Administração Pública

Paulinho Serra vai aumentar
ainda mais carga tributária

  DANIEL LIMA - 24/10/2023

A entrevista de página inteira que o novo secretário de Finanças de Santo André concedeu ontem ao Diário do Grande ABC é a sinalização do fracasso fiscal da gestão de Paulinho Serra. Não apenas isso: é o déficit ainda maior da gestão na área de Desenvolvimento Econômico.   

Qualquer outra avaliação tem o propósito protecionista de aliviar a barra de erros cometidos numa corrida de maratona de oito anos, não de um, tiro curto de 100 metros.  

Não é fácil terminar o segundo mandato de oito anos de gestão tendo de fugir do prejuízo. O aumento dos impostos, a venda de ativos imobiliários e a caça aos contribuintes inadimplentes formam o conjunto de uma obra implícita na entrevista de Pedro Seno. Para variar, o Diário do Grande ABC transforma tudo que é da gestão de Paulinho Serra em interpretação ou indução amena, de um positivismo envergonhado.   

Vou repetir mais uma vez uma fórmula de interação, me metendo na entrevista publicada pelo Diário. Sou um penetra. Reproduzo as perguntas do jornal e as respostas do secretário. Em seguida, entro com algumas observações. Nesse caso, os leitores vão entender as razões de apontar sem qualquer resquício de dúvida que a Administração de Paulinho Serra vive um fim de feira fiscal precoce, sobre o qual terá de impor correções que vão arder nos olhos dos contribuintes.  

PERDAS E DANOS  

Para que o contexto da entrevista seja entendido na plenitude crítica desse penetra, recorro a alguns dados sobre a situação econômica e fiscal de Santo André durante todo ou parcela significativa do mandato do prefeito Paulinho Serra.  

Contra uma inflação (IPCA) acumulada de 35,56% no período de janeiro de 2017 (quando o prefeito assumiu o cargo) a dezembro do ano passado, a Prefeitura de Santo André recebeu de repasse de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços 64,95% de incremento. Foram R$ 288.661.049 milhões em valores nominais (sem considerar a inflação) em 2016 (base de cálculo) e passou para R$ 476.132.587 milhões em dezembro do ano passado.  

Também no repasse do IPVA (sobre veículos) a Prefeitura de Santo André durante o mandato de Paulinho Serra alcançou crescimento de receitas, agora de 40,37% em termos nominais, levemente acima da inflação do mesmo período. Eram R$ 136.373.730 milhões em 2016 e passou para R$ 191.433.206 milhões em 2022.   

Quando se somam os valores do ICMS, do IPVA, do Fundo de Exportação e também de compensação financeira sobre exploração de gás, óleo bruto e xisto betuminoso, as receitas da Prefeitura de Santo André com repasses do Estado e da União somaram R$ 428.088.821 milhões em 2016, portanto o ano imediatamente anterior ao primeiro mandato de Paulinho Serra, e chega a R$ 672.615.717 milhões em 2022. Um crescimento nominal de 57,12%, mais de 20 pontos percentuais acima da inflação de 35,56%.   

MAIS CARGA FISCAL 

Também no que chamo de PIB Público Municipal, ou Receita Tributária Própria, a Administração de Paulinho Serra avançou acima da inflação do período. O crescimento nominal de 72,16% está muito acima da inflação. Eram R$ 633.836.867 milhões em 2016 e passou para R$ R$ 1.091.208 bilhão em 2022. Na Receita Tributária Própria estão envelopados o IPTU, o ITBI, taxas, contribuições e ISS.  

Esses resultados estão em desacordo com a realidade econômica de Santo André. Um exemplo: no período que começa em janeiro de 2017 e se encerra em dezembro de 2021 (os dados mais atualizados), o salário médio de todos os trabalhadores com carteira assinada em Santo André cresceu nominalmente apenas 18,71% – era R$ R$ 2.738,46 mil em 2016 e passou para R$ 3.250,73 em dezembro de 2021. O total de trabalhadores formais passou de 195.125 mil em dezembro de 2016 para 203.274 em dezembro de 2022. Um crescimento de apenas 4,17%.   

Para completar, o PIB per capita de Santo André no período de 2017 a 2020 (também o mais atualizado) passou em valores nominais de R$ 37.595,00 para R$ 40.812,01, com crescimento nominal de 8,56%. Portanto, abaixo da inflação do período, de 16,44%.   

Tradução: enquanto a média de crescimento econômico de Santo André está muito aquém do processo inflacionário, as receitas da Prefeitura de Santo André cresceram sem parar. Esse contexto é fundamental para o leitor entender minha participação na entrevista que se segue.  

