Diário: Plano Real que
durou nove meses (32)
DANIEL LIMA - 11/11/2024
Vamos reproduzir hoje três edições da newsletter Capital Digital Online, que preparamos à frente da redação do Diário do Grande ABC há 20 anos, dando sequência ao Planejamento Editorial Estratégico que executamos durante nove meses de cinco anos contratados. O material que se segue revela intolerância com alguns pontos extremamente inquietantes para o avanço. O caso específico da cobertura do Quem é Quem gerou muito mais que a respectiva edição daquela newsletter. Tivemos reunião duríssima com o editor de Economia à época.
EDIÇÃO NÚMERO OITO
Grande ABC, sexta-feira, 27 de agosto de 2004.
Como mediocrizar uma cobertura
jornalística que deveria ser especial
A cobertura gráfico-editorial do Quem é Quem desta sexta-feira do Diário está entre a mediocridade e a insensibilidade. Tomamos todos os cuidados pré-operatórios. Acreditamos que, finalmente, teríamos um exemplo de eficiência de gestão que compatibilizasse uma série de medidas que resplandeceriam numa cobertura de qualidade. Infelizmente, estamos frustrados.
Houve uma acintosa desconsideração a tudo o que foi planejado. Colocamos à disposição do jornal dois reforços editoriais da revista LivreMercado, Vera Guazzelli e André Marcel de Lima, que, mais uma vez, deram show de interpretação e de brilho textual que, infelizmente, o jornal como um todo está longe de oferecer. Infelizmente, o material de ambos foi assassinado pela edição desarticulada.
Faremos reunião específica sobre essa indecente cobertura que está nas nossas páginas. Jornalismo se pratica com uma série de qualificações, entre as quais, indispensavelmente, deve-se colocar a sensatez a serviço do público leitor. Infelizmente, faltou isso e muito mais na edição de hoje.
EDIÇÃO NÚMERO NOVE
Grande ABC, quinta-feira, 2 de setembro de 2004.
A importância de socializar
as decisões nas editorias
Uma das regras básicas que determinam a produtividade de uma equipe de redação — e as editorias formam núcleos de produção que se encaixam no produto final que os leitores recebem em casa ou no escritório — é o respeito ao texto. O que é respeito ao texto? É a obrigação que o editor tem de tornar a produção do repórter a mais qualificada possível e, a partir da aprovação, editar o material com discernimento. E o que é editar com discernimento? É não transformar o fechamento editorial em esquartejamento motivacional.
Vou dar um exemplo: repórter que tem o texto aprovado mas triturado no fechamento, para adequação ao espaço, é repórter desestimulado. É tempo de produção jogado fora. É desperdício de informação. Os cortes geralmente estão na zona de risco de imperfeições. Ninguém melhor que o próprio autor da matéria para suprimir eventuais parágrafos excedentes. O corte aleatório e o corte linear são pedaços da mesma laranja podre de desestímulo.
Por que estou escrevendo sobre esse assunto? Porque é tradição no jornalismo diário esse tipo de comportamento. Faz-se de tudo para preencher os espaços deixados pelo Departamento Comercial, numa visão antiquada. Quem compra jornal bem-feito compra pelos textos, que levam, por sua vez, os leitores a consumirem a publicidade.
A inversão dessa lógica é, além de estupidez, estrabismo. Por isso, compete aos jornalistas de comando editorial que incentivem seus repórteres a produzir com criatividade, arrojo, inteligência, responsabilidade. Mais que isso: que os coloquem também na linha de frente editorial, com sugestão de título, de legenda, de diagramação. É preciso que todos se sintam donos da matéria, e, portanto, mais interessados em participar do produto final.
Outra ação que se relaciona com produtividade é a imperiosidade de cada matéria copidescada voltar ao autor para que ele, com cuidado, com esmero, observe quais foram os eventuais erros que cometeu. É impossível aperfeiçoar a escrita sem que se verifiquem os registros de inconformidades. Jornalista que erra ao escrever mas não tem o material copidescado devolvido para analisar suas falhas é jornalista que amanhã vai reproduzir os mesmos erros. Será um eterno enxugar de gelo e de retrabalhos.
Tudo isso parece óbvio, mas é intensamente importante porque, infelizmente, as editorias, de maneira geral, são controladas por um ou dois profissionais no processo de fechamento, de pauta, de debates. Editoria integrada informaliza de tal maneira as relações que as reuniões se tornam desnecessárias, exceto quando especiais. Pautas extensas precisam ser eliminadas. E só o serão se houver proximidade entre os componentes das editorias.
EDIÇÃO NÚMERO DEZ
Grande ABC, quinta-feira, 2 de setembro de 2004.
Diário passa a contar a partir
de hoje com Editoria Especial
O Diário do Grande ABC passa a contar com uma novidade no organograma de Redação. Trata-se da Editoria Especial. O novo quadradinho vai ser exatamente o que diz a nomenclatura, uma Editoria Especial. O que significa isso? Significa que os profissionais que a integrarão terão todas as atribuições e responsabilidades dos editores, embora ocupem um degrau acima. Para que não haja dúvidas sobre o assunto, vamos a um pingue-pongue didático:
P -- Quem comporá a Editoria Especial?
R -- A Editoria Especial terá como componentes iniciais o Diretor de Redação e membros da Secretaria que atuam diretamente no dia-a-dia, casos de Eduardo Reina, Robinson Sasaki, Marcelo Moreira e Mauricio Milani. Também integrarão o time James Capelli, Danilo Angrimani e Antonio Cazzali.
P -- Como será a atuação da Editoria Especial?
R -- Desenvolverá e acompanhará pautas que procurarão dar suporte às demais editorias.
P -- Qual será a área temática da Editoria Especial?
R -- Os integrantes da Editoria Especial atuarão em todas as áreas do jornal e serão responsáveis por todas as etapas, da produção à edição. Poderão, diante de eventuais necessidades operacionais, delegar a fase de edição aos respectivos editores temáticos, repassando-lhes os conceitos do tratamento gráfico planejado para determinado texto.
P -- Há previsão de novos integrantes da Editoria Especial?
R -- Sem dúvida. Pretendemos dar à Editoria Especial um arcabouço de recursos humanos que seja capaz de oferecer-se permanentemente como suporte a todas as editorias.
P -- A Editoria Especial vai trabalhar apenas com pautas especiais?
R -- Não necessariamente. Teremos várias ações pontuais também, mas que nos permitirão acrescentar valor agregado ao cotidiano do jornal. Nosso maior problema editorial é a falta de informações sistemicamente fortes, densas, com matérias mais bem aprofundadas.
P -- A Editoria Especial terá colaboração de free-lancers?
R -- Sem dúvida. Contaremos com reforços. Teremos um corpo de atuação que não deixe dúvida sobre a importância do jornal.
P -- Por que a Editoria Especial?
R -- Porque precisamos elevar o nível médio de qualidade do jornal em todos os dias da semana. Precisamos ter um conjunto de pautas que nos dê sustentação de manchetes. Que as manchetes não sejam vulneráveis à qualidade, algo comum diante da falta de uma política específica de tratamento de primeira página como vitrine que não desencante o leitor.
P -- Há alguma experiência prática que o levou a implementar a novidade?
R -- Na Editora Livre Mercado temos profissionais de áreas operacionais com múltiplas funções do cotidiano mas que, quando dos eventos, integram força-tarefa especificamente dirigida para dar conta do recado. O Prêmio Desempenho é um evento integralmente sob responsabilidade da Editora Livre Mercado. Não terceirizamos a operação porque é por demais importante acompanhar todos os detalhes. E nos pontos que terceirizamos, como no caso da empresa que cuida de som e imagem, a coordenação é de nossa equipe. Os resultados são fantásticos. Formamos profissionais proativos, que não circunscrevem atividades à formalidade da função-eixo. Imagine um time versátil, que ataca e defende em bloco, que tem criatividade, que joga junto o tempo todo. É assim que fazemos.
P -- Quem comandará a Editoria Especial?
R -- O Diretor de Redação.
P -- Já existe exemplo prático da Editoria Especial?
R -- A Sabatina Diário é um exemplo. Foi formulada pelo Diretor de Redação e contou com amplo suporte e empenho da Secretaria de Redação. Tanto que nem tenho participado dos encontros. Aliás, meu sonho é que todos os profissionais do jornal tenham suas capacidades reconhecidas. A centralidade em torno do Diretor de Redação não é interessante para ninguém. Nem mesmo para o Diretor de Redação.
P -- Outro exemplo de prática da Editoria Especial?
R -- A divulgação da pesquisa Brasmarket/Diário, que, a partir de ação do Diretor de Redação, se espalhou seletivamente entre alguns dos atuais membros da Editoria Especial.
P -- Mais um exemplo?
R -- O projeto de cobertura do Quem é Quem poderia ser citado como possível exemplo de Editoria Especial, mas, de fato, acabou subdividido entre o Diretor de Redação e a Editoria de Economia. Os erros que ocorreram na edição não mais se registrarão. Aliás, aqueles erros de edição nos levaram a amadurecer a proposta e a definição da Editoria Especial.
P -- Quer dizer que em determinados eventos a Editoria Especial acabará assumindo a responsabilidade de cobertura?
R -- Sem dúvida. Vamos ter agora em setembro a festa do Prêmio Desempenho e essa cobertura será de responsabilidade da Editoria Especial. Do começo ao fim. Também a cobertura das eleições exigirá coordenação-geral da Editoria Especial. Aliás, esse será um trabalho de fôlego que vai envolver profissionais de várias editorias.
P -- Se já há na prática a ação de uma Editoria Especial, porque a formalização nesta newsletter?
R -- Exatamente para que todos estejam antenados com as transformações que passarão a aprofundar as relações neste jornal e que não vejam, na ação dos integrantes da Editoria Especial, qualquer movimento que fira a autonomia e o território das editorias. Até porque, se nada é mais estanque no mundo, nem mesmo o próprio mundo, por que as editorias convencionais deveriam considerar-se inexpugnáveis? Sobretudo porque todas serão reforçadas.
P -- A quem devem ser dirigidas as dúvidas sobre a atuação da Editoria Especial?
R -- Primeiramente aos membros da Secretaria. Em caso de eventual dificuldade de resolução, o Diretor de Redação deverá ser acionado.
P -- Como será possível medir a eficiência da Editoria Especial?
R -- Pelos evidentes resultados editoriais que apresentará. Trabalharemos sempre sintonizados com a produção cotidiana das demais editorias. Ofereceremos também a oportunidade de complementar pautas entre membros da Editoria Especial e das demais eventualmente envolvidas na pauta em questão.
P -- Como se explica que o Diário, em fase de contenção de despesas, quando não de cortes de despesas, agora apareça com essa tal de Editoria Especial?
R -- Salvo excepcionalidades, a Editoria Especial não vai provocar despesas à companhia, porque se trata muito mais de pôr em prática um plano de ação editorial baseado em diagnósticos que realizei do que propriamente no aporte de recursos financeiros. Ou seja: depois de 40 dias de trabalho e da experiência de 30 dias como ombudsman, cheguei à conclusão de que é imperioso que se estabeleçam medidas organizacionais para encaixar sob o mesmo teto profissionais que hoje, por falta de metodologia, estão desgarrados.
P -- O que significa esse desgarramento?
R -- Improdutividade, sobreposição funcional, ciumeiras nem sempre justificáveis, tudo que é substancialmente nocivo ao ambiente da corporação. Não estamos providenciando nada que não seja sob o ponto de vista organizacional o mínimo que se espera de estratégia voltada à melhoria do jornal.
P -- E que jornal vamos ter?
R -- Nosso compromisso é que o jornal seja respeitado pelas classes A e B do Grande ABC, mas que também atinja a classe C mais preparada. Precisamos de qualidade editorial que nos leve a tornar o jornal imprescindível aos tomadores de decisão e aos formadores de opinião. Não podemos ser um jornal maria-vai-com-as-outras. Precisamos elevar o número de assinantes a um patamar expressivo e isso só será possível quando o jornal sensibilizar as cerca de 20% de residências e moradores da região que estão disponíveis para tornarem-se assíduos leitores. Outros 30% da população virão naturalmente. A outra metade das famílias tentaremos capturar com vendas em bancas. Só estaremos satisfeitos quanto tivermos pelo menos 80 mil assinantes em nossos cadastros. Para isso, não adianta fórmula mágica: o jornal precisa ir além da superficialidade permanente, recheada de profundidade eventual. Precisamos inverter essa equação: profundidade permanente, superficialidade eventualmente.
P -- É por isso então que a revista LivreMercado passará a ser encartada no jornal?
R -- Essa é uma das muitas estratégias para sensibilizar os leitores do jornal. Todos sabem o quanto a revista é respeitada como produto editorial e o quanto poderá, agora, complementar a linha editorial do jornal. Precisamos fidelizar os leitores do jornal e a revista é um dos instrumentos que utilizaremos nesse sentido. Quando fizemos a sociedade com o Diário imaginávamos que essa obviedade seria aplicada, mas questões que não valem a pena ser dissecadas nos levaram a caminhos diferentes. Agora, porém, chegou a hora.
P -- O que será do Diário do futuro?
R -- Será o melhor jornal regional do País. Quem participar desse projeto vai ser gratificado e usufruirá dos benefícios da revolução que ajudar a empreender. Quem não participar, lamentará muito.
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