Santo André é a terra dos
milagres de Paulinho Serra
DANIEL LIMA - 29/09/2023
O Departamento de Efeitos Especiais da Prefeitura de Santo André sob o comando do prefeito Paulinho Serra promoveu ontem um evento festivo para traduzir em números o universo de pessoas com algum tipo de deficiência. Um milagre foi anunciado. Paulinho Serra pode deixar de ser prefeito para virar santo. Santo de Santo André. Nesse ritmo, Santo André mudará de nome. Será Santo Paulinho.
O milagre de Santo André é que, diferentemente do Brasil inteiro, Santo André tem proporcionalmente menos deficientes entre os idosos do que entre os jovens e também de outras faixas etárias.
Ou seja: Santo André é o paraíso sonhado por todos que já completaram 60 anos. Os idosos de Santo André são tremendamente mais bem saudáveis que os idosos do resto do mundo.
Temos, portanto, um contraste no confronto com a realidade nacional e internacional. É claro que se trata de deficiência grotesca no balanço dos deficientes.
Se não houver um Departamento de Efeitos Especiais na Prefeitura de Santo André (como existe a Secretaria Especial de Prêmios e Indicadores) chegaremos à conclusão de que os marqueteiros da Administração de Paulinho Serra estão mesmo perdendo tempo e um mote extraordinário.
Ora, bolas! Santo André é mesmo a terra de milagres, um lugar imperdível aos idosos com baixa probabilidade de acusar algum tipo de deficiência, porque idoso sem algum tipo de deficiência é idoso afortunado. Os tipos de deficiência são muitos, variadíssimos. Muitos não percebem.
A lista oficial de tipos de deficiência é longa. Se você tem dificuldade para andar ou subir escada, você é um deficiente. Se tem dificuldade para levantar uma garrafa com dois litros de água da cintura até a altura dos olhos, deficiente também é. Se você tem dificuldade para aprender, lembrar-se das coisas ou se concentrar, também é deficiente. Como é deficiente quem tem dificuldade para pegar objetos pequenos ou abrir e fechar recipientes. Tem mais, mas paro por aqui.
Afinal, como nas bandas de Santo André os idosos com algum tipo de deficiência são tão poucos em relação à população de deficientes de outras bandas, e, consequentemente, da população em geral, é provável existir alguma porção milagrosa (quem sabe na água cara, o IPTU caro, a desindustrialização acelerada, a fuligem do Polo Petroquímico, sei lá) que vale a pena ser explorada para uma mudança de endereço? Vão invadir Santo André?
Santo André é a pátria do idoso quase que completamente feliz, sem complicações motoras, visuais, tudo que se imaginar de deficiência.
Quem não quer se tornar um velho feliz na Santo André de Paulinho Serra? Os idosos de Santo André riem dos jovens de Santo André. A Terceira Idade foi glorificada. A Juventude mudou de patamar e está com os pés na cova. Os jovens de Santo André são velhos. Os velhos de Santo André são jovens. O Paracenso da Prefeitura de Santo André é uma parada. Uma parada a reflexões.
Não consigo entender como Paulinho Serra desperdiça uma oportunidade de ouro para fazer de Santo André a Capital Mundial dos Idosos Saudáveis. Uma Zona Azul em meio ao Arquipélago Cinza. “Venha para Santo André e seja o Velho ou a Velha mais feliz do mundo” – eis o mote da campanha de marketing. É só trocar “Velho” e “Velha” por idoso, para não ofender quem tem mais idade e evitar complicações politicamente corretas.
Quanto à possibilidade de virar uma Zona Azul de Idosos, não duvidem que os criadores do documentário que registra os cinco melhores endereços mundiais para obter longevidade com saúde desembarquem em Santo André. E se forem idosos, daqui não arredarão pé. Velho sem deficiência é o sonho dourado.
A terra do milagre dos idosos saudáveis é a constatação que mais me chamou a atenção na reportagem de hoje do Diário do Grande ABC. Outros indicadores que poderiam ser escrutinados com mais tempo provavelmente apareceriam. Mas provavelmente nada equivaleria ao milagre dos idosos.
O modelo de governo do prefeito Paulinho Serra é esse mesmo. Paulinho Serra carrega a empáfia incontrolável à espetacularização.
Não interessa ao prefeito bases sólidas de dados e de fatos. Quer aparecer a todo custo. A mídia acrítica sempre lhe dá guarida. Acredita-se muito que a população é um bando de idiotas.
Os leitores acostumados com jornalismo chapa-branca ou com jornalista deliberadamente perseguidor podem confundir as coisas, mas neste espaço, de ombudsman de verdade, o que sempre imperará é a indignação.
Não pretendo passar recibo de otário informativo depois de acumular dezenas de anos de experiência numa profissão cada vez mais aviltada.
Mas vamos aos fatos que interessam. O Diário do Grande ABC publicou hoje em manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) e com destaque de capa de página interna que 6,7% da população de Santo André possui algum tipo de deficiências. Os demais municípios não foram mencionados. O Diário municipalista nem sempre presta atenção à regionalidade.
A reportagem reflete o evento que o prefeito Paulinho Serra realizou para anunciar o que chama de Paracenso, um levantamento que, supostamente, tem como objetivo ampliar a formulação de políticas de inclusão na cidade.
Faltou dizer com mais clareza e destalhes que todos os dados são do governo federal, especialmente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ou mais precisamente da PNAD Contínua, divulgada em julho último. Há sim na matéria do Diário essa citação, mas o destaque (e é aí que mora o perigo) coloca Santo André como protagonista dos dados primários. Querem ver? Reproduzo um trecho da matéria do Diário do Grande ABC:
Durante o evento de lançamento do Paracenso, realizado no Salão Burle Marx, na Praça IV Centenário, o prefeito Paulo Serra (P)SDB) pontuou que a iniciativa é uma das primeiras a ser realizada por uma gestão municipal no País, e ressaltou a importância do levantamento: “Pode parecer simples, mas é um trabalho brilhante e representa muito do que é nossa gestão, de tornar as pessoas invisíveis visíveis. O que o Paracenso traz, esse diagnóstico apurado, é para poder melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Diagnóstico, implementação e medição de resultados, essa é a ordem para uma boa política pública com os melhores resultados possíveis”, disse o chefe do Executivo no estilo próprio dos políticos velhos de guerra.
Não estou descartando a possibilidade de assessores técnicos da Prefeitura de Santo André terem acrescentado ou especificado algumas ações com base na matriz do governo federal. O que coloco na linha de tiro ético é o pronunciamento do prefeito que se apropria claramente de dados de terceiros, traduzindo-o como culinária estatística própria. No fundo, como se vê, é um vatapá indigesto. Vou provar isso logo abaixo.
Mas o que me chamou mais a atenção e que por isso mesmo me leva a desconfiar do todo apresentado no jornal, é que os idosos (pessoas com mais de 60 anos) são muito menos que na média restante do País. É claro que se trata de um erro crasso.
Das 50.177 pessoas com algum tipo de deficiência (ou 6,7% da população geral) de Santo André, 8,9% têm entre 60 e 69 anos, 5% têm de 70 a 79 e 2,5% acima de 80 anos. Somando as três divisões, chega-se à conclusão de que 16,4% da população acima de 60 anos tem algum tipo de deficiência. A média nacional é desclassificatória, de imediato, porque chega a 47%.
Chamo a atenção para a essa comparação demolidora. Somente um terço da dos idosos de Santo André seriam enquadrados com algum tipo de deficiência em relação à média nacional. É de lascar.
Não é preciso gastar muita massa encefálica para descobrir a furada estatística produzida pela Prefeitura de Santo André. Os 16,4% de idosos deficientes com mais de 60 anos formam um batalhão inferior aos 17,2% de jovens de 30 a 39 anos. Entre os deficientes de 40 a 59 anos, que se dividem em duas faixas estatísticas, o total registra 26,1%. Até mesmo os deficientes de 2 a 19 anos são mais que os deficientes de 60 anos em diante, com registro de 23,6% também em duas faixas complementares. Todos esses números se referem a Santo André.
Para quem tem mínima familiaridade com dados nacionais de diversos calibres temáticos, parece claro que houve um outro tipo de erro e isso desfaz a ideia de que Santo André é uma terra de milhares.
Salvo engano, os percentuais que aparecem nas páginas do jornal e possivelmente nos estudos da Prefeitura (retirados do governo federal) se referem, de fato, à participação relativa das respectivas faixas etárias no conjunto da população, não do universo restrito de deficientes.
Deve ser isso, mas mesmo isso não quebra o galho de ninguém porque a mensagem-eixo da festança da Prefeitura é que a massa de informações teria sido prevalecentemente orquestrada pelos assessores do prefeito quando, até prova em contrário, tem outro endereço. O puxadinho municipal, indecifrável na reportagem, foi transformado em peça prevalecente do anúncio. Típico da gestão fantasiosa de Paulinho Serra.
DADOS OFICIAIS
Reproduzo a seguir os principais trechos publicados em julho último no portal do governo federal sobre os dados da pesquisa envolvendo a população nacional com algum tipo de deficiência, matéria-prima da qual se apropriou a Prefeitura de Santo André para preparar o evento de ontem. Leiam:
A população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões de pessoas de 2 anos ou mais, o que corresponde a 8,9% da população dessa faixa etária. O indicativo faz parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): Pessoas com Deficiência 2022, lançada nesta sexta-feira (07), em Brasília (DF), fruto de um Termo de Execução Descentralizada entre a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (SNDPD/MDHC) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados contemplam o terceiro trimestre de 2022 e oferecem um panorama detalhado sobre as características gerais dessa parcela da população, além de temas como a inserção no mercado de trabalho e condições de estudo. A pesquisa permite ainda uma comparação entre as pessoas com e sem deficiência, destacando as prevalências e desigualdades entre esses grupos.
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Anfitriã do evento, a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella, ressaltou que os dados apresentados são uma fonte importante para seguir na trajetória de promoção dos direitos humanos para todas as pessoas. “Compreender as nuances do nosso povo, a sua diversidade, vivências e desafios, nos permite tomar decisões políticas embasadas em evidências, e é por isso que podemos afirmar que hoje estamos dando um passo importante em direção a mudança”, enfatizou.
Para Feminella, essa conquista precisa ser entendida como uma etapa, pois ainda faltam dados para auxiliar na compreensão das necessidades das pessoas com deficiência em todo o nosso território. “Ainda existem lacunas em nosso conhecimento. Precisamos aprender mais sobre grupos específicos, como as pessoas com deficiência que vivem em situação de rua ou estão institucionalizadas. É nossa responsabilidade continuar a busca por essas informações, fomentando e fortalecendo parcerias como esta, para que possamos fazer mais para promover a garantia dos direitos de todas as pessoas”, completou.
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Segundo o presidente substituto do IBGE, Simar Azeredo, parceiro do evento, a divulgação da pesquisa marcou um avanço histórico, pois pela primeira vez foram produzidos dados específicos sobre pessoas com deficiência, anteriormente presentes só em Censos Demográficos e na Pesquisa Nacional de Saúde. “Nós, institutos oficiais de estatística, quando produzimos estatística, fazemos isso com o intuito de melhorar a vida das pessoas. Coletamos dados para que políticas sejam formuladas e desenvolvidas com alcance para toda a sociedade”, reforçou.
Das 18,6 milhões de pessoas com deficiência, mais da metade são mulheres, com 10,7 milhões, o que representa 10% da população feminina com deficiência no País. O Nordeste foi a região com o maior percentual de população com deficiência registrada na pesquisa, com 5,8 milhões, o equivalente a 10,3% do total. Na região Sul, o percentual foi de 8,8%. No Centro-Oeste, 8,6% e, no Norte, 8,4%. A região Sudeste foi a que teve o menor percentual, com 8,2%.
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Em relação à cor autodeclarada, o percentual de pessoas com deficiência dentro da população preta foi de 9,5%, enquanto entre pardos, 8,9% e brancos 8,7%.
Os dados da PNAD mostram também que as pessoas com deficiência estão menos inseridas no mercado de trabalho, nas escolas – e, por consequência, tem acesso a renda mais dificultado. Segundo o levantamento, a taxa de analfabetismo para pessoas com deficiência foi de 19,5%, enquanto para as pessoas sem deficiência foi de 4,1%. A maior parte das pessoas de 25 anos ou mais com deficiência não completaram a educação básica: 63,3% eram sem instrução ou com o fundamental incompleto e 11,1% tinham o ensino fundamental completo ou médio incompleto. Para as pessoas sem deficiência, esses percentuais foram, respectivamente, de 29,9% e 12,8%. Enquanto apenas 25,6% das pessoas com deficiência tinham concluído pelo menos o Ensino Médio, mais da metade das pessoas sem deficiência (57,3%) tinham esse nível de instrução. Já a proporção de pessoas com nível superior foi de 7,0% para as pessoas com deficiência e 20,9% para os sem deficiência.
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A pesquisa analisou ainda o perfil das pessoas com deficiência a partir dos principais indicadores de mercado de trabalho. Segundo o IBGE, 26,6% das pessoas com deficiência encontram espaço no mercado de trabalho. O nível de ocupação para o resto da população é de 60,7%. Cerca de 55% das pessoas com deficiência que trabalham estão em situação de informalidade. O rendimento médio real também diferente entre pessoas com deficiência e sem: para o primeiro grupo, a renda foi de R$ 1.860, enquanto o segundo chegou a R$ 2.690, uma diferença de 30%.
Em 2022, 47,2% das pessoas com deficiência tinham 60 anos ou mais de idade. Entre as pessoas sem deficiência, apenas 12,5% estavam nesse grupo etário.
No terceiro trimestre de 2022, a taxa de analfabetismo para as pessoas com deficiência foi de 19,5%, enquanto entre as pessoas sem deficiência essa taxa foi de 4,1%.
Apenas 25,6% das pessoas com deficiência tinham concluído pelo menos o Ensino Médio, enquanto 57,3% das pessoas sem deficiência tinham esse nível de instrução.
A taxa de participação na força de trabalho das pessoas sem deficiência foi de 66,4%, enquanto entre as pessoas com deficiência essa taxa era de apenas 29,2%. A desigualdade persiste mesmo entre as pessoas com nível superior: nesse caso, a taxa de participação foi de 54,7% para pessoas com deficiência e 84,2% para as sem deficiência.
O nível de ocupação das pessoas com deficiência foi de 26,6%, menos da metade do percentual encontrado para as pessoas sem deficiência (60,7%).
Cerca de 55,0% das pessoas com deficiência que trabalhavam estavam na informalidade, enquanto para as pessoas ocupadas sem deficiência esse percentual foi de 38,7%.
O rendimento médio real habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas com deficiência foi de R$1.860, enquanto o rendimento das pessoas ocupadas sem deficiência era de R$ 2.690.
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