DIARIO DO GRANDE ABC -- Novo secretário de Finanças de Santo André, Pedro Seno admite que o cenário econômico municipal – influenciado pelo prisma nacional – traz preocupações, mas ele avalia haver soluções diante das ações que já estão em prática no governo do prefeito Paulo Serra (PSDB). Na avaliação de Seno, os últimos ajustes feitos pelo Paço, como o decreto de contenção de gastos, servem para manter estabilidade das contas públicas. “Estamos entrando no último ano de mandato, vamos entregar uma Prefeitura diferente da forma como recebemos (em 2016) e isso precisa seguir”, pondera o secretário, em entrevista exclusiva ao Diário. O sr. assumiu a Secretaria de Finanças oficialmente na quinta-feira. Já foi possível traçar um diagnóstico do setor?  

PEDRO SENO -- Eu tenho, na verdade, ouvido muito, especialmente as áreas da Prefeitura que têm algum tipo de problema orçamentário e financeiro de fluxo de caixa. Nesses dois dias eu não consegui ainda me apropriar e sentar com a equipe para olhar a situação das finanças para saber como está o orçamento. Sabemos um pouco de como está o caixa pelo que temos ouvido falar, sobretudo por esse decreto que a gente publicou, exatamente porque a gente precisa equilibrar as contas. Estamos entrando no último ano de mandato, vamos entregar uma Prefeitura diferente da forma como recebemos (em 2016) e isso precisa seguir. Então, nesses dois dias, eu consegui na verdade ouvir algumas áreas, como Educação, Saúde, Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André) e Esporte para entender quais são as demandas, o que eles precisam para encerrar o ano e como é que a gente pode eventualmente ajudar. Sabemos da preocupação com a questão orçamentária, mas o pessoal também tem entendido que não é um cenário isolado de Santo André, há uma queda generalizada de arrecadação, em vários municípios, aqui no Grande ABC mesmo outras cidades decretaram contingenciamento (além de Santo André, Diadema e Ribeirão Pires publicaram decretos nesse sentido). Em São José do Rio Preto, no Interior, também há esse decreto. Há uma estagnação econômica. Todo mundo achava que, com a virada do governo federal, haveria um período de bonança, de melhoria da atividade econômica de forma geral, mas isso não aconteceu. Até houve um respiro no primeiro quadrimestre, foi melhor que a média, mas logo cessou e a arrecadação caiu muito. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que está em queda, tem total relação com a estagnação econômica porque envolve toda uma cadeia da economia, sobretudo na indústria. A gente fez um pouco de lição de casa na Prefeitura de Santo André nos últimos tempos, com a revisão de algumas leis tributárias. Vamos, inclusive, revisitar a legislação do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) e do ISS (Imposto Sobre Serviços). Temos de ter um olhar mais focado em ação fiscal porque não tem segredo ou mágica. Santo André subiu demais a quantidade e a qualidade de serviço, com muitos equipamentos inaugurados. Para manter tudo isso, não tem como sem olhar para a questão tributária.   

CAPITALSOCIAL – A declaração do secretário, que levou o Diário do Grande ABC a optar por uma manchete otimista, ou seja, de que Santo André de hoje é melhor que a Santo André de 2016, último ano do mandato do petista Carlos Grana, é um sofisma. Estar melhor do que estava quando se encerrou o mandato de Carlos Grana está longe de ser uma virtude. Até porque, aquele ano foi o segundo consecutivo da maior recessão da história da região, que impactou todos os municípios, a bordo dos estragos da presidente Dilma Rousseff. O PIB Regional caiu 22%. O PIB de Santo André perdeu quase 30% na contabilidade per capita.  A generalização de perdas municipais não tem a abrangência declarada pelo secretário. Tanto que muitos municípios se prepararam mais adequadamente às projeções de que este ano seria um alerta aos exagerados. A queda da arrecadação fiscal já era esperada e não pode ser apontada como o principal fator de risco que se consolidou. Depois das benesses fiscais do presidente Jair Bolsonaro, por conta do Coronavírus, as projeções indicavam complicações para o Estado como um todo. Mas o que mais preocupa nesse trecho da entrevista do secretário é o aviso subliminar, quase implícito, e explícito se for rigorosamente avaliado, de que a Prefeitura prepara novos arranjos arrecadatórios com o uso de novas incursões em dois impostos próprios, o ISS (Imposto Sobre Serviços) e o ITBI (sobre imóveis).  

