Política

PT pode repetir 2020,
longe do auge de 2000

  DANIEL LIMA - 08/10/2024

O primeiro turno das eleições no Grande ABC reservou ao PT um repeteco do registrado há quatro anos: os prefeitos José de Filippi Júnior e Marcelo de Oliveira vão disputar o segundo turno como salvadores da pátria avermelhada em meio à onda regional que já foi azulada e hoje é amarelada com variadas gradações.

Os dois incumbentes jogam em Diadema e em Mauá. O outro lado da moeda de avaliação do PT na região é desconfortável: está muito distante do poderio do começo do século, quando Celso Daniel era um dos cinco prefeitos do partido e Marta Suplicy pretendia erguer um Cinturão Vermelho na Região Metropolitana de São Paulo. 

Os números do PT nas eleições no Grande ABC voltaram a ser ruins quando se projetam comparações que remetem ao início deste século, mas melhoraram pós-desastre de escândalos políticos e incompetência da gestão de Dilma Rousseff.

Fica à escolha do freguês metodológico a dimensão da tragédia mitigada mas ainda prevalecente.

Em termos de representatividade eleitoral, que considera o número de votos nas urnas e o número de votos inscritos, o PT colecionou apenas 16,87% do total. De 2.148.947 votos nos sete municípios, o PT registrou 356.691. Já quando o cálculo envolve votos válidos, que desconsideram os votos sucateados (brancos, nulos e abstenções), o resultado do PT sobe para 26,87% de aproveitamento.

SÃO BERNARDO DESCARTADA

No Grande ABC, 1.327.623 eleitores tiveram votos confirmados como válidos. Nada menos que 821.184 votos foram para a lixeira do descarte. Uma população inteira de São Bernardo não saiu de casa para votar, anulou o voto ou votou em branco. Quem chama isso e outras coisas mais de Democracia quando o voto é obrigatório é mesmo renitente ilusionista.

Os dois finalistas petistas somaram 54% do total de votos da agremiação na região no primeiro turno e carregam senão favoritismo, mas uma força motriz que os colocam como possíveis reeleitos. Em Diadema, o prefeito José de Filippi Júnior recebeu 100.983 votos e em Mauá o prefeito Marcelo Oliveira chegou a 93.374.

O deputado estadual Luiz Fernando Teixeira chegou em terceiro lugar na dramática corrida pelo segundo turno em São Bernardo. Luiz Fernando Teixeira somou 96.426 votos num colégio eleitoral de 643.023. Ou seja: de cada 100 votos disponíveis em São Bernardo, o PT nascido nos embates trabalhistas de São Bernardo registrou 14,99%.

Os demais votos petistas no primeiro turno na região foram Bete Siraque em Santo André, com 57.665 votos, Jair Meneguelli em São Caetano (4.315) e Renato Foresto, em Ribeirão Pires (3.928). 

SECA EM 2000 

O retorno do agora tetraprefeito José de Filippi Júnior à Prefeitura de Diadema e a eleição do vereador Marcelo de Oliveira em Mauá ressuscitaram o PT no Grande ABC na temporada de 2020. Foram vitórias com margens escassas, mas redentoras. Ganhar duas prefeituras depois da dieta rigorosa de quatro anos antes, quando o PT foi varrido do mapa regional, tornou-se alento ao partido.   

Em Diadema, José de Filippi Júnior ficou com 106.849 votos num segundo turno em que estavam disponíveis 329.170 votos. Ou seja: apenas um terço, ou precisamente 32,46% dos eleitores, votou no novo prefeito. Em Mauá, a representatividade do vitorioso Marcelo de Oliveira foi ainda menor, com 29,84% dos votos disponíveis – 91.459 de um total oficial de 306.518 votos.  

Voltar no tempo, no início deste século, quando o PT se mostrava poderoso nos votos, é um convite à reflexão. Tanto quanto à decepção, que deveria ser a senha à reação muito além do PT, porque a crise regional é ecumênica e em todos os setores. O gataborralheirismo do passado se agravou no presente. Vivou metástase muito além da psiquiatria. 

 

Um cinturão vermelho

de integração? 

 DANIEL LIMA - 05/11/2000

O resultado mais significativo das eleições de outubro para o Grande ABC não está vinculado apenas ao fortalecimento político do cinturão vermelho representado pelo PT, que aumentou sua cota com cinco dos sete prefeitos depois que Oswaldo Dias bateu Leonel Damo em Mauá e José de Filippi Júnior superou José Augusto da Silva Ramos em Diadema.

Tradicionalmente isolada do jogo político-administrativo da Grande São Paulo e tratada como periferia da periferia, a região pode beneficiar-se da sinergia doutrinária e administrativa do Partido dos Trabalhadores.

Diferentemente dos demais modelos de instituições político-partidárias que participam do jogo democrático no País, o PT é o que, juízo de valor à parte, mais se aproxima do que se poderia chamar de clube associativo, cujos membros se interrelacionam em defesa dos ideais programáticos. Outros partidos, todos sabem, são realmente partidos: dividem-se em várias partes que raramente se comunicam e praticam uma colcha de retalhos de propostas e ações que lembram esses times de peladas de final de semana na praia.  

AÇÕES PRODUTIVAS 

Resta saber até que ponto o amálgama que liga os integrantes do PT dos mais diferentes municípios em que se enraizou no Executivo será traduzido em ações produtivas para o Grande ABC. O Consórcio de Prefeitos e a Câmara Regional vivem momentos delicados na região. Praticamente foram desativados neste ano eleitoral. A expectativa é de que não só a intersecção seja reconstruída como também seus ideais rompam fronteiras e cheguem pelo menos até a Capital, onde Marta Suplicy derrotou Paulo Maluf. Guarulhos, onde venceu o também petista Elói Pietá, está menos próximo do entrelaçamento socioeconômico da região. 

Um exemplo positivo do que poderá representar a vitória de Marta Suplicy para o Grande ABC é a possibilidade de a Capital envolver-se mais no projeto Eixo Tamanduatehy que o prefeito Celso Daniel lançou há dois anos. A proposta de revitalização econômica e social de extensa área territorial de Santo André que foi abatida pela deserção industrial ficou geograficamente ilhada porque não contou com sinergia da Prefeitura de São Caetano, do petebista Luiz Tortorello, e nem com a Prefeitura de São Paulo, de Celso Pitta. Esses municípios também sofreram os efeitos da descentralização industrial e contam com imensas áreas degradadas no corredor da Avenida dos Estados e seu entorno. 

EXPANSÃO DO EIXO 

O fato de São Caetano estar entre Santo André e São Paulo não significa que o Eixo Tamanduatehy deixe de ser expandido territorialmente e potencializado como área planejada de investimentos. Por mais que seja adversário dos petistas, o petebista Luiz Tortorello não correria o risco de isolar São Caetano, sob pena de comprometer a qualidade de vida de seus moradores depois da constatação (veja matéria nesta edição) de que o potencial de consumo local sofreu queda de 30% nos últimos 10 anos. 

O Eixo Tamanduatehy é apenas um dos muitos exemplos de benefícios mútuos que podem favorecer o Grande ABC e a Capital se os administradores públicos olharem muito além dos limites geográficos. Verdade seja dita, o PT tem essa prática como espécie de dogma.

Graves problemas urbanos ligados ao sistema viário, água, saneamento, saúde, educação e segurança, entre tantos outros a assolar os municípios mais importantes da Grande São Paulo e que a criação formal da Região Metropolitana há 30 anos não conseguiu resolver, poderão ser tratados de forma diferente agora que o Grande ABC e a Capital estão tingidos de vermelho.  A metropolização dos problemas exige respostas igualmente metropolitanas. 

AFINIDADE

A afinidade entre a nova prefeita de São Paulo e os petistas eleitos no Grande ABC, todos representantes da ala mais moderada do Partido dos Trabalhadores, estimula projeções de que parcerias intermunicipais tendem a se consolidar. Até porque não faltarão armadilhas para o PT desgastar-se e tornar a vitória de outubro fracasso de outubros próximos. Em menor ou maior grau, os prefeitos petistas vão administrar municípios que estão economicamente com a corda no pescoço e que terão, como os demais, a Lei de Responsabilidade Fiscal para aplacar eventuais ímpetos populistas.

