Política

Botafogada eleitoral
já está consumada

  DANIEL LIMA - 15/07/2024

Seja qual for o resultado das eleições em Santo André, a botafogada está confirmada. O que seria uma conquista relativamente fácil assegurada pelo grupo do prefeito Paulinho Serra, virou disputa encarniçada que pode significar a derrota de quem tinha tudo para comemorar a vitória final.

Botafogada é derivativo metafórico do Botafogo do Rio no Brasileiro do ano passado, quando terminou o primeiro turno com tantos pontos à frente dos adversários que se dava como praticamente impossível imaginar a catástrofe de ser superado pelo Palmeiras.

O Botafogo deste ano não serve como sinônimo de botafogada porque nem está disparado no grupo de dianteiros do campeonato nem tampouco tem cara de que, em liderando com eventual folga, sucumbiria novamente nas rodadas finais. O Botafogo do Rio, juntamente com o Flamengo e o Palmeiras (a ordem de possibilidades é de trás pra frente) tem muito mais consistência e acena com um enredo que pode ser diferente. Como estou cansado de ver o Flamengo e o Palmeiras campeões, torço pelo Botafogo – à falta de outro alvinegro que só não cai pelas tabelas porque não tem mais como cair. 

PAU A PAU 

Feito esse reparo, volto ao que interessa: o Instituto Paraná trouxe números primários adulterados na interpretação e edição do Diário do Grande ABC, mas são números que, independentemente de consistência estatística, porque pesquisas são pesquisas, revelam o que poderia ser a face proeminente das eleições em Santo André.

Que face proeminente é essa? Ora, de uma disputa pau a pau entre três ou quatro competidores. Há tanta similaridade de forças, à primeira vista e análise, que supostamente seria desafiador os dois finalistas.

Não vou repetir o que expus em várias análises sobre circunstancialidade e contextos das eleições municipais deste ano na região, sob efeitos extraordinários. Estou me referindo aos figurões da política nacional com influência local: Lula da Silva, Jair Bolsonaro e o governador Tarcísio de Freitas.

ALGAZARRA DEMOCRÁTICA

Seria repetitivo voltar ao que já expus, embora elementos argumentativos pudessem ficar mais cristalizados. Vamos correr o risco e dar preferência à pesquisa propriamente dita.

O embolamento do jogo eleitoral em Santo André é, portanto, a prova provada da botafogada do Paço Municipal após a ruptura de um trato de sete anos que indicava o vice-prefeito Luiz Zacarias como concorrente natural à sucessão. Daí em diante, como se sabe, tudo degringolou. O buraco que se abriu deu forças aos concorrentes, inclusive ao próprio grupo de Zacarias. A pesquisa do Instituto Paraná confirma essa algazarra democrática.

A placidez eleitoral degringolou tanto que, embora o Instituto Paraná aponte aprovação do prefeito Paulinho Serra de 78%, o que se constata é que,  a menos de três meses das eleições,  apenas 18% dos eleitores teriam se decidido por Gilvan Júnior, o menino supostamente prodígio que ganhou a corrida pela sucessão situacionista. Não consigo enxergar um dedinho de sumidade no candidato do Paço Municipal, como em nenhum outro concorrente. Mas isso é outra história.

Leitores mais atentos diriam que não são 18% os eleitores de Gilvan Júnior, segundo os dados do Instituto Paraná. No Cenário-2 do inventário junto aos eleitores, Gilvan Júnior lideraria com 22,8%. Não é bem assim. Afinal, se 21,9% dos eleitores não sabem, não responderam ou não pretendem votar em nenhum dos candidatos, mesmo no critério de voto estimulado, sobraram 78% dos votos válidos. Daí, o rebaixamento do estoque de votos preliminar do jovem tucano. 

FAVORITISMO?

Como os demais principais concorrentes (Eduardo Leite, Luiz Zacarias e Bete Siraque, seguindo a hierarquia do Instituto Paraná) estão fortes na disputa, e empatam o jogo dentro de critérios de margem de erro mais que elevadíssima, está mais que clarificado que o favoritismo do Paço Municipal, por conta da aprovação de Paulinho Serra, ainda precisa ser construído.