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Um gargalo financeiro que Santo André vive é o precatório. Qual missão o prefeito Paulo Serra lhe deu para tentar atenuar esse problema?  

PEDRO SENO -- Eu assumi (o comando da Secretaria de Finanças) na quinta-feira e o primeiro dia eu já tive reunião com o desembargador presidente do Depre (Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos, órgão do Tribunal de Justiça de São Paulo responsável por canalizar a questão de precatórios no Estado), o desembargador Afonso Faro Júnior. Foi uma reunião bem interessante. Ele foi muito duro na linha de que a gente é um dos municípios superendividados, com uma proporção de três a quatro vezes nossa receita. Mas a gente vai ter que fazer é trabalhar fortemente na questão de pagamento de valor de precatório fora do aporte comum, com métodos alternativos e fazendo um trabalho bem forte com câmara de conciliação, que a gente já republicou. Estimamos que haja celeridade e desconto nos acordos. E também vamos trabalhar muito forte a questão de alienação de áreas públicas. Um trabalho que a gente já tem feito, fizemos com intensidade dois anos atrás e vamos retomar porque há uma quantidade grande de áreas públicas em desuso, sem necessidade de seguir sob responsabilidade da Prefeitura. Vamos prepara os editais de licitação. O último item desse tripé é a questão de compensação. Ver as empresas que têm precatórios a receber e, ao mesmo tempo, possuem dívidas inscritas na Prefeitura para adotar um mecanismo de compensação. Mas precisamos ter claro que esse é um debate que extrapola Santo André. Tanto que o prefeito Paulo Serra é vice-presidente de finanças da FNP (Frente Nacional de Prefeitos) porque o caso de Santo André é delicado. A atual regra constitucional diz que temos de zerar os precatórios até 2029, mas não podemos ultrapassar os 5% da receita nesse pagamento. O atual estoque de precatórios de Santo André bate R$ 1,4 bilhão. Então temos debatido a necessidade de esticar esse prazo porque, pelas regras vigentes, a situação é complicada.  

CAPITALSOCIAL – Quando entregou o Semasa (que cuidava de água e esgoto de Santo André) à Sabesp, o prefeito Paulinho Serra estava entusiasmado. Havia a perspectiva de que o peso relativo dos precatórios poderia ser menos grave na medida em que a Prefeitura foi beneficiada com os recursos da concessão. O que se viu é diferente. O secretário anuncia o que o prefeito Paulinho Serra decidira há mais de 10 dias: é preciso vender terrenos públicos para, em conjunto com outras medidas, elevar as receitas da Prefeitura. Nada mais lógico e necessário, porque o estoque de imóveis públicos na região como um todo é incompatível com os novos rumos da gestão publica digitalizada e de alta tecnologia, que dispensará propriedades públicas gigantescas e onerosas.   

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Mas o cenário financeiro é inviável ou há solução?  

PEDRO SENO -- Há solução. Mas é preciso enfrentar os problemas. Temos alguns desafios na questão arrecadatória, tributária, que precisamos enfrentar. Por exemplo, quando houve o impasse do IPTU em 2017 para 2018, criou-se um limbo jurídico com relação à Planta Genérica de Valores. Em 2021, enfrentamos essa questão. Agora, temos de enfrentar um desafio de trabalhar em cima de quem não paga o IPTU, não onerar mais quem já paga. Teremos um processo de recadastramento imobiliário no ano que vem, para identificar quem não paga o IPTU, quem reformou, ampliou seu imóvel e também não paga o tributo que deve. Temos de focar nas soluções. Eu falo muito isso para o prefeito. Gosto de dar autonomia para a minha equipe, autonomia total, porque quero gastar boa parte do meu tempo pensando e executando soluções.  

CAPITALSOCIAL – A visão do secretário é fiscalista. Fala com a frieza de um executivo que parece não ter conhecimento ou pouco se importa com a realidade histórica de Santo André, acentuada a cada nova temporada, de perda de vitalidade econômica e social. O secretário vai usar a cartucheira de cobranças implacáveis para tentar obter os recursos financeiros de que a Administração Municipal de Santo André precisa. Alguém precisa dizer ao secretário que Santo André precisa reduzir a carga tributária ao invés de correr atrás de inadimplentes que, na maioria dos casos, também o são em quesitos mais prementes, como carnês de água, esgoto, alimentação e tudo o mais que os cartões de crédito incrementam.  Ou seja: Santo André é um caso gravíssimo de empobrecimento, o que eleva a quebra de pagamentos de tributos.   

DIARIO DO GRANDE ABC -- Como a inovação pode facilitar o processo de melhora das contas públicas?  

