Política

PESQUISAS ELEITORAIS
ALÉM DOS NÚMEROS (14)

  DANIEL LIMA - 02/10/2024

Dois novos textos dão sequência a esta série sobre pesquisas eleitorais e tudo aquilo que você precisa saber, reconhecer ou confirmar sobre os mecanismos que fazem de trambiques com o uso de malandragens metodológicas. É disso que se trata o resumo da ópera dessa operação-resgate do acervo desta revista digital. São mais de 200 análises que realizamos, principalmente nos últimos 10 anos, quando pesquisas eleitorais passaram a ter peso mais relevante à orquestração de intentos pouco republicanos. Pesquisas eleitorais e variáveis são em larga escala uma indústria que alimenta a maquinaria sórdida do processo eleitoral.

 

Lula disparou ou o Datafolha

atropela lógica da Atlas? Veja

 DANIEL LIMA - 13/05/2021

Tenho a sensação de que nem mesmo os petistas acreditam no resultado da rodada de pesquisa do Datafolha publicada hoje na Folha de S. Paulo. Já não tenho certeza alguma sobre situação menos clamorosamente antagônica e mais provável envolvendo a Consultoria Atlas. O que está em jogo de credibilidade eleitoral é a disputa presidencial entre o ex-presidente Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. 

O Datafolha, do qual desconfio profundamente, com bases técnicas já expostas, parece descolar-se da percepção dos fatos. Mas isso não me impede de dizer que, fosse hoje, Lula da Silva venceria Jair Bolsonaro. Em outubro do ano que vem podem ser outros quinhentos.  

Vamos aos fatos, antes que os meliantes de redes sociais se manifestem apressadamente com o viés de sempre.

Terça-feira passada, dia 11 de maio, o jornal Valor Econômico publicou uma pesquisa da Consultoria Atlas em que num eventual segundo turno do ano que vem Lula da Silva venceria Bolsonaro por 45,7% a 41%. Hoje a Folha de S. Paulo afirma com base no Datafolha que Lula da Silva venceria por 55% a 32%. O distanciamento vai além, muito além, da margem de erro no caso do Datafolha. 

DATAFOLHA OU ATLAS?  

A pergunta que faço é a seguinte: você acredita na Consultoria Atlas ou no Datafolha? A resposta que posso oferecer é que a Consultoria Atlas está mais próxima da realidade. O Datafolha faz parte de uma grande e intrincada engrenagem demolidora da imagem por si só complicadíssima do presidente da República.  

A máquina que tritura os erros frequentes do presidente da República não é a mesma máquina que usa da memória impressa e digitalizada para questionar e dilacerar outras candidaturas.  

O resumo da ópera é que a classe política é um amontoado de equívocos em todas as áreas. Bolsonaro expressa essa depauperação técnica que, a bem da verdade, é longeva e resistente. Daí à conclusão de que o Estado não deve ser gigantesco nem minúsculo. O Estado precisa e deve ser eficiente. E para ser eficiente requer uma sociedade atenta e exigente. Não temos nem uma coisa nem outra. Exceto nichos organizados que brigam por filões específicos, distantes do interesse coletivo.  

AUTENTICIDADE PRESERVADA  

Para dar autenticidade aos dados das pesquisas, nada melhor que reproduzir os melhores trechos das matérias publicadas no Valor Econômico (no caso da Consultoria Atlas) e na Folha de S. Paulo (no caso do Datafolha). Acompanhem o Valor Econômico de 11 de maio sob o título “Bolsonaro recupera popularidade”.  

 Pesquisa da Consultoria Atlas divulgada ontem mostra que, mesmo em meio aos trabalhos críticos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, o presidente Jair Bolsonaro vem conseguindo recuperar parte da popularidade perdida nos meses anteriores. No levantamento feito entre 6 e 9 de maio, a taxa dos que avaliam seu desempenho como ótimo ou bom subiu de 25% em março para 31%. Na contramão, o grupo dos que avaliam o governo como ruim ou péssimo recuou de 57% para 53%. Outros 15% o classificam como regular. O Atlas também perguntou aos entrevistados se aprovam ou desaprovam o desempenho de Bolsonaro, questão sem o oferecimento de uma alternativa intermediária equivalente ao regular. A aprovação aumentou de 35% para 40%. A desaprovação variou de 60% para 57%. Com 3.828 respostas colhidas de eleitores em todo o país por meio de um questionário online aplicado via convites randomizados, a pesquisa tem margem de erro de dois pontos percentuais. 

MAIS CONSULTORIA ATLAS 

 Em outro capítulo, os entrevistados foram convidados a dizer se têm imagem positiva ou negativa de personagens listadas. Com 40% de imagem positiva, Bolsonaro foi o primeiro colocado neste critério. Aparece seguido de Lula, 37%; do vice-presidente Hamilton Mourão, 35%; e do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM) com 34%. (...). Na parte eleitoral, a pesquisa Atlas identificou uma tendência de intensificação da polarização Bolsonaro-Lula. Tecnicamente empatados na liderança da simulação do primeiro turno, a dupla ampliou vantagem que já tinha sobre os demais possíveis concorrentes. Bolsonaro alcançou 37% agora; Lula marca 33,2%. Em março, Bolsonaro e Lula já disputavam a liderança. Mas ambos tinham taxas menores: 32,7% e 27,4%, respectivamente. (...). Na simulação de segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o petista venceu o atual presidente por 45,7% a 41%, uma vantagem ligeiramente acima do limite máximo de margem de erro. Com vantagem dentro da margem de erro outros dois nomes também marcam mais que Bolsonaro em simulações de embate final: Mandetta (42,9% a 40,5%) e Ciro Gomes (41,9% a 40,9%).  

TRECHOS DA FOLHA   

Agora vamos aos principais trechos da Folha de S. Paulo sobre a pesquisa do Datafolha: 

 Pouco mais de dois meses após ter seus direitos políticos restabelecidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a corrida para a Presidência com margem confortável no primeiro turno e venceria o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na segunda etapa, revela pesquisa Datafolha. O presidente alcança 41% das intenções de votos no primeiro turno, contra 23% de Jair Bolsonaro. (...). O levantamento ouviu 2.071 pessoas de forma presencial, em 146 municípios, em 11 e 12 de maio. (...). Num eventual segundo turno, Lula contra Bolsonaro, Lula levaria ampla vantagem, com uma margem de 55% a 32%. Receberia a maior parte dos votos dados a Doria, Ciro e Huck, enquanto o presidente herdaria a maior parte dos que optaram por Moro, seu ex-ministro da Justiça e atual desafeto.  

DESCONFIANÇA FUNDAMENTADA  

Não estou a fim de destrinchar os pontos antagônicos das duas pesquisas, até porque são flagrantes e se consolidam nos números finais da simulação para o segundo turno do embate entre Bolsonaro e Lula. O que quero mesmo é apontar mais uma vez o cano longo da espingarda da crítica e da desconfiança tendo como alvo os institutos de pesquisa, a maioria dos quais frequentadores assíduos de interesses cruzados da política e da gestão pública.  

Parece que não se sustenta o buraco numérico entre os dois institutos já que as entrevistas foram realizadas em datas próximas e não houve nada, absolutamente nada, que levasse à discrepância. Nem mesmo eventual argumento de que a CPI teria provocado um rombo na imagem do presidente da República. Tanto que alguns dias antes, em sete de maio, o mesmo Valor Econômico publicou uma matéria sob o título “Narrativa Bolsonarista sobre a CPI da Pandemia predomina nas redes sociais”. Vamos a alguns trechos mais importantes: 

 Embora parlamentares governistas estejam em minoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, a base pró-governo dominou, com larga vantagem, o debate sobre o tema nas redes sociais. A constatação aparece em medição de atividades no Twitter e no Facebook entre 27 de abril e ontem, trabalho realizado pela Diretoria de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (Dapp/FGV). Pelo menos até agora, a força bolsonarista na internet vem servindo de contrapeso ao noticiário crítico ao governo. No estudo sobre o Twitter, a Dapp analisou 2,72 milhões de mensagens relacionadas à CPI. O momento de maior intensidade ocorreu na terça-feira, dia 4, com 572 mil postagens, data do depoimento do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Em todo o período, praticamente dois terços das interações ocorreram no que os pesquisadores da Dapp chamam de grupo azul, a reunião dos perfis mais fechados com o bolsonarismo.  

MAIS VALOR ECONÔMICO 

 No Facebook, a Dapp analisou publicações feitas pelos perfis de 594 deputados e senadores no mesmo período. Em 2.011 postagens de 335 parlamentares, foram detectados 5,5 milhões de interações. Nesse campo, o bolsonarismo também prevaleceu. (...). Apesar do evidente empenho dos oposicionistas em postar, os três parlamentares que mais conseguiram interações foram da base bolsonarista. A campeã, com enorme vantagem, foi a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), com 1,7 milhão de interações. Em segundo e terceiro lugares foram os deputados Felipe Barros (PSL-PR) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Para o pesquisador Marco Aurélio Ruediger, coordenador do estudo, os dados mostram que “por todos os ângulos”, Bolsonaro é o personagem principal da CPI. (...) Outro aspecto destacado por ele é a confirmação do domínio do bolsonarismo nas redes: “A oposição tem se esforçado para ser mais ativa, é visível, mas a capacidade de organização e de mobilização dos que estão em torno de Bolsonaro segue sendo bem mais efetiva”. 

 

É preciso sim acabar com a

farra das pesquisas eleitorais

 DANIEL LIMA - 04/08/2021

O lobby em defesa de pesquisas eleitorais já chama de censura o que a Câmara Federal pretende aprovar ainda este ano, mas a realidade histórica dos fatos e das especulações não pode ser desconsiderada nem desqualificada: os institutos de pesquisa sabem que precisam de freios, mas se recusam a admitir medidas sobretudo de transparência metodológica e aplicação prática.  Faz parte do corporativismo manter o que está como forma de evitar correções de rumo.  

Resta saber apenas se o Congresso Nacional não sairia do atoleiro de imprecisões e jogadas mais que manjadas dos institutos de pesquisa arremessando o que resta de credibilidade à degringolada geral.  

Por causa de uns ajustes técnicos nesta revista digital, não consegui ter acesso aos textos que já produzi sobre pesquisas eleitorais. São mais de uma centena. A maioria das quais com restrições aos resultados apresentados.  

Portanto, aos incautos de plantão, verborrágicos na insidiosidade de ataques gratuitos, convém não esquecerem que o que se segue tem um fio condutor que o liga ao passado. Não é absolutamente nada relacionado ao quadro regional ou nacional do momento ou recente. É uma linha de tempo contínua. Descontextualizar o que se segue é mau-caratismo, é precipitação, é mundanismo intelectual.   

SILÊNCIO ARTICULADO  

Em larga escala os institutos de pesquisas manipulam os dados como resultado de uma orquestração geralmente silenciosa da metodologia aplicada. E das interpretações levadas a cabo.  

Antes da explicitação da polaridade entre direita e esquerda no País (e no mundo, para variar), não se dava tanta ênfase à mostra dos fundilhos dos interesses recônditos dos dados e das avaliações. Agora está tudo muito escancarado. Institutos de pesquisas ganharam o foro de linha auxiliar em defesa de determinadas definições editoriais dos grandes veículos. O que era uma obra de sutilidade virou escancaramento. Com poder de influência enorme.  

Proibir que pesquisas eleitorais sejam divulgadas três dias antes das disputas efetivas é muito pouco. E o argumento dos deputados que defendem a medida também é pouco consistente, porque determina que os institutos de pesquisa informem o percentual de acertos nas últimas cinco eleições. Bobagem.  

Contradição latente  

Impedir a realização e a publicação mesmo que cifrada de números nos últimos três dias e exigir o grau de acertos nas últimas cinco eleições formam uma contradição. Os resultados das últimas cinco eleições estão estreitamente ligados às conjecturas criativas dos dados liberados à divulgação no dia oficial de disputa.   

Na tentativa de defender o Datafolha, do qual é diretor-geral, Mauro Paulino só dá munição a quem vê nas pesquisas eleitorais muito mais que números e avaliações tendenciosas quando estruturadas por veículos de comunicação diretamente ou em forma de consórcio relacionados ao instituto de pesquisa. Ou seja: há uma engrenagem deliberada, de uso da ciência para convencer o distinto público equidistante ou indeciso quanto ao voto que depositará nas urnas eletrônicas.  

O que disse Mauro Paulino de tão substantivo assim? Leiam suas declarações à Folha do Datafolha, da Globo e de veículos consorciados que, corretamente, se juntaram na empreitada de dar transparência e celeridade aos infortúnios da Pandemia do Coronavírus: 

O Datafolha já demonstrou que parte significativa dos brasileiros decide seu voto às vésperas ou mesmo no próprio domingo do pleito. Em pesquisa feita logo após o primeiro turno em 2018, constatou que 26% decidiram o voto para presidente na última semana de campanha., sendo que 6% finalizaram a decisão na véspera, e 12% no dia da eleição. Já o voto para governador foi decidido na última semana por 38%, sendo que 17% o fizeram no própr5io dia. São contingentes significativos de eleitores que querem pensar até o fim, disse o representante do Datafolha.   

RECICLAGEM PROVIDENCIAL  

Quem despreza o poder de influência de institutos de pesquisas eleitorais precisa se reciclar porque toma o individual de suposta maturidade política pelo coletivo consistente de volubilidade eleitoral. Verdade que o dirigente do Datafolha confirma com dados estatísticos. Resta saber se os dados estatísticos são confiáveis. Mas que há elevada margem de despolitizados suscetíveis a manobras discretas ou ostensivas de captura de indecisos, não se pode duvidar. E é com isso que os interesses escusos convivem. 

Recentemente fiz uma avaliação das rodadas de pesquisa do Datafolha que tinham como centro de atenção o governo de Jair Bolsonaro e a máquina de trituração de reputação que, azeitadíssima pelo consórcio de imprensa, pretende derrubar o presidente trapalhão. Abordei todas as variações possíveis. O Datafolha não é transparente, dá sinalizações robustas de que se utiliza de metodologia previamente definidora do resultado a que pretende chegar e carrega em suas entranhas a linha editorial de justificadas críticas ao presidente da República. Tanto quanto adota, agora o jornal, uma política de revelar as derrapadas presidenciais na mesma intensidade utilizada para esconder o passado de gente da pior espécie da política.  

Seria interessante os institutos de pesquisa mais badalados (o Datafolha, principalmente) saírem a campo (supervisionados por gente qualificada no assunto e sem rabo preso com o consórcio de veículos) e levasse a cabo, por exemplo, uma pesquisa para detectar o grau de confiança do eleitorado sobre as pesquisas eleitorais. O resultado seria desastroso ou catastrófico. 

PASSADO PESADO   

O resultado da pesquisa das pesquisas do Datafolha seria desastroso se as questões fossem elaboradas de forma equilibrada, sem vícios de origem, com neutralidade absoluta. E seria catastrófico se os enunciados carregassem os vieses político-eleitorais do Datafolha que inoculam no subconsciente dos entrevistados o bandeamento àquilo que os alquimistas de bastidores mais utilizam. Assim como no comércio um bom negócio começa com uma compra bem-feita para possibilitar uma venda lucrativa, nas pesquisas eleitorais ou de tantas outras temáticas o que prevalece na conflagrada polarização político-ideológica é uma engenhosa articulação indutiva que, na ponta da cadeia de embromações, se dará o nome de resultados.

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