Política

PESQUISAS ELEITORAIS
ALÉM DOS NÚMEROS (2)

  DANIEL LIMA - 28/08/2024

Neste segundo capítulo de uma série que vai ultrapassar três dezenas de casos, mostramos uma barbaridade registrada há quase 20 anos, em novembro de 2006. Ainda estava abrindo as cortinas de uma nova especialidade dessa fantástica profissão que nos desafia a buscar conhecimento permanente e a procrastinar quase sempre o materialismo como fonte de inspiração.

De fato, o materialismo no sentido de enriquecimento financeiro não faz parte das primeiras páginas da cartilha de quem pratica jornalismo como missão de vida – talvez seja consequência a alguns bem-aventurados não necessariamente bons de bola, ou melhor, bons de trabalho, mas isso é outra história.

O que interessa nesse segundo episódio é verificar como a modalidade de pesquisas eleitorais já era e segue sendo um desafio a  jornalistas. Até hoje, quase na metade da terceira década de novo século, são raros os profissionais de comunicação que decifram  a especialidade. Na quase totalidade dos casos, não passam de repassadores de informações – algo como um  volante à moda antiga, que se prende à frente dos zagueiros e distribui a bola burocraticamente.

Por isso, e contando como o suporte de políticos e marqueteiros muitas vezes eticamente inescrupulosos, os jornais,  também em larga escala parceiros de jornada, deitam e rola com divulgações farsescas.

Nesse caso específico, que segue logo abaixo, o quadro não é exatamente de assalto a mão armada à credibilidade dos consumidores de informação, mas arrematada patetice em forma de ingenuidade ou excesso de esperteza sem sustentação técnica. 

 

Resultado do Grande ABC se

espalha por todo o Interior

 DANIEL LIMA - 08/11/2006 

 

A ideia luminosamente maluca e desprovida de qualquer lógica científico-metodológica de que para saber o resultado das eleições presidenciais no Brasil bastaria recolher os números que saltam de pesquisas eleitorais no Grande ABC apaga-se diante de simples sopro de bom senso. 

Houve quem na pressa da foquice de trombetear um grande furo nacional tenha retirado das urnas eletrônicas do Grande ABC os números finais do primeiro turno das eleições presidenciais e vendido aos ingênuos a mensagem de que se cantou a caçapa do resultado. 

Seria bom se o Grande ABC fosse o espelho socioeconômico do País. Os institutos não precisariam gastar fortunas para espalhar pesquisadores por algumas dezenas ou mesmo centenas de municípios para capturar a vontade popular em sofisticadíssimas equações.  

Há pelo menos três dezenas de municípios entre os mais de 600 distribuídos pelo Estado de São Paulo cujos resultados das urnas em 29 de outubro despejaram números semelhantes aos mais de 1,8 milhão de eleitores do Grande ABC. 

BRASIL REDUZIDO

Fosse levar a sério a ideia de que basta pesquisar o Grande ABC para se ter o resultado do território nacional, seria mais conveniente para os institutos especializados que dirigissem não mais que alguns gatos pingados de seus pesquisadores a locais demograficamente bem menos volumosos que os encontrados nos sete municípios da região.  A conta ficaria bem menos salgada. Por exemplo: a pequena Altair registrou vitória de Lula da Silva por 57,8% a 42,1% dos votos válidos no segundo turno. Quase, quase mesmo, os numerais do Grande ABC, de 57,4% a 42,6%. 

Com base numa página inteira do Estadão com os resultados de todos os municípios paulistas, há pelo menos mais 30 exemplos semelhantes de localidades de diferentes tamanhos que, ao final da jornada eleitoral, apresentaram resultados muito próximos aos do Grande ABC.

A vitória do candidato tucano Geraldo Alckmin no Estado de São Paulo, com pouco mais de cinco pontos percentuais de diferença, se deve em parte a uma divisão quase homogênea da vantagem distribuída na Capital e na maioria dos municípios de pequeno e médio porte. Mas também nesse ponto nada é definitivo, porque se na metropolitana Campinas deu Lula, na também metropolitana São José dos Campos a superioridade foi de Geraldo Alckmin. 

MICRO NÃO É MACRO

Certo mesmo é que transferir para o território nacional qualquer resultado de uma região específica, ou mesmo de um Município, isoladamente, é a confissão tácita de ingenuidade combinada com precipitação instrumentalizada pela afoiteza turbinada pela arrogância.

Confundir o micro com o macro e gargantear essa transposição como a descoberta de uma fórmula provavelmente infalível de interpretação só não é mais corrosivo como informação do que aceitar a divulgação como verdade absoluta. 

Por mais que não tenha havido dolo na precipitação de tamanha bobagem, a sequência do caso, quando se propagou o "feito" como "conquista" histórica, é de lascar. Nesse ponto, juntam-se todas as mazelas de uma apuração e de uma interpretação equivocadas à sanha propagandística meramente oportunista. 

Já encaminhei para meu arquivo pessoal mais essa travessura informativa. Quando relatei o caso para um pesquisador que respeito, ele só faltou cair da cadeira de tanto que ria. Há os que preferem ignorar essas sandices. Quando afirmo na condição de leitor exigente que o jornalismo diário emburrece, preciso ser levado mais a sério.

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