PEDRO SENO -- Essas novas tecnologias podem agregar muito na parte econômica do município. Por exemplo, na minha primeira passagem pela Secretaria de Finanças, permitimos o pagamento de boletos via PIX. Muitas vezes o cidadão ia até o balcão, renegocia sua dívida, saía com boleto e não quitava. Hoje o cara é atendido na hora, já gera o QRCode e ele paga na hora, pelo celular. E esse dinheiro cai imediatamente na conta da Prefeitura pelo convênio com o Banco do Brasil.   

CAPITALSOCIAL – O viés arrecadatório e tecnológico, ou tecnológico e arrecadatório, está na raiz filosófica do secretário.   

DIARIO DO GRANDE ABC -- A percepção da população é a de que, no serviço público, tudo é moroso e arcaico. Mas, aqui em Santo André, o sr. lidera um debate em torno da inovação no poder público. Como esse debate se aplica na prática da gestão?  

PEDRO SENO -- Inovação tecnológica é minha praia é de verdade, área pela qual sou formado, tenho especializações, mestrado e tentando doutorado. Em Santo André, fui superintendente da Previdência, secretário de Planejamento e agora secretário de Finanças pela segunda vez. Entrei com uma adjunto de Inovação e Administração e voltei no começo do segundo mandato como secretário. Inovação é uma área que quero seguir para o resto da minha vida. Claro que gostaria que a gente tivesse muito mais evoluído nessa parte, mas a gente fez muita coisa. Saltamos em números consideráveis. No começo do mandato, a gente tinha 103 câmeras no município e hoje a gente está perto de atingir 3.700 câmeras. São câmeras voltadas para a parte de monitoramento do trânsito, nos equipamentos públicos e que monitoram toda a cidade. Hoje temos uma solução de monitoramento de câmera de reconhecimento facial, de reconhecimento de placa e, pelo nosso setor analítico, conseguimos saber e identificar um veículo da cor vermelha, numa segunda-feira específica, nos últimos 12 meses, entre às 8h e às 10h, no sentido bairro-centro, na Avenida Pereira Barreto. Colocamos filtros e conseguimos limpar a imagem apenas para ficar o veículo que listamos. Estive à frente da implementação do COI (Centro de Operações Integradas), inclusive estamos avançados para um novo COI, com uma reforma e ampliação do atual. Estamos montando um projeto de IoT, a internet das coisas, dentro de dois a três anos vamos ter uma cidade hiperconectada. Conseguir, por exemplo, ligar ou desligar lâmpadas de determinado andar do prédio do Executivo pelo meu celular. Isso num exemplo, porque vamos ampliar isso para uma escala bem maior, envolvendo toda a cidade. A ideia é que consigamos, por exemplo, identificar um acidente de trânsito, encaminhar um drone para lá, filmar e trazer a informação, em tempo real, da situação para melhor avaliação do que fazer. Poderemos chegar ao ponto de, havendo um acidente grave em determinada avenida, controlar os semáforos do caminho para facilitar o acesso de uma ambulância. No futuro, queremos ter a possibilidade de administrar essas coisas por celular, por controle de voz.  

CAPITALSOCIAL – Seria ótimo não fosse já tardio que o secretário tecnológico discorresse sobre a realidade econômica de Santo André. Ele poderia chegar à conclusão já denunciada aqui sem que o seu chefe, o prefeito Paulinho Serra, tenha tomado qualquer providência a encaminhar soluções mesmo para o futuro. As cadeias de produção industrial de Santo André foram mortas e enterradas ao longo de 40 anos de desindustrialização. Só restou a cadeia Petroquímica, que gera pouco emprego industrial. A tecnologia do secretário pode até abrir um portão de segurança pública aos contribuintes, embora os crimes de roubo e furto de veículos batam recorde nacional, mas precisam ser adaptadas ao Desenvolvimento Econômico. Que é multissetorial.   

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Pelo o que o sr. vê, discute e analisa, em que situação está Santo André nesta questão tecnológica?  

PEDRO SENO -- Muito à frente. Eu tenho feito umas palestras em alguns eventos sobre inovação tecnológica e tenho batido bastante na tecla da necessidade de avanços tecnológicos, sobretudo no poder público. Eu sou vice-presidente de inovação dentro do setor temático da FNP e tenho me debruçado muito nessa questão de cidades inteligentes.  

CAPITALSOCIAL – O currículo do jovem secretário da Prefeitura de Santo André precisaria ser reforçado como um agente desenvolvimentistas muito além do circo armado de tributar uma sociedade em frangalhos.  

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