Política

QUARTETO MALUCO
E O SEGUNDO TURNO

  DANIEL LIMA - 02/10/2024

Uma briga de foice no escuro envolve um quarteto maluco que disputa duas vagas para o segundo turno nas eleições em São Bernardo. A apenas cinco dias da mais dramática corrida eleitoral deste século na Capital Econômica e Política do Grande ABC,  tudo pode acontecer.

Mas há clarões a indicarem alguma visibilidade de um cenário possivelmente mais provável, embora com alta octanagem de incertezas. É melhor não arriscar, mas também não custa especular. Se é para ficar em cima do muro, é melhor ir às prateleiras de supermercados.

E vou escrever porque tenho o que escrever sem, entretanto, cair na armadilha autofágica de estabelecer certezas de uma trajetória perigosa.

Como a pesquisa do Instituto Paraná (divulgada ontem no Diário do Grande ABC) é a matriz desse cenário, o melhor mesmo é separar as partes para que se compreenda o arrazoado que se segue.

Afinal de contas, que combinação de votos será concretizada neste domingo para definir os dois finalistas de segundo turno em São Bernardo? Vejam as associações possíveis:

a) Flávia Morando versus Alex Manente.

b) Flávia Morando versus Luiz Fernando  Teixeira.

c) Flávia Morando versus Marcelo Lima.

d) Marcelo Lima x Alex Manente.

e) Marcelo Lima x Luiz  Fernando Teixeira.

f) Alex Manente x Luiz Fernando Teixeira. 

 

QUAL É A DUPLA?

A pergunta-chave é a seguinte: qual é a dupla finalista que mais se encaixaria no perfil do eleitorado de São Bernardo? Quem subestimar fatores que distinguem nuances sociais, econômicas e políticas não reunirá  argumentos para reduzir a carga potencial de erros em qualquer apontamento. 

Sem ter à disposição dados detalhados da pesquisa do Instituto Paraná torna-se muito difícil definir linha de raciocínio de tendências que se cristalizariam nos próximos dias, embora a linha de tempo das sondagens já consumadas indiquem alguns caminhos.

Conhecidas algumas características do perfil  dos concorrentes desse quarteto, é possível conjecturar que há um desenho aparentemente lógico a estimular especulações sobre os potenciais finalistas.

Quais as combinações que, levando-se em conta aqueles fatores e mesmo diante da dificuldade de avançar nos dados do Instituto Paraná, estariam no embate final? É esse o ponto desafiador.

PERIFERIA E CENTRO 

Parece que uma alternativa mais provável reuniria dois finalistas de distintas posições geoeconômicas e suas variáveis padrão do eleitorado. Quem tem mais votos na periferia seriam o petista Luiz Fernando Teixeira e o ex-vice-prefeito Marcelo Lima. Quem tem mais votos no centro expandido e de perfil de classe média seriam Flavia Morando e Alex Manente.

Esses dois mundos de São Bernardo poderiam ditar o direcionamento dos votos.  Mas o transbordamento de votação dos quatro concorrentes não pode ser subestimado. Quem ganhar mais votos em terrenos aparentemente menos férteis poderia fazer a diferença na definição do primeiro e do segundo lugar de finalistas.

Trocando em miúdos, pareceria improvável que os finalistas do segundo turno sairiam da mesma incubadora político-social.

Seria Flavia Morando ou Alex Manente de um lado, Marcelo Lima e Luiz Fernando Teixeira, de outro. Quem seria capaz de, nessas duplas, adicionar votos do outro lado da disputa?

AJUSTANDO PEÇAS

O petista Luiz Fernando Teixeira não escalou o ex-prefeito William Dib de graça. Está de olho nos votos dos conservadores. Marcelo Lima preferiu uma vice da área de Segurança Pública, o que reforçou o eleitorado mais sofrido da periferia, mas manteve descoberto a classe mais conservadora. Alex Manente escolheu um bolsonarista como vice-prefeito para ganhar votos do centro expandido. E Flávia Morando conta com um vice-prefeito ex-presidente da OAB de São Bernardo para consolidar a posição de centro.

