GRANDE ABC DOS
17% DE FAVELADOS
DANIEL LIMA - 11/11/2024
Pegue a população de São Caetano (168.557), adicione a população de Ribeirão Pires (115.931) e complete com a população de Rio Grande da Serra (44.203). Fez as contas? Nem assim foi possível totalizar o número de moradores de favelas no Grande ABC. Ainda faltam 141.781 mil moradores. Então, coloque mais uma São Caetano praticamente inteira nesse caldeirão de pobreza e de miserabilidade. Eis os 17,4% da população de favelados da região. Mais que na Capital vizinha e o dobro da média brasileira.
No conjunto dessa obra de incompetência histórica do Estado (federal, estadual e municipal) são 350 endereços e um total de 470.472 moradores. Colocar todo esse mundo nos três (ou quatro) municípios traduz melhor que qualquer numerologia o tamanho da exclusão social.
Ou alguém vai ter coragem de dizer que marcos civilizatórios socioeconômicos não são aviltados nesse submundo de qualidade de vida?
O Grande ABC que tanto se autoproclama poderoso porque ainda insiste em ficar alheio à realidade dos fatos e dos números, conta com três núcleos entre as 20 maiores favelas do País. A Vila São Pedro, em São Bernardo, está em 13º lugar com 10.273 imóveis. Mauá é representada por dois núcleos: o Jardim Oratório está em 17º lugar com 9.189 moradias e o Chafik /Macuco em 18º lugar com 9.158.
CLUBE DA IGNORÂNCIA
Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foram divulgados na última sexta-feira. O que deveria servir de gatilho a uma reação coordenada do Clube dos Prefeitos, inutilidade institucional que afronta a memória do criador Celso Daniel, foi totalmente ignorado. Possivelmente até vai esconder tudo. Há conexão profunda que institucionalmente liga uma coisa à outra.
É incômoda demais a constatação de que políticas públicas locais de habitação são um escárnio. Diferentemente de bajulações e acordos com alguns dos piores representantes do setor imobiliário privado. O buraco social do Grande ABC não é pauta frequente da mídia. Prefere-se o propagandismo político-partidário sem durabilidade social no tempo, mas que elege vereadores, prefeitos e deputados. Não à toa apenas 35% dos eleitores disponíveis a votar em outubro último escolherem os prefeitos eleitos.
Faltam dados de um passado remoto confiável, mas a aceleração da pobreza em forma de favelas é a consequência lógica de um Grande ABC que desce a ladeira da mobilidade social.
DESIGUALDADE SOCIAL
No ano passado, segundo dados que constam do balanço da Consultoria IPC, do pesquisador Marcos Pazzini, as 178.198 famílias de pobres e miseráveis que residiam na região, um total de 17,7% da população geral, contavam com PIB de Consumo de apenas 5,7%. As famílias de classe rica, com 40.729 unidades residenciais, contavam com participação de 17,9%.
Em termos numéricos, as famílias de classe rica na região no ano passado correspondiam a apenas 4,05% da população geral, ante 17,7% dos pobres e miseráveis. Para cada rico no Grande ABC, havia 4,37 de pobres e miseráveis.
Dados de 1995 da mesmo consultoria não contavam com referenciais do passado da desindustrialização que já se agravava. Os ricos representavam naquela temporada 6,90% das moradias, enquanto os pobres e miseráveis eram 24,57%. Ou seja: os ricos eram mais numerosos proporcionalmente e os pobres também.
A quebra de proporção de famílias de classe rica na população total é uma das ramificações mais explicitas da desindustrialização. Já a redução de pobres e miseráveis é resultado de esparadrapos sociais. Primeiro por causa do crescimento da classe média precária, um degrau acima dos pobres e mais que um degrau abaixo da classe média tradicional. Segundo porque muitos moradores pobres e miseráveis foram favorecidos por programas sociais de governos federal, estadual e municipal.
BOLSAS SOCIAIS
Não fosse a permanente injeção de programas tipo Bolsa Família, a distância entre ricos e pobres seria ainda maior e contemplaria uma dupla face da crise brasileira nos últimos 40 anos de baixíssimo crescimento econômico: os ricos perderam tração enquanto a classe média tradicional deriva para o caminho da classe média precária que se avoluma também, sempre precariamente, por conta da redução relativa de pobres e miseráveis turbinados pela Bolsa Família e congêneres.
Diadema e Mauá têm situações mais graves na ocupação espacial em forma de favelas. A tabela que se segue mostra bem que apenas São Caetano escapa do mapa regional de favelamento, mas mesmo assim é preciso ponderar. Afinal, não reunir favela no território está distante de significar que não se sofre os efeitos de favelamentos. São Caetano, cidade de melhor qualidade de vida da região, é atormentada pela Favela de Heliópolis, vizinha incômoda que exige atenção especial de autoridades da área de Segurança Pública. Veja o quadro regional:
Santo André conta com 76 núcleos de favelados, com 99.187 moradores em 37.433 domicílios. Participação relativa na população total de 13,2%.
São Bernardo conta com 94 núcleos de favelados com 158.274 favelados em 59.234 domicílios. Participação relativa de 19,5% da população total.
Diadema conta com 109 núcleos de favelados com participação de 87.887 moradores e 33.125 domicílios. Participação na população total de 22,3%.
Mauá conta com 60 núcleos de favelados com 115.251 moradores em 44.161 domicílios. Participação relativa na população total de 27,5%.
Ribeirão Pires conta com quatro núcleos de favelados com 4.678 moradores em 1.773 domicílios. Participação relativa de 4%.
Rio Grande da Serra conta com sete núcleos de favelados, 5.195 moradores em 2.049 domicílios. Participação relativa de 11,7%.
SITUAÇÃO NACIONAL
O Brasil como um todo contava em 2022 (esse é o referencial estatístico do IBGE) com 16,4 milhões de habitantes em favelas e as chamadas comunidades urbanas. Nada menos que 656 municípios constam da lista. A população favelada no Brasil é, em média, menos da metade do que se registra no Grande ABC: 8% da população geral. No total, são 12.348 núcleos.
O Estado de São Paulo registra 3,6 milhões de moradores em favelas, mas não tem a liderança individual: está na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, o maior contingente de favelados. São 72.021 moradores. A favela do Sol Nascente, em Brasília, vem a seguir com 70.908 moradores. Paraisópolis, em São Paulo, está em terceiro com 58.527. Heliópolis em sexto com 55.583 moradores.
Os favelados da Capital do Estado também são proporcionalmente menos que os registrados no Grande ABC. Quinze por cento moram em condições precárias.
ESTADO PECADOR
Quem aprecia jogar com cores ideológicas qualquer coisa que se refira às condições precárias ou deficitárias de indicadores sociais e econômicos do Brasil precisa conter o ímpeto. Está certo que o capitalismo é o pior dos regimes, exceto todos os demais, mas o Estado não cuida da sociedade na proporção em que arrecada. Longe disso.
Vitória do Jari, no Macapá, é um dos muitos exemplos do buraco estatal em organização urbana e social. Do total de 11.291 habitantes, 7.819 vivem em favelas. Vitoria do Jari não sabe o que é economia de mercado. A maioria vive de recursos públicos.
Belém do Pará também pode ser acrescentada à lista. Preparando-se para receber a COP (Conferência da ONU sobre mudanças climáticas), a Capital do Pará tem 57% da população, ou 1,1 milhão de habitantes, vivendo em favelas. Já Manaus, segundo registro da Folha de S. Paulo, tem 55,8% de habitantes em favelas. Salvador chega a 34,9%.
Não se deve duvidar da possibilidade de algum politico ou assecla de político do Grande ABC utilizar-se desses dados de forma transversa, transformando-os em referencial favorável à situação da região. Quem ainda observa aqui ou ali algum negacionista garantir que não há desindustrialização na região, ou que a região comporta uma sociedade civil organizada, quando o que se tem é um deus-dará em institucionalidade e cidadania, precisa ficar com os dois pés atrás.
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