O repasse automático do prestígio popular do titular do Paço Municipal não parece ganhar tração suficiente para que tanto se resolva o jogo no primeiro turno quanto se garanta que Gilvan Júnior chegará ao segundo turno.

E se chegar ao segundo turno ainda teria de enfrentar o desafio de virar favorito. Essa é a botafogada à qual me referi faz meses.

A botafogada está consumada, mesmo que o jogo termine num improvável primeiro turno. Afinal, os custos consequenciais da barbeiragem não constavam da planilha de uma campanha até então homologatória de sucessão vitoriosa.

ELEITORES ALIENADOS?

Há, entretanto, uma permeabilidade pouco identificada no universo de eleitores de Santo André ouvidos pelo Instituto Paraná. Trata-se da mobilidade do voto, no sentido de mudança mesmo, envolvendo a parte majoritária dos eleitores que não apontaram qualquer um dos concorrentes.

Isso se deu, como escrevi na sexta-feira, na primeira questão apresentada aos eleitores, na modalidade de voto espontâneo, sobre em quem pretendiam votar em Santo André. Como constatou o Instituto Paraná, 72% não souberam responder.

Na pergunta seguinte, de voto estimulado, um contingente majoritário desembarcou da ignorância ou de qualquer outro fator e fez opção por uma das alternativas apresentadas em cartela específica, redonda, com nomes de todos os concorrentes.

Mesmo assim, sobrou um quinto de eleitores que resistiram a apontar qualquer candidato. A parcela de eleitores que saltaram do voto espontâneo para o voto estimulado é expressiva tanto quanto maleável a eventuais novas escolhas, porque se trata de voto vulnerável.

Vamos fazer um teste? Pergunto ao leitor e à leitora qual é o namorado do qual jamais se esquece? Quem responder de imediato, sustenta um sentimento forte, convicto. Se demorar e for preciso produzir um recenseamento memorial, é possível que vários nome despontem. Acho que o leitor e leitora vão mencionar o nome preferido em proporção muito maior que a definição por um dos candidatos em Santo André.

VITÓRIA DE TODOS

Portanto, quanto mais dúvida, menos certeza de que o nome escolhido tenha ficado mesmo marcante na memória. Candidato apontado como preferido diante de uma cartela na qual constam todos os concorrentes é candidato que pode cair do cavalo de expectativas se as rodadas seguintes da pesquisa revelarem insistência na definição preferencial.

Por enquanto, essa é a grande maioria em Santo André. Do primeiro namorado ou namorada ninguém esquece. Dos demais, tudo pode acontecer.

Uma prova provada de que a pesquisa do Instituto Paraná apresentou resultados e interpretações que significaram um tiro no pé da campanha de Gilvan Júnior é que  adversários e marqueteiros traduziram os números em sucessos. O empate técnico admitido na interpretação da página interna do Diário do Grande ABC, contradizendo a manchetíssima de primeira página, que colocou Gilvan Júnior como líder da competição, ganhou ênfase nas redes sociais.

MELHOR ESPERAR

O que isso sugere? Que até que a próxima pesquisa desembarque com dados sólidos ou não, Eduardo Leite, Bete Siraque e Luiz Zacarias (favorito até prova em contrário) passaram a chamar mais atenção tanto de potenciais eleitores quanto de potenciais financiadores que, independentemente de aspectos legais, estão sempre nas paradas.

Mais que isso: se até a pesquisa divulgada pelo Diário do Grande ABC o candidato do Paço Municipal teria apenas um concorrente para valer, no caso Luiz Zacarias, agora enfrenta um trio supostamente competitivo.

Mais que isso: sabe-se que a semente da unificação da oposição no segundo turno, diante de eventual passagem de Gilvan Júnior à etapa derradeira, estaria sendo lançada. Todos contra o Paço Municipal parece ser mote de campanha de segundo turno.

Uma botafogada para ser botafogada precisa ter um roteiro bem definido e o Paço Municipal parece ter-se mesmo inspirado no futebol.

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