Agora é que vem o suplemento de votos. O prefeito Orlando Morando tem prestígio popular na cidade inteira e por isso mesmo a periferia, mesmo bastante competitiva, poderia ser a p0rção diferenciadora do eleitorado final. Manente já não conta com essa possibilidade mais concreta. Tanto quanto Marcelo Lima e Luiz Fernando Teixeira teriam obstáculos para transitar entre conservadores.

Não custa ressaltar que tudo isso tem elevado grau de abstração. Sem dados concretos da realidade das pesquisas, qualquer afirmativa seria um exagero.  Mas, por outro lado, não dá para brigar com dados históricos. São Bernardo tem conservadores e trabalhistas, tem conservadores do centro expandido e também da periferia. E os trabalhistas de São Bernardo ocupam menos espaços no centro expandido. Santo André é uma cidade rigorosamente dividida entre o vermelho e o amarelo, antes azuis.

Resumo da ópera reiterado: uma finalíssima que contemple Flávia Morando ou Alex Manente versus Marcelo Lima ou Luiz Fernando  Teixeira seria a mais provável. As duas associações complementares e restantes não estão fora da carta desse baralho de especulação, mas não são tão expressivas como dessaguadouro0 de votos majoritários.  

Resolvida essa questão, vamos à pesquisa do Instituto Paraná divulgada ontem no Diário. O embaralhamento numérico é total, mas há veredas que podem ser escrutinadas.  

A) VOTO DECLARADO.

B) VOTO  ESTIMULADO.

C) VOTO ESPONTÂNEO.

D) VOTO VULNERÁVEL.

E) VOTO DESCARTÁVEL. 

Essa segmentação permite cuidados com as partes em favor do todo logístico às explicações básicas. Por isso que recorremos a esse modelo quando existe um potencial de emaranhado complicador. Vamos ao destrinchamento, portanto:  

CADEIA DE VOTOS

No Voto Declarado, última etapa de uma pesquisa eleitoral, há empate técnico, embora não numérico, entre os quatro concorrentes em São Bernardo. A margem de erro extravagante de 3,7 pontos percentuais permite malabarismos matemáticos e argumentativos que, contraditoriamente, tanto fortalecem quanto anulam conjecturas. Basta acionar o botão da margem de manobra.

Numericamente, Marcelo Lima lidera com 25,0% dos votos, contra 22,8% de Alex Manente, 21,5% de Luiz Fernando Teixeira e 19,0% Flávia Morando.

Escolha dois concorrentes e faça a operação miraculosa de introduzir 3,7 pontos percentuais para aumentar e reduzir o mesmo tanto de 3,7 pontos percentuais. Exemplo: Marcelo Lima pode estar superando Alex Manente tanto por 28,7% a 19,1% quanto Alex Manente pode estar à frente com 26,5% a 21,3%. Isso vale para todo o quarteto de forma igualmente isolada. Convenhamos que mais que extravagância, o que temos é uma aberração. Mas é assim que as pesquisas eleitorais funcionam.

Fosse competição em reta de chegada, os resultados possibilitariam ao Instituto Paraná alardear acerto. Basta que a diferença entre vencedor e perdedor esteja na margem de erro elástico em que 3,7 pontos são de fato 7,4 pontos percentuais.

BURACO METODOLÓGICO

Portanto, o Voto Declarado tem fissuras metodológicas que não podem ser levadas tão a sério a ponto de se cravarem manchetes e enunciados peremptórios quando a margem de erro entra em campo.

Existe outro componente que coloca sob risco a tessitura técnica do Voto Declarado. É o Voto Vulnerável, que vem da etapa anterior ao Voto Declarado. O Voto Vulnerável é subproduto do Voto Estimulado que, por sua vez, é subproduto do Voto Espontâneo. O Voto Espontâneo  é todo voto que dispensa o critério de Voto Estimulado. É a primeira etapa de uma pesquisa eleitoral.

