativamente na venda da área muito mais com o negócio fechado com a Patriani do que teria ganhado com a MBigucci.
Nem entro no debate se vale ou não a pena vender áreas públicas ociosas ou já fora de moda ocupacional. Não entro no debate porque é jogar dinheiro pela janela manter os custos de imóveis públicos obsoletos. O patrimonialismo público é irmão gêmeo do patrimonialismo privado.
Já sugeri um bando de dados imobiliários com respectivas regras de transparência. Não há notícia de que algum vereador tenha interesse na proposta.
SIGA A EXPLICAÇÃO
Se fosse você e olhasse para o mercado imobiliário muito além dos metros quadrados, não perderia por nada deste mundo a análise que se segue. O que está em jogo e sempre estará em jogo quando se trata de venda de área pública é uma imensidão de interesses conexos.
No caso específico do leilão de 18.926,11 metros quadrados de dois terrenos que sediam a Secretaria de Educação de São Bernardo, no Bairro Nova Petrópolis, o enredo não é diferente.
A Construtora Patriani participou sozinha da licitação. Por mais que a venda da área tenha sido divulgada, não houve quem se interessasse por conta do valor mínimo de arremate, praticamente o mesmo da proposta vencedora da Construtora Patriani.
RIQUEZA E FUGA
A MBigucci, que participou da maioria das licitações em tempos passados em São Bernardo, mais uma vez preferiu ficar de fora.
Há alguma coisa estranha entre a gestão de Orlando Morando e a direção da MBigucci que fugiu do controle ou o mercado imobiliário de São Bernardo não vale mais lá essas coisas e a empresa comandada por Milton Bigucci desistiu de investir onde mantém a própria sede corporativa.
A MBigucci cresceu exponencialmente durante a Administração do PT em São Bernardo, no período de 2009-2016. Mas também antes disso. Nos últimos tempos tem dirigido ações a Santo André. As relações dos Bigucci com a Administração de Paulinho Serra é das melhores. A Patriani trafega no mesmo espaço, em paralelo. Não há em Santo André incompatibilidade de interesses entre as duas companhias. Mais que isso: é possível que haja muita compatibilidade de negócios em Santo André envolvendo-as mutualmente.
Para entender a diferença entre a proposta efetiva da Patriani e a proposta imaginária e coerente da MBigucci numa suposta disputa pela área da Secretaria de Educação de São Bernardo é preciso voltar no tempo, em dois tempos distintos mas conectados.
VOLTANDO AO PASSADO
Em 2008 a MBigucci arrematou uma área mais nobre que a leiloada ontem. Pagou em oito parcelas o corresponde em reais atualizados R$ 2.331 por metro quadrado. Também eram dois terrenos conjugados, nos quais a Bigucci construiu o maior empreendimento de sua trajetória, o condomínio residencial e comercial Marco Zero, entre as esquinas da Avenida Kennedy e Senador Vergueiro. Uma área nobre de São Bernardo. Muito mais nobre que a área nobre do Bairro Nova Petrópolis, da sede da Secretaria de Educação que vai ser demolida para dar lugar a apartamentos de classe média alta.
Já a Patriani entra nessa disputa comparativa porque no ano passado adquiriu um terreno vizinho ao do já construído Marco Zero. Uma área na qual já começa a erguer um condomínio residencial. Também em valores atualizados, a Patriani pagou R$ 5.430 o metro quadrado. Ou seja: a MBigucci pagou apenas 43% do valor relativo ao que pagou a Patriani em terrenos gêmeos. Sempre em valores atualizados, é importante repetir.
MP NO MARCO ZERO
CapitalSocial denunciou aquele escândalo da MBigucci. O Ministério Público Estadual não só engavetou a denúncia como, mais tarde, passou a ocupar salas comerciais do Marco Zero.
A diferença de valor do metro quadrado entre o terreno arrematado pela MBigucci em 2008 e pela Patriani no ano passado se deve ao processo licitatório.
No caso da vitória da MBigucci, houve simulacro de leilão, desmascarado por CapitalSocial. As cartas marcadas prevaleceram. Vendeu-se uma área nobre a preço de banana.
Já no caso da Patriani, que arrematou no ano passado o terreno do outro lado da Kennedy, não houve oponentes. Mas o valor do metro quadrado foi colocado muito mais acima do valor atualizado do metro quadrado do leilão vencido pela MBigucci 14 anos antes.
Não se pode perder o fio da meada da avaliação dos casos, que em seguida incorporará a área do Bairro Nova Petrópolis, arrematada ontem.
Os valores monetários são sempre atualizados, levando-se em conta dois indexadores: o IPCA e o INCC. O primeiro regula a maioria das relações contratuais no País. O segundo é específico da construção civil.
MAIS CONTAS
Como cheguei à conclusão de que, fosse participante do leilão de ontem e, mais que isso, repetisse a operação que realizou no caso do Marco Zero em 2008, a MBigucci teria pago apenas R$ 44.116.76 milhões por quase 19 mil metros quadrados, enquanto a Patriani vai desembolsar R$ 81,7 milhões?
Simples, muito simples: basta pegar o valor atualizado em reais do quanto a MBigucci pagou pela área onde ergueu o Marco Zero. Faça a seguinte conta: multiplique 18.926,11 metros quadrados que sediam a Secretaria de Educação de São Bernardo por atualizados R$ 2.331 relativos ao quanto a MBigucci pagou pela área da antiga Villares e do Corpo de Patrulheiros Mirins para construir o Marco Zero. Fez as contas? Pois então chegou a R$ 44.116,76 milhões.
A Patriani fez contas diferentes e vai desembolsar R$ 81.700,00 milhões. A diferença de R$ 37.583,24 milhões que supostamente a MBigucci deixaria de pagar em relação ao desembolso da Patriani, caso vencesse a licitação com valor relativo correspondente ao terreno do Marco Zero, representaria um ganho de 107 apartamentos de 50 metros quadros em bairro de classe média em São Bernardo.
MAIS GANHOS AINDA
A área que a Patriani acabou de arrematar é menos nobre que a área que a MBigucci arrematou na bacia das almas em 2008. E também menos nobre, evidentemente, que a área gêmea que a Patriani arrematou ao lado do Marco Zero, ano passado.
Num confronto de valores atualizados, a Patriani pagou por metro quadrado na área da Secretaria de Educação o valor de R$ 4.316,70 enquanto, sempre em valores atualizados, pagou R$ 5.430,00 pelo metro quadrado na Avenida Kennedy. Uma diferença de arredondados 20%.
Levando-se em conta esse fator, ou seja, que o metro quadrado do Bairro Nova Petrópolis custou à Patriani 20% menos que o metro quadrado da Avenida Kennedy, a MBigucci teria arrematado a área da Secretaria de Educação por menos do que o exposto no cálculo anterior. Seriam atualizados R$ 1.864,80 que, multiplicados pela área de quase 19 mil metros quadrados, chegaria ao valor do arremate de R$ 35.293,40 milhões. Ou R$ 46,406 milhões abaixo da proposta vencedora da Patriani.
DISTORÇÃO COMPROVADA
Comparar o real (ou seja, o arremate de Nova Petrópolis) como se houvesse tido disputa pela área vale não só como raciocínio que leva à comprovação de uma denúncia ignorada por instâncias públicas mas também porque enquadra situações vividas em momentos distintos.
Momentos distintos que podem ser traduzidas no seguinte enunciado: independentemente de juízo de valor sobre a justeza ou não do valor que balizou o arremate da Patriani ontem, está mais uma vez caracterizada escandalosa distorção de preços que envolve as duas principais companhias do setor no Grande ABC. E em ambas as situações com participação do Poder Público Municipal.
A gravidade do caso do Condomínio Marco Zero, continuamente denunciado por CapitalSocial, não se esgota, como já provamos, nos dados monetários quando comparados com os investimentos da Patriani.
SITUAÇÕES DISTINTAS
Entre o efervescente mercado imobiliário no primeiro semestre de 2008 e o mercado imobiliário ainda em recuperação da pandemia, há enorme distância. O metro quadrado de agora não vale relativamente tanto quanto valia em 2008, considerando-se a inflação do período. Ou seja: os ganhos do passado com o arremate por preço de banana são muito maiores do que se expressam com a atualização monetária nestes dias.
A queda do valor real de imóveis no Grande ABC entre as duas situações (do Brasil bombando com Lula da Silva na presidência e o Brasil em queda pós volta de Lula da Silva) esquarteja de vez a suposta lisura do leilão de 2008 ao mesmo tempo em que torna os dois leilões vencidos pela Patriani aparentemente mais republicanos. Até prova em contrário.
CLUBE DOS AMIGOS
O mercado imobiliário do Grande ABC é um caso eterno de interesses corporativos e políticos de uma minoria mais organizada. O Clube dos Construtores do Grande ABC, entidade que supostamente cuidaria dos interesses legítimos dos empresários do setor, está longe de ser uma entidade de todos.
A Família Bigucci continua a ter o controle da situação. Oficialmente Acigabc, Associação dos Construtores e Incorporadores, o Clube dos Construtores garante o aval institucional dos poucos representantes do setor que constam do quadro diretivo.
Não há registro na história da entidade que remeta a qualquer preocupação com cuidados éticos na relação intermediária entre o setor, os contribuintes e gestões públicas municipais. O Clube dos Construtores é um Clube do Bolinha setorial. Sociedade não entra. Os casos de manipulação de dados estatísticos são escabrosos.
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