Administração Pública

DE BRAÇOS DADOS COM
SECRETÁRIOS SUSPEITOS

  DANIEL LIMA - 21/08/2025

A soldado da Polícia Militar que virou prefeita de São Bernardo porque o prefeito eleito de São Bernardo foi defenestrado pela Polícia Federal não vai mexer no secretariado escolhido pelo prefeito defenestrado. Jessica Cormick expressou essa decisão durante os festejos de aniversário de São Bernardo, ontem. Jessica decidiu vestir a farda da Policia Militar.

O dualismo em formato de vigorosa mensagem visual contraposta pelo discurso supostamente conciliador é um enorme ponto de interrogação sobre o que estaria no horizonte próximo da cidade mais importante do Grande ABC. A soldado agora prefeita quer ganhar tempo para mudar o time ou há pressões que a obrigariam a manter o time a qualquer custo? Façam suas apostas, senhores e senhoras.

Não tenho ideia consistente de como e por que a soldado que virou prefeita vestiu-se de PM num evento em que não gozava da condição de policial. Mas acho que Jessica Cormick fez muito bem nesse sentido. São Bernardo, abaladíssima com o escândalo de dimensão nacional,  precisava mesmo mandar um recado à população. E o recado foi dado: mais que mulher, Jessica Cormick representa uma corporação que tem muito mais prestígio que a classe politica do País.

QUESTIONAMENTO BÁSICO

Pena que Jessica Cormick  tenha comparecido aos festejos que se estenderam por todo o dia sem um plano de ação mínimo para dar respostas que correspondessem à gravidade dos fatos que a levaram ao cargo mais importante da Capital Econômica do Grande ABC.

Era inevitável que lhe fizessem a pergunta-chave sobre o que pretende fazer com o secretariado herdado de um prefeito defenestrado por corrupção, segundo denúncia da Polícia Federal integralmente acolhida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Jessica Cormick deveria ter sido preparada pelos marqueteiros que a cercam (não consigo descaracterizar o uso da farda de PM de ação previamente estudada) de modo que desse um drible da vaca no questionamento que, em oposição,  a encalacrou e a colocou na defensiva nos próximos tempos. 

RESPOSTA CERTA

A melhor resposta porque a melhor resposta é sempre a resposta mais apropriada deveria ser algo como a necessidade de avaliação criteriosa do secretariado herdado não necessariamente em função de qualificações individuais e do conjunto da equipe, mas sobretudo porque qualquer movimento das pedras dependeria dos desdobramentos das operações da Policia Federal.

Inventário interno, como anunciou a prefeita, não contempla a autonomia que a gravidade do caso exige.  Mais que isso: a medida cheira a acordo informal que teria como projeção o retorno do titular do cargo. A soldado Jessica, nesse caso, não se sentiria prefeita por muito tempo e por não se sentir prefeita por muito tempo preferiria deixar como está para ver como é que fica.

A soldado que virou prefeita poderia também levar em conta que nesse período de expectativas decorrentes de resultados de novas investigações, teria tempo suficiente para analisar o melhor destino para o conjunto de secretários, independentemente dos nomes dos atuais titulares.

MARIA DA PENHA

Ou seja: Jessica Cormick responderia de tal maneira com dose de cautela e responsabilidade a ponto de não parecer o que parece e o que parece, parece demais. Primeiro, que não passaria de ancoradouro dos desejos do prefeito afastado, que a teria apenas por ser mulher, e mulher na política é um apelo a votos, e também porque a farda militar daria a ele, Marcelo Lima, um selo permanente de compromisso com os dinheiros dos contribuintes.

Ou seja: Jessica não passaria de adorno administrativo utilizado exclusivamente com finalidade eleitoral. Foi assim, aliás, que a escolheram para a chapa eleitoral de Marcelo Lima. Quem disser algo diferente disso é fazedor de média politicamente correta, esse cancro da política nacional.

Jessica era até então desconhecida, jamais se envolveu com politicas públicas, mas reunia duas qualificações que os marqueteiros mais admiram nestes tempos em que debates sobre identitarismo são peça-chave nas campanhas eleitorais.

Jessica mulher e Jéssica pressupostamente defensora da ordem e da disciplina, especialmente na área de Segurança Pública, essa Jessica seria Jessica ou seria qualquer outra parceira de chapa eleitoral. Só faltou aos formuladores do perfil da parceira ideal de chapa de Marcelo Lima o sortilégio de encontrar alguém que ao invés de Jéssica se chamasse Maria da Penha. Aí seria uma jogada ainda mais certeira.

DECIDIR O CAMINHO

Por essas e por outras a Jéssica que escolheram e que agora é prefeita precisa dar conta de que pode ser uma grande surpresa como comandante da tropa de secretários (sejam quais forem os secretários) e também de conforto a mulheres e homens de uma cidade que perdeu o viço de Desenvolvimento Econômico desde muito tempo.

Jéssica Cormick precisa decidir que caminho vai trilhar porque a mesmice de extensão de um prefeito defenestrado a colocaria numa escala de mediocridade descartável em eventual retorno do titular ou no futuro que sempre chega em forma de corrida eleitoral.

Ao estar publicamente de braços dados com secretários suspeitos,  Jessica Cormick se coloca exatamente no mesmo patamar do prefeito afastado. Era necessário, portanto, que desse sinais claros de que, mesmo interina, mas uma interina com um ano de mandato pela frente, no mínimo, ela estaria decidida a mostrar à população que tem personalidade pública própria.

Caso não pretendesse mexer na casa de maribondo do secretariado integralmente selecionado pelo prefeito afastado, porque poderia haver resistência e turbulência no Paco de São Bernardo, Jessica Cormick teria a opção de mexer no time sem substituir jogadores do time.

Como assim? Não vou expor o pulo do gato da iniciativa, mas seria um gol de placa porque abarcaria duas vertentes que dariam estatura própria à interinidade: primeiro, afastaria a desconfiança de despreparo técnico para comandar a Prefeitura; segundo, daria um salto de qualidade que tornaria o secretariado do antecessor peças não mais que complementares da gestão que imprimiria.

FALA CONCILIATÓRIA

Talvez não fosse necessário explicar, mas como a maliciosidade impera no mundo da comunicação, não custa dizer que a suspeição que cai sobre todos os secretários nomeados pelo prefeito Marcelo Lima não sinalizaria ramificação uniforme dos denunciados delitos pela Policia Federal que acertaram em cheio o centro do Poder Executivo.

A declaração da prefeita interina, vestida de PM, atribuindo aos secretários virtudes técnicas que os colocariam a salvo de substituições,  é protocolar e conciliatória. Mas não é suficiente para ensaiar algo que poderia ser chamado de intocabilidade.

Duvido que apareça alguém na praça dos poderes em geral que apostaria em eventuais atributos de santificação de uma equipe nem só de técnicos, como se sabe. E mesmo que fossem enviados de Deus não teriam salvos-condutos. A rotina de investigações e denúncias de autoridades policiais e judiciais que transformam o Brasil num campo aberto de irregularidades mostra que não faltam currículos invejáveis nas listas de infratores. 

BALANÇO POSITIVO

De qualquer forma, o balanço que faço tem porção de positivismo ao observar o primeiro dia da prefeita Jessica decididamente nos braços do povo de São Bernardo. O mesmo povo, não custa repetir,  que a colocou na Prefeitura sem ter a mínima informação sobre suas qualificações. Bastava o fato de ser mulher militar para dar o verniz eleitoral azeitado pela maquinaria eleitoral de marqueteiros.

Até mesmo durante a breve entrevista em que se deu mal, ao oferecer aval a todos os secretários sem dispor de eventuais novas revelações da Polícia Federal, até mesmo nesse caso Jéssica Cormick se saiu relativamente bem. E se saiu relativamente bem porque foi habilidosa o suficiente para responder de forma suscinta, incisivamente limitadora  a esticamentos dos entrevistadores.

Falar o suficiente, mesmo quando o suficiente não tenha sido cuidadosamente previsto, reduz os danos colaterais. Jéssica agora pode se recolher a tarefas administrativas sem incômodos.  Mas falta uma jogada de mestre para dar à inesperada gestão um salto de qualidade que também seria de idoneidade preventiva.

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