Racionalizar os recursos públicos é uma das terapias indicadas para quem não quiser conhecer o inferno astral das urnas, porque as demandas sociais são avalanches permanentes na Grande São Paulo de profundas perdas econômicas nos últimos 20 anos. 

FATOS INÉDITOS

O fato é que jamais, em toda a história política da Grande São Paulo, um partido com as características especiais do PT teve a oportunidade de transformar votos em complementaridade administrativa.

A teimosia de tratar os municípios do Grande ABC como ilhas só foi amenizada nos últimos quatro anos com o ressurgimento do Consórcio de Prefeitos e a instalação da Câmara Regional. Entretanto, os movimentos foram tímidos diante das necessidades econômicas e sociais de uma região fortemente impactada pela globalização. Principalmente porque os administradores públicos, tanto os petistas quanto Maurício Soares e Luiz Tortorello, ainda não se dedicaram para valer a transformar as secretarias de Desenvolvimento Econômico em ponta-de-lança na recuperação de uma região que perdeu o viço com a guerra fiscal e uma série de contraindicações microeconômicas.

O viés ideológico que ainda permeia grande parte dos administradores públicos brasileiros, pouco suscetíveis às nuances capitalistas e entregues a monocórdios discursos voltados para as agruras sociais, é uma das explicações mais simplificadas para o terceiro-mundismo do País.

SUPORTE DA CAPITAL

O que se apresenta para novos quatro anos com a onda vermelha, agora sob o ponto de vista de integração administrativa, é melhor do que a encomenda. Além da força quase hegemônica do PT na região, ainda se tem a possibilidade de contar com o suporte da Capital tão avassaladoramente influente nos destinos regionais. Tradicionalmente à reboque do comando econômico e cultural de São Paulo, a ponto de carregar o estigma de Gata Borralheira em contraposição à Cinderela paulistana, ao Grande ABC se oferece oportunidade histórica de reverter um jogo que lhe foi sempre desfavorável e transformar a Capital paulista em aliada estratégica.  

A dúvida que se coloca é sobre a possibilidade de o Grande ABC continuar na penumbra do empreendedorismo; isto é, o capital continuar a ser tratado como artigo de segunda classe e que nem de longe se compara, sob a ótica da administração pública, às sequelas sociais sacramentadas por erros históricos tanto dos Executivos e dos Legislativos locais quanto do governo do Estado e da União. Se é verdade que o PT e demais partidos de esquerda têm mantido um diferencial reconhecidamente respeitado em relação aos chamados partidos conservadores, no caso o trato de recursos públicos com muito mais seriedade, também é inquestionável que na maioria de seus governos falta intimidade com o empreendedorismo privado. 

DIADEMA DIVIDIDA

Diadema é o exemplo mais emblemático disso. Primeiro Município dirigido pelo PT, Diadema se transformou em quase 20 anos de administração de esquerda em caso de dupla face. O lado saudável de ferramentas públicas garantiu a construção de uma cidade minimamente habitável no lugar de um território até então pavoroso, embora os índices de criminalidade sejam estúpidos.

O lado comprometedor é que o empreendedorismo local jamais contou com suporte logístico da Prefeitura. Pior: geralmente foi discriminado e estigmatizado como elemento usurpador da sociedade. Uma dicotomia que já não tem tanta força, porque se percebeu que sem desenvolvimento econômico não há desenvolvimento social prolongado.  

Como democracia pressupõe pressões e contrapressões, espera-se que os partidos supostamente conservadores que têm representação fragmentada no Grande ABC finalmente caiam na real e aprendam com o exercício de coletivismo programático e operacional do Partido dos Trabalhadores.

Afinal, não há nada mais preocupante no horizonte político-institucional da região do que a possibilidade do monopólio avassalador de uma agremiação que, por mais que tenha ganhado maturidade ao longo de derrotas sucessivas, não pode praticar sozinha o jogo democrático. Até porque, democracia pressupõe mais protagonistas, sob o risco de desaparecer.

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