Voto Espontâneo é explicitado pelo entrevistado quando perguntado em quem vai votar, sem o uso de qualquer ferramenta de ajuda. Voto Vulnerável é quando segue para a fase seguinte e ganha a forma de Voto Estimulado. Ou seja: Voto Espontâneo é voto de Primeira Divisão, Voto Estimulado é voto de Segunda Divisão e Voto Declarado é voto mascarado da Segunda Divisão. Quem diz que vai votar em determinado candidato apenas após a apresentação de cartela com o nome de todos os concorrentes tem certo grau de Voto Descartável. Nenhum instituto de Pesquisa é capaz de medir esse tamanho.

Há um ponto pouco lembrado nas pesquisas eleitorais e que se manifesta em São Bernardo entre os quatro concorrentes de peso. O universo de eleitores que foi para a segunda etapa, de Voto Estimulado, sem se decidir na primeira etapa, de  Voto Espontâneo, alcançou na pesquisa 43,3% dos eleitores. São eleitores que não haviam se decidido a votar em nenhum concorrente, ou estavam decididos a anular o voto, votar em branco ou não quiseram responder. Na rodada anterior do Instituto Paraná, em seis de setembro, eram 61,9%. 

TURBINA AQUECIDA

O que se percebe é que houve um aquecimento na turbina eleitoral de São Bernardo durante as semanas que separaram das duas rodadas, mas ainda há muita gente que pode mudar de ideia e trocar de candidato ou definir-se por um deles. Afinal, o Voto Estimulado é mesmo suscetível a mudanças mesmo depois de proferido em favor de um concorrente. A convicção do Voto Estimulado não tem a mesma higidez do  Voto Espontâneo.

Um total de 10,1% dos entrevistados resistiu a não declarar voto em candidato algum, na forma de não sabe em quem votar, não responder ou votaria em branco ou nulo. Esse é o  Voto Descartado.

Há um movimento entre as duas rodadas de pesquisa que pode significar o afundamento da candidatura do deputado federal Alex Manente. Ele foi o único a perder participação no Voto Declarado. Saiu de uma rodada com estoque de 27,9% dos votos e chegou à segunda em 22,8%. Uma oscilação para baixo de 22%. Com isso, perdeu a liderança numérica para Marcelo Lima, que saiu de 22,6% para 25,0%, com crescimento de 10,6% no período. Praticamente o dobro de Flavia Morando, que saiu de 18,0% para 19,0%, com velocidade de avanço de 5,55%. Luiz Fernando Teixeira foi quem mais avançou ao sair de 17,3% para 21,5%, ou 24,28% de velocidade.

Numa competição tão acirrada quanto a de São Bernardo, a velocidade de crescimento no percurso entre Voto Espontâneo e Voto Declarado é bastante relevante ao passar pelo corredor do Voto Estimulado.

Marcelo Lima e Luiz Fernando Teixeira são os competidores que mais avançaram. Marcelo Lima saiu de 10,4% para 17,8% do Voto Espontâneo entre uma rodada e outra. Luiz Fernando avançou de 7,8% para 14,6%, Alex Manente de 10,1%para 14,0% e Flavia Morando de 7,4% para 9,0%.  O salto do Voto Estimulado em direção ao Voto Declarado só não foi acompanhado por Alex Manente. Fadiga de material talvez seja a melhor explicação.

O que resta de dias e horas à definição do primeiro turno pode ter tudo a ver com os últimos 30 dias, mas também pode haver correções de rota que incrementem alterações na dinâmica concorrencial dos candidatos na reta de chegada.

Até que ponto seria possível acreditar que Marcelo Lima e Luiz Fernando Teixeira seguiriam avançando mais progressivamente que Flávia Morando? E Alex Manente estaria mesmo fadado a novo fracasso? Para onde iriam os votos supostamente desistentes de Alex Manente na reta de chegada? Como o candidato frequenta ambiente eleitoral semelhante ao da família Morando, seria possível sugerir que Flávia Morando teria um reforço indispensável?

Leia mais matérias desta seção: