Economia

Só indústria de Mauá resiste
à hecatombe setorial no século

  DANIEL LIMA - 15/07/2022

É isso mesmo: somente a indústria (prevalecentemente petroquímica) de Mauá tem resistido à derrocada do Grande ABC no setor de transformação neste século. O confronto é com o rendimento médio do PIB Industrial do Estado de São Paulo.  

A diferença entre o setor industrial do Grande ABC e as vacinas para combater o Coronavírus é que no primeiro caso nenhuma discussão resiste à lógica: menos produção industrial é fragilidade inevitável do organismo econômico e social da região.  

No segundo caso, fica ao gosto do freguês, ou do enfermo, ou de quem resiste às recomendações da ciência que, todos sabem, não é infalível.  

Distante disso, aliás. Cautela de atenção máxima e caldo de galinha de certo grau de ceticismo sem dogmatismo não fazem mal a ninguém. Quatro doses depois de ficar duas semanas de molho quando as vacinas ainda não existiam me incluem entre os compulsoriamente adeptos da Ciência no caso do vírus. 

SOM MACABRO  

O que o Grande ABC apresenta no setor industrial como resultado final em duas décadas já consolidadas por estatísticas (2000-2019) é uma situação dramática.  

Fosse escolhido um tema musical que sintetizasse a perda industrial, provavelmente um publicitário consciente escolheria para o Grande ABC alguma trilha sonora de filmes macabros, porque os de suspense não dimensionariam um ambiente mais que conhecido de empobrecimento.  

Não falta gente que detesta ler ou ouvir qualquer coisa que contrarie a confraria dos ilusionistas do Grande ABC, mas é preciso tocar seguidamente na ferida da desindustrialização para que o estado de complacência se desmanche.  

MERGULHO DUPLO 

O fato é que nestes 20 anos já contabilizados deste século o Grande ABC deu mais um mergulho preocupante no desempenho industrial. Mais um novo mergulho porque anteriormente, nas duas décadas finais do século passado, submergira de forma inquietante.  

MENOS 100 MIL 

Só nos anos 1990, 100 mil empregos industriais com carteira assinada foram destruídos com a abertura econômica que começou no governo Collor e se agigantou no governo Fernando Henrique Cardoso. Tudo isso incentivado por um sindicalismo de exageros. As pequenas autopeças familiares foram dizimadas.  

A exceção chamada Mauá na contabilidade de participação relativa do Grande ABC e dos municípios do Grande ABC no PIB Industrial do Estado de São Paulo não é novidade aos leitores assíduos de CapitalSocial. 

A salvação da lavoura de Mauá não se traduz, entretanto, em salvação da lavoura do Grande ABC.  

Mesmo para Santo André, também beneficiária da Doença Holandesa Petroquímica, como identificamos o modelo industrial dominante nos dois municípios, favorecidos pela elevada produção do Polo Petroquímico de Capuava. 

DOENÇA HOLANDESA  

A razão de Mauá sair das duas primeiras décadas deste século com saldo positivo no PIB Industrial e Santo André seguir a contabilizar prejuízo é que tanto a incidência da atividade é relativamente um pouco mais expressiva no endereço positivado quanto a desindustrialização na ex-capital econômica da região segue adiante, mas camuflada em parte pela Doença Holandesa Petroquímica. 

Mauá completou as duas primeiras décadas deste século acumulando crescimento interno de participação relativa no PIB Industrial do Grande ABC de mais de 10 pontos percentuais: contava com 10,17% em 1999 e passou para 17,78% ao final de 2019.  

Internamente, apenas Santo André, além de Mauá, aumentou participação relativa do PIB Industrial em 20 anos: era 17,83% e passou para 21,35%. Os demais municípios perderam participação relativa interna.  

ÚNICO RESISTENTE  

Quando se vai para o mapa estadual, apenas Mauá resistiu ao crescimento médio dos paulistas ao passar de 1,02% para 1,34%.  Santo André, com saldo positivo na região, caiu no confronto estadual: de 1,79% para 1,61%. 

Em termos estritamente reais, no qual prevalece o valor monetário do PIB Industrial do Grande ABC ao longo de 20 anos, sempre comparando com a base de 1999, apenas Mauá obteve crescimento absoluto e relativo tanto em nível regional quanto estadual. Mas mesmo assim abaixo da inflação do período. 

O crescimento do PIB Industrial de Mauá durante o período de estudo alcançou 318,11% sem considerar a inflação do IPCA de 234,91%. O crescimento médio dos municípios do Estado de São Paulo foi de 217,66%, portanto abaixo da inflação.  

ABAIXO DE INFLAÇÃO  

Já o crescimento médio dos sete municípios do Grande ABC, inclusive com Mauá, não passou de 139,15% em termos nominais nas duas décadas. Ou seja: abaixo da inflação do IPCA e do crescimento médio do Estado de São Paulo. Perdemos duplamente: para a inflação do período e para a média estadual, que também perdeu para a inflação.  

Como era de se esperar (e de se confirmar aos leitores de CapitalSocial) os dois municípios mais dependentes da outra enfermidade econômica do Grande ABC, a Doença Holandesa Automotiva, caíram pelas tabelas nesses 20 anos.  

São Bernardo perdeu quase 10 pontos percentuais na competição interna do PIB Industrial (ou seja, quando o universo pesquisado são os sete municípios), passando de 43,62% para 35,98%. E São Caetano perdeu quase três pontos percentuais, passando de 10,20% para 7,44% no mesmo período que tem 1999 como base de comparação.  

ESTRAGOS MAIORES  

Quando a comparação invade o terreno estadual, os estragos automotivos em São Bernardo e em São Caetano também ficam escancarados. São Bernardo caiu de 4,37% para 2,71% enquanto São Caetano caiu de 1,02% para 0,68%. A Doença Holandesa Automotiva que também impacta Diadema é um indexador perverso da debilidade econômica do Grande ABC.  

A participação relativa dos demais municípios do Grande ABC no confronto interno revela que Diadema caiu de 15,20% para 13,52%, enquanto Ribeirão Pires caiu de 2,10% para 2,04% e Rio Grande da Serra caiu de 0,047% para 0,030%.  No âmbito estadual, Diadema caiu de 1,56% para 1,02%, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra são inexpressivos.  

BOA NOTÍCIA  

A boa notícia que se pode antecipar para o resultado da próxima década já iniciada (a partir de 2020, cujos dados do IBGE só serão conhecidos em dezembro deste ano com a chegada do PIB dos Municípios Brasileiros) é que provavelmente o Grande ABC reduzirá o impacto econômico e social da quebra do PIB Industrial, tanto internamente quanto a nível estadual. 

A explicação é simples: quanto menos expressiva for a força da indústria do Grande ABC internamente, ou seja, em relação aos demais setores, menos proporcionalmente ao passado serão os reflexos no futuro. A equação parece complexa, mas não é.  

A melhor explicação é a seguinte: em 1999 o Grande ABC contava com PIB Industrial de 53,97% em relação ao PIB Geral, que é a soma de todas as atividades. Uma participação relativa altíssima ante a média dos municípios brasileiros. Passados 20 anos, o PIB Industrial passou a representar 23,18% do PIB Geral. Ou seja: a queda foi superior a 50% internamente. No âmbito estadual, o PIB Industrial do Grande ABC em 1999 representava 10,03% de tudo que se produzia nos municípios paulistas. Em 2019, caiu para 7,55%.  

MAIS PERDAS  

Tanto a queda interna quanto a estadual seguirão adiante nos próximos anos desta nova década. É inexorável diante da falta de planejamento regional para combater a desindustrialização. E mesmo que encontrasse os caminhos, o processo de reindustrializar é pouco factível. O que se poderia alcançar seria a redução do grau de novas perdas.  

Números de diversos indicadores, inclusive sociais e de consumo, mostram que o Grande ABC está cada vez mais parecido com o Brasil. Inclusive na distribuição de classes econômicas dos quase três milhões de habitantes. O que se pode mesmo é retardar o encontro dessas águas nada satisfatórias. Embora cresça mais que o Grande ABC, o Brasil é um tratado com o fracasso quando se olha para outros ambientes nacionais.  

Na edição de segunda-feira voltaremos com novos números do comportamento do PIB Industrial da região em duas décadas